A crise da Americanas (AMER3) balançou o mercado de ações de varejo faz exatamente um mês. Em 11 de janeiro, o ex-CEO Sergio Rial deixou o cargo após descobrir rombo no total de R$ 20 bi. Desde aquele dia, a Magazine Luiza (MGLU3) acumula alta de 32% e o Mercado Livre (MELI34), 20%. Já a Via (VIIA3), dona das redes Casas Bahia e Ponto, teve 22% de queda. O comportamento reflete a instabilidade do mercado diante da notícia, que ainda hoje divide analistas. Mas afinal a Via pode se recuperar?
Trinta dias após a divulgação do escândalo, os papéis da Americanas, que saíram do Ibovespa depois de a companhia anunciar sua recuperação judicial, acumulam baixa de 90%. As concorrentes diretas à varejista foram impactadas de formas diferentes.
Mas, para Vitorio Galindo, analista de investimentos CNPI e head de análise fundamentalista da Quantzed, casa de análise e empresa de tecnologia e educação financeira para investidores, a crise na Americanas representa mais vantagens do que desvantagens a suas concorrentes, como a rival Via.
“É uma notícia boa para o setor de varejo em termos de competição, afinal, ao diminuir a concorrência e aumentar a concentração, em tese, é melhor para quem ficou – apesar de continuar sendo um segmento bem competitivo”, diz.
Já para Ricardo Brasil, fundador da Gava Investimentos e pós-graduado em análise financeira, uma crise como a que aconteceu na Americanas expõe os riscos e dificuldades do setor de varejo de forma geral, gerando maior desconfiança de investidores e impactando negativamente as concorrentes.
“A Americanas trouxe mais incerteza para o setor de varejo. Deixou muito claro que é um setor muito complicado e talvez o mercado comece a enxergá-lo igual ao setor de empresas aéreas, que mundialmente é conhecido por não se sustentar a longo prazo”, diz o analista, fazendo referência à grande quantidade de empresas aéreas que deixaram de existir ou tiveram que se fundir a outras ao longo dos anos.
“O que aconteceu na Americanas fez com que todo mundo passasse a olhar e a passar um pente fino no varejo. Já era sabido que esse era um setor complicado, mas agora até mesmo o pequeno investidor, que podia não estar tão atento a isso, começou a se atentar”, completa.
A barreira de entrada mínima, em especial no setor digital, é um dos principais motivos, segundo o especialista, para que o setor seja visto como complicado. “Hoje, qualquer pessoa consegue vender produtos pela internet, ainda que sem o tamanho de uma Americanas, é claro”, diz.
“É diferente de uma Rede D’Or (RDOR3), por exemplo, de hospitais, que tem uma barreira de entrada enorme, em que um concorrente precisa de bilhões de investimento para conseguir concorrer”, complementa.
Impacto na Via
Ricardo acredita que a queda nas ações da Via, em contramão ao comportamento dos papéis da Magalu e do Mercado Livre, ocorre pelos números apresentados pela companhia nos últimos balanços. Segundo ele, nesse cenário de maior desconfiança em relação ao setor, uma alavancagem grande e um grande endividamento, caso da Via, gera insegurança no investidor.
Ao mesmo tempo, o especialista diz que a crise da Americanas e a possível dispersão do seu market share não devem impactar positivamente a Via, uma vez que as duas empresas têm negócios bastante diferentes.
Para ele, Magalu e Mercado Livre tendem a canalizar mais os clientes e anunciantes que estavam na Americanas por terem características de e-commerce mais acentuadas, abrangentes, saindo em vantagem. Em seu último relatório, o market share da Via online era de 2,8%.
“É importante dizer também que a Americanas segue operando. Os preços aparentemente seguem os mesmos. Se ela continuar operacional e eficiente, mesmo que mais enxuta, é bastante possível que ela mantenha o seu market share”, ressalta Brasil.
Galindo também não apostaria num primeiro momento em um aumento da valorização das ações da Via mesmo em um cenário de recuperação judicial da Americanas. “Vai depender dela conseguir absorver esse market share da Americanas caso a companhia tenha um problema ainda maior e comece a realmente perder realmente seu market share”, diz. Para isso, segundo ele, é preciso que a empresa olhe para sua dívida e sua estrutura de capital.
Dever de casa
O head de análise da Quantzed ressalta que existem problemas operacionais da Via que precisam ser avaliados a partir dos resultados dos próximos balanços antes de se tomar uma decisão de compra de ações da companhia pensando na possível absorção do market share da Americanas.
“A própria estrutura de capital, o endividamento e custo da dívida são problemas que precisam ser resolvidos para as ações da Via de fato valerem mais e poderem ser mais valorizadas”, diz. “Hoje, o endividamento da companhia drena praticamente todos os seus resultados ou até mais. É que a empresa vem tendo prejuízo há alguns trimestres e, quando não há prejuízo, ela fica no zero a zero, ou seja, não se vê um crescimento de caixa consistente.”
De modo geral, o analista acredita que esses problemas são um dever de casa que a Via precisa resolver para conseguir abocanhar parte considerável do market share que a Americanas pode vir a perder futuramente caso a crise não seja revertida. Hoje, os valores das ações das concorrentes do setor indicam que os investidores apostam mais na capacidade da Magalu e do Mercado Livre para isso.
Caso a empresa faça o dever de casa de maneira eficaz, quem comprar papéis da Via agora, em baixa, pode vir a colher valorização no futuro – mas é um cenário arriscado. Galindo diz que a expectativa para o próximo balanço da companhia está entre neutra e negativa – afinal, além dos problemas da companhia que já existem há algum tempo, os eventos macroeconômicos do último trimestre de 2022, com inflação e juros altos, devem impactar negativamente seus resultados.
Via (VIIA3) deve se recuperar em 2023?
A Via é a maior empresa de varejo onmicanal de eletroeletrônicos, eletrodomésticos e móveis do país.
A empresa se conecta com mais de 97 milhões de clientes por meio da plataforma digital da Via — seja nas lojas físicas, fintech, e-commerce e logística —, com as marcas Casas Bahia, Ponto, Extra.com, banQi e ASAPLog.
No marketplace da Via, a empresa disponibiliza diversos produtos de mais de 135 mil parceiros (sellers) em todos os seus canais, assim como soluções e serviços logísticos como transporte, fulfillment e fullcommerce para parceiros e sellers.
A companhia ainda possui uma conta digital, pela fintech banQi, com soluções para o cotidiano dos clientes da Via.
Perspectivas para a Via em 2023
Ao Suno Notícias, antes da crise da Americanas, o analista da Inv, João Abdouni, afirmava que seriam difíceis as perspectivas para o varejo — principalmente para o varejo de eletroeletrônicos, que vendem produtos em muitas parcelas.
A taxa básica de juros da economia, a Selic, está em 13,75% ao ano, maior patamar nos últimos seis anos. Quando a taxa de juros está elevada, fica mais caro tomar empréstimos e financiamentos, por exemplo.
Sobre as perspectivas para a Via em 2023, o analista da Inv acredita que a varejista tem o cenário ainda mais desafiador em relação ao Magazine Luíza (MGLU3). Segundo Abdouni, o Magalu opera melhor do que a Via.
“A Via, além de todas as dificuldades que a Magazine Luiza enfrenta, tem dificuldade operacional de fazer um ‘turnaround’”, comenta.
Abdouni observa: “A Via não tem um balanço sólido como o do Magazine. Ela tem problemas, muitas vezes, contábeis, de reapresentação de balanço, questões de estocagem, ou ainda nos cartões de crédito, para serem resolvidas”.
Diante disso, o analista afirma que a varejista passa por “um desafio a mais, o interno, além do macro”.
Caso as curvas de juros estejam corretas, Abdouni acredita que o próximo ano será bastante atribulado para as companhias. Por fim, o analista da Inv comenta que não há recomendação de compra para a Via.
Os analistas da Terra Investimentos, Régis Chinchila e Luis Novaes, em entrevista ao Suno Notícias, acreditam que a Via enfrentará os mesmos problemas que terão o varejo e o setor de consumo em geral: a inflação e a taxa de juros.
Os especialistas preveem que as margens da Via devem seguir pressionadas — diante dos custos maiores e do faturamento menor.
Via comunica o rating da S&P
A Via comunicou que a agência de rating Standard & Poor’s revisou e manteve seu rating como “brAA-“, devido à “melhora das margens da companhia, apesar das condições de mercado desfavoráveis, com juros e inflação ainda elevados”.
A agência manteve o status de investment grade, ou grau de investimento. Conforme indicado pela Via, essa nota é dada para companhias com “capacidade muito forte de honrar compromissos financeiros”.
Perspectivas para as ações da varejista
A equipe de análise da Terra Investimentos acredita que, assim como o Magazine Luiza, o desempenho das ações da Via na bolsa de valores “depende de aspectos econômicos, além dos resultados, mas, como a perspectiva é ruim, é improvável que a Via tenha esse movimento de alta”.
Os analistas da Terra Investimentos afirmam que as condições para 2023 “indicam que há alternativas melhores no mercado, seja no próprio varejo, com o varejo alimentar, com foco maior em baixa renda, ou no varejo de vestuário, com foco em alta renda, que não sentiria o impacto da situação econômica”.
No terceiro trimestre, a Via reportou um prejuízo líquido de R$ 203 milhões. De forma geral, os analistas da XP Investimentos, em relatório, consideraram os resultados da varejista como “fracos”.
A casa lembrou as vendas em desaceleração, rentabilidade pressionada e R$ 1,2 bilhão em queima de caixa. Em meio a isso, ao responder se vale a pena investir na Via, a XP manteve sua recomendação “neutra” para as ações da varejista, com preço-alvo de R$ 3.
Em relatório, a Genial Investimentos aponta que, entre as varejistas, o Magazine Luiza teve os melhores resultados do 3T22, enquanto Via e Americanas (AMER3) reportaram desempenho abaixo do previsto.
“Enxergamos que, dentro de suas limitações, a Via tem caminhado para uma rentabilização de suas operações. Com uma estrutura de custos e despesas mais enxutas, a varejista mostrou mais um trimestre de forte recomposição operacional”, comentaram os analistas.
A Genial Investimentos apresentou recomendação de “manter” para as ações da Via, com preço-alvo de R$ 4,80.
Nesta sexta (10) as ações da Via fecharam em queda de 2,84%, cotadas a R$ 2,08.
*Texto de Giovana Castro