Wall Street está vivenciando uma verdadeira corrida de pedidos de registros de Ofertas Públicas Iniciais (IPOs, na sigla em inglês).
Uma corrida onde o principal mercado financeiro do mundo parece querer evitar os problemas criados pelo novo coronavírus (covid-19), pelas dificuldades da economia e pelas incertezas políticas dos EUA. Mas que Wall Street estaria determinada em ganhar.
Uma corrida para realizar IPOs que, se não houver outros choques, vai registrar novos recordes no mês de dezembro.
Pelo menos quatro grandes aberturas de capitais estão em andamento nesse momento, com registros na Securities and Exchange Commission (SEC), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dos EUA, em fase de realização ou considerados iminentes.
As principais empresas que vão realizar suas ofertas iniciais de ações são do setor da tecnologia de consumo. Um segmento que se mostrou capaz de resistir à crise ou aproveitar as transformações ocasionadas pela pandemia para fazer mais negócios.
Uma dessas empresas é a DoorDash, avaliada em US$ 16 bilhões (cerca de R$ 90 bilhões), que apresentou seu pedido de registro a semana após a eleição presidencial nos Estados Unidos. A estreia em Wall Street deveria ocorrer até o final do ano.
Outra gigante que está entrando no mercado de capitais é o Airbnb, que teria uma avaliação de US$ 30 bilhões.
Seguem a Wish e a Affirm, ambas com avaliações superiores aos US$ 10 bilhões cada uma.
E não faltam outros candidatos, talvez menos impressionantes por dimensões, mas sempre negócios multimilionários em ascensão. Como por exemplo a plataforma de videogame californiana Roblox, que os investidores avaliam US$ 4 bilhões, mas que poderia apontar para US$ 8 bilhões no momento do desembarque na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE).
Pedidos de IPOs recorde
Esse conjunto de IPOs representa um valor total de dezenas de bilhões de dólares. Um valor recorde se somado com o recorde de de US$ 140 bilhões já totalizado nas ofertas públicas iniciais realizadas em Wall Street em 2020.
Todavia, é necessário considerar que esse valor está inflado também pela chegada de muitos SPAC – os veículos financeiros especiais dedicados a futuras aquisições – na Bolsa de Valores.
Mas de fato as protagonistas desse recorde são startups, em particular as de alta tecnologia, em Wall Street.
Os pedidos de IPOs devem alcançar sua máxima entre o Dia de Ação de Graças, na última quinta-feira de novembro, e o Natal.
Uma aceleração que se explica com a demanda reprimida provocada pelas eleições nos EUA.
Apesar da polêmica ainda aberta sobre quem ganhou o pleito, o resultado parece se encaminhar para levar à Presidência o democrata Joe Biden no lugar do republicano Donald Trump. E isso levou ao descongelamento dos pedidos de IPOs.
DoorDash abre o caminho em Wall Street
A DoorDash está abrindo o caminho da corrida dos IPOs do final de ano em Wall Street.
Sediada em São Francisco, a empresa é líder no mercado de entrega de refeições, com 50% do mercado norte-americano, superando a maior concorrente UberEats, que tem 22% do mercado, de acordo com os dados da empresa especializada SecondMeasure.
DoorDash chega em Wall Street após obter um sucesso político paralelo às eleições: junto com outros grupos da da gig economy ela ganhou um referendo na Califórnia que lhe permite manter seu modelo de negócios, onde os motoristas são trabalhadores autônomos e não são considerados como empregados.
O referendo mudou a lei estadual e deu mais um impulso para os negócios. Um resultado obtido graças também aos mais de US$ 200 milhões que a DoorDash, Uber e outras empresas do setor injetaram na campanha para ganhar o pleito.
A DoorDash já havia enviado o pedido de registro para o IPO e os documentos confidenciais à SEC desde fevereiro. A operação foi congelada por causa do coronavírus, mas agora a empresa publicou formalmente suas contas. Uma ação que precede de 15 dias o começo do período de reserva.
A empresa tem 18 milhões de clientes e um milhão de motoristas, chamados de dashers, que entregam alimentos dos restaurantes aos consumidores.
Nos primeiros nove meses do ano, o grupo registrou um faturamento de US$ 1,9 bilhão em 2020. Um resultado mais do que triplo em relação ao mesmo período do ano passado, quando tinha sido de US$ 587 milhões.
Além disso, mesmo com a pandemia, conseguiu se manter no azul no segundo trimestre, com um lucro líquido de US$ 23 milhões.
E de janeiro a setembro o prejuízo diminuiu para US$ 149 milhões, dos US$ 533 milhões do mesmo período de 2019.
A sua fatia de mercado aumentou de 17% em 2018 para 50% atual, reforçada pela aquisição da rival Caviar no ano passado.
E, segundo os analistas, o crescimento da empresa é destinado a continuar, durante e após a pandemia, com uma transformação estrutural nos hábitos de consumo que favorecerá os serviços de entrega através de aplicativos e catering.
Ironicamente, em seu prospecto público, a DoorDash inseriu a meta do IPO de apenas US$ 100 milhões. Mas esse número seria apenas uma formalidade, um “marca-texto” que vai mudar gradativamente com objetivos muito mais ambiciosos.
Airbnb, um gigante recuperando espaço
O colosso da hotelaria alternativa, surgido há doze anos, é o maior nome esperado em Wall Street até o final de 2020. É também, talvez, o mais problemático.
O Airbnb havia adiado sua abertura de capital por causa dos efeitos negativos provocados pela pandemia do novo coronavírus e para evitar as tensões nos mercados geradas pelas eleições nos Estados Unidos.
Mas o Airbnb demostrou conseguir superar o furacão da pandemia. A empresa registrou um lucro líquido de US$ 219 milhões no terceiro trimestre, embora a receita tenha caído 18%, para US$ 1,34 bilhão.
O fim abrupto das viagens teve repercussões dramáticas nas atividades do grupo. Em maio, as reservas caíram 70%, e o Airbnb foi obrigado a cortar em 25% o número de seus funcionários, demitindo 1.900 pessoas.
Além disso, o Airbnb teve que tomar um empréstimo de US$ 2 bilhões a altas taxas de juros, e sua avaliação caiu drasticamente para US$ 18 bilhões.
Em todo o segundo trimestre, a receita caiu 67%, para US$ 335 milhões, e entre janeiro e setembro o prejuízo foi de US$ 697 milhões, com um faturamento que diminuiu 32%.
No entanto, o verão no hemisfério norte levou para uma recuperação, com as reservas em junho caindo apenas 30% em relação ao ano passado, graças a consumidores que procuram destinos perto de casa para férias ou trabalho remoto.
A recuperação foi possível graças à flexibilidade das soluções apresentadas: em regiões rurais ou fora das cidades, áreas menos afetadas pela pandemia, os proprietários de residências que operam no Airbnb relataram um crescimento significativo das reservas, cerca de 25% a mais em relação ao ano passado.
Segundo os analistas, junto com o cortes de custos, a dimensão da atuação alcançado pela empresa agora lhe garante uma vantagem sobre os hotéis, que continuam em sérias dificuldades. Mesmo sem os possuir, o Airbnb possui uma oferta de sete milhões de imóveis para alugar em 220 países.
Todavia, a incógnita nos próximos meses será uma eventual segunda onda de coronavírus nos EUA e na Europa, salientada pela própria empresa no prospecto. Mas isso não impede de colocar como meta obter US$ 3 bilhões no IPO.
Wish, o desejo de compras online.
A varejista online Wish, com um nome tanto evocativo quanto os preços descontados que apresenta para seus clientes, apresentou seus documentos junto a SEC em agosto e também parece estar pronta para a próxima etapa, o prospecto público e detalhado.
Sediada em São Francisco, onde surgiu em 2010, sua visibilidade aumentou com o patrocínio de campeões de basquete do Los Angeles Lakers, vencedores do último campeonato dos EUA.
A Wish ostenta uma avaliação que passou de US$ 8,7 bilhões para US$ 11,2 bilhões em poucos meses. Isso principalmente graças a uma rodada de financiamento ocorrida no ano passado.
Os maiores investidores que apostaram na empresa são Peter Thiel, General Atlantic e GGV Capital.
A Wish conta com mais de 70 milhões de usuários ativos que compram de tudo em sua plataforma: de utensílios domésticos até roupas e eletrônicos. Uma mini-Amazon ou uma mini-Walmart do comércio eletrônico.
A estratégia da empresa é atrair consumidores das mais diferentes faixas de renda, de “todos os níveis socioeconômicos”, como escreveu em seu prospecto, que querem evitar custos de assinatura como os do serviço Amazon Prime.
No entanto, a Wish ainda enfrenta críticas sobre a baixa qualidade de seus produtos e a falta de transparência dos vendedores cadastrados na plataforma.
Affirm, aposta em empréstimos para compras remotas
A Affirm é uma fintech que tem como objetivo parcelar compras de consumidores online.
Essa empresa da Vale do Silício apresentou os primeiros documentos à SEC em outubro. E deveria abrir seu capital em Wall Street até o final do ano.
Por trás da Affirm está um ex-fundador do PayPal, Max Levchin. E isso garante uma experiência sólida no segmento dos pagamentos digitais.
Levchin lançou Affirm em 2013 justamente com a ideia de criar um PayPal 2.0 e uma alternativa aos bancos tradicionais.
Em sete anos a empresa chegou a valer cerca de dez bilhões de dólares, em comparação aos US$ 3 bilhões do ano passado, quando levantou US$ 300 milhões em uma rodada de financiamento na qual o ator Ashton Kutcher também participou.
A empresa utilizaria big data e sistemas de segurança próprios que seriam particularmente sofisticados no gerenciamento de transações.
A Affirm oferece oportunidades para os consumidores sem histórico de crédito ou sem contas correntes, que receberem pequenos empréstimos e financiamentos para compras online, pagos em parcelas mensais.
Roblox, capitalizando o boom dos videogames
Roblox é uma plataforma com milhões de jogos disponíveis, muitas vezes desenvolvidos e usados por adolescentes.
Criada há 14 anos, a empresa ganhou espaço em 2020 com o boom dos videogames durante a quarentena e a redução dos meios tradicionais de socialização.
Os avatares dos jogadores podem alternar entre vários jogos e comprar moeda digital para transações realizadas no aplicativo.
Além disso, a Roblox permite organizar festas de aniversário ou outros eventos virtuais, alugando servidores dedicados.
A empresa planeja chegar a meta de faturamento de US$ 1 bilhão neste ano, após atingir US$ 100 milhões de compras online de usuários mensais em maio.
Um aumento que permite considerar uma avaliação de US$ 8 bilhões no IPO. O dobro em relação ao valor de 2019.
2021 poderia ser ainda maior
Antes mesmo do rali do final do ano, setembro já havia levado para uma aceleração dos IPOs.
O mês havia sido caracterizado pelos desembarques de sete grupos de softwares no mercado financeiro, com recorde de colocações mensais em Wall Street.
Entre as estreias do nono mês do ano estão:
- Snowflake,
- Unity Software
- Asana
- Palantir Technologies
Mas 2021 poderia ser um ano ainda maior para os IPOs. Isso pois já se prepara a abertura de capital de mais de uma dúzia de empresas de tecnologia, que poderiam obter mais de um bilhão de dólares. Entre elas:
- Instacart
- UiPath
- Poshmark
- ThreadUp.
- Better.com
- Bumble
Entretanto, essa corrida para o IPO não significa que as dúvidas sobre o futuro acabaram.
Muitos analistas se questionam sobre o momento dessas operações, por causa da condições econômicas e de mercado muito incertas.
Assim como a possível volatilidade elevada, que poderia colocar em cheque os métodos e as fórmulas escolhidas para a operação.
Mas para evitar esses problemas as empresas que já realizaram IPOs em setembro optaram para fórmulas de listagem “não tradicionais”.
Por exemplo, Unity e a Palantir optaram por listagens diretas ou controladas sem intermediários. Modalidades que se mostraram menos sujeitas volatilidades, garantindo até o momento um suporte mais consistente para a ação.
Por sua vez, a Unity segurou firmemente a precificação de sua ação. A própria empresa pediu interesse precisos por parte dos investidores, garantindo dessa forma a máxima visibilidade da demanda. Somente em seguida decidiu o nível de seu IPO.
Um processo semelhante ao realizado pelo Google em 20014, a chamada “dutch auction”.
Além disso, Unitiy permitiu que os funcionários vendessem 15% seus títulos imediatamente, sem ter que cumprir as tradicionais cláusulas de lock-up de seis meses.
Por sua vez, a Palantir realizou um IPO apenas secundário.
A estratégia de ambas as empresas pareceu dar certo. Desde a estreia em Wall Street, as ações valorizaram cerca de 50%. E isso poderia levar outras startups a seguir fórmulas de IPOs semelhantes. Um jeito de limitar choques e surpresas em um futuro que permanece difícil de avaliar, até mesmo para os investidores experientes.
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