Venda da Oi (OIBR3) poderia ser prejudicial à concorrência; entenda o caso
Nas últimas semanas, a Oi (OIBR3) parece ter chegado próxima do objetivo de vender seus ativos móveis por ao menos R$ 15 bilhões. A alienação da operação é essencial e faz parte do processo de recuperação judicial da empresa, instaurado em junho de 2016. Entretanto, questiona-se a condição do mercado de telefonia móvel após a conclusão do negócio.
A proposta mais concreta foi apresentada pelo consórcio entre as rivais TIM (TIMP3), Claro e Vivo (VIVT3) realizou a primeira proposta: R$ 15,1 bilhões para adquirir a parte mais “premium” da empresa, ou seja a telefonia móvel. No entanto, a Oi também recebeu a oferta da Highline, controlada pela norte-americana Digital Colony, que foi superior, mas não teve o valor revelado. A empresa, inclusive, recebeu o direito de exclusividade nas negociações junto à tele brasileira, mas estaria interessada apenas na parte de fibra ótica.
A companhia estadunidense, que atua no ramo de telecomunicações e infraestrutura, também registrou uma oferta pelos ativos de telecomunicação outdoor e indoor de transmissão de radiofrequência da Oi. O valor da proposta gira em torno de R$ 1,07 bilhão.
Entretanto, as concorrentes da Oi não se deram por vencidas e aumentaram a mão. A nova proposta pela aérea móvel, de R$ 16,5 bilhões, esfriou os ânimos da Highline, que teria desistido das negociações e não prorrogou o direito de exclusividade nas negociações, que expirou na última segunda-feira (3).
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já informou que o prazo de análise da venda dos ativos móveis da Oi deve durar quase um ano. O prazo previsto na legislação é de 240 dias, sendo prorrogável por mais 90 dias – o prazo começaria a correr apenas em janeiro de 2021, sendo encerrado em dezembro.
A previsão do Cade reascende a urgência da venda dos ativos da Oi, pela importância da operação em seu processo de recuperação judicial. A pergunta que muitos no mercado se fazem é: a venda para as rivais pode ser prejudicial à concorrência no setor de telefonia móvel?
Como fica a concorrência com a venda da Oi Móvel
A declaração de intenção pela compra dos ativos da Oi fez com que as ações da empresa apresentassem uma forte valorização das últimas semanas. No entanto, os investidores podem não estar considerando que o afunilamento da concentração de mercado de telefonia móvel no País pode dificultar a aprovação do Cade, elevando a impossibilidade de insucesso.
Segundo dados da Anatel, referentes a 2019, o Brasil possuía mais de 228,64 milhões de linhas móveis ativas. Dessas, a Vivo contava com 73,69 milhões de linhas ativas (32,2% do total), a Claro com 56,48 milhões (24,7%), a TIM com 55,31 milhões (24,2%). A Oi detinha 37,56 milhões (16,4%). Com a provável redistribuição dos ativos da Oi, aproximadamente 97,5% das linhas móveis do Brasil estariam concentradas nas três líderes do segmento.
De acordo com Fernando Machado, Professor de Direito Administrativo da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), em entrevista ao SUNO Notícias, “essa concentração representaria uma violação ao princípio da livre concorrência, um dos pilares da ordem econômica, conforme define o art. 170, IV, da Constituição Federal”.
Segundo ele, as empresas consolidariam uma posição dominante no mercado, que “ocorre quando uma empresa ou um grupo de empresas pode alterar unilateralmente as condições de um mercado”. Machado baseia seu argumento no artigo 36, segundo parágrafo, da Lei nº 12.529/2011, que regulamenta o Cade.
“Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante”, diz o regimento. Além disso, a lei estipula que esse percentual pode ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.
“A posição dominante conduz a uma condição de ‘poder de mercado’, que ocorre quando algumas poucas empresas controlam significativamente determinada área. Como efeito colateral deste, há um risco potencial de prejuízo aos consumidores, pois a empresa pode aumentar os preços ou limitar os serviços sem que perca seus clientes”, salientou Machado.
Por esse motivo, a chegada de um novo competidor no negócio pode agradar a Oi, ao menos sob o aspecto de concorrência. Uma suposta oferta alternativa – e vencedora – ao consórcio pelos ativos poderia ser melhor vista pelo Cade, e aprovada em cerca de 30 dias.
Além disso, segundo um representante da autarquia em entrevista recente ao “Estadão”, as chances de aprovação da compra da operação móvel da Oi pelas suas concorrentes são próximas de zero.
Telefonia móvel no mundo afora
Ao redor do mundo, sobretudo em países desenvolvidos, o segmento de telefonia móvel não é controlado por menos de quatro grandes empresas, regidas por uma forte regulação estatal.
O mercado dos Estados Unidos é dominado por ao menos cinco grandes empresas: AT&T, T-Mobile, Verizon, Sprint e American Net Mobile, entre outras de menor porte. Com uma variedade ampla de produtos — como ligações gratuitas para o Brasil sem o pagamento de taxa de roaming e internet 4G ilimitada na maioria das empresas –, a concorrência entre as empresas que ali atuam é difícil de ser encontrada em qualquer lugar do mundo, fazendo com que os consumidores sejam prestigiados com menores preços.
Por exemplo, um dos melhores planos de telefonia móvel no Estados Unidos, em 2019, era o 4G ilimitado da AT&T, com ligações para qualquer lugar do mundo e torpedos sem restrições, que saía por volta de US$ 65 mensais. Com base no salário mínimo estadunidense deste ano (US$ 1.256), a proporção do plano em questão é de 5,17%.
Já no Brasil, uma das melhores opções em termos de recursos na telefonia móvel, com apenas uma linha inclusa, é o Claro pós-pago 4G, com 100gb de internet (acrescido de 5gb se houver portabilidade). Torpedos também são ilimitados, assim como as ligações, mas somente para local e DDD. O preço fica em torno de R$ 399,99 mensais. Com base no salário mínimo brasileiro deste ano (R$ 1.045), a proporção do plano é de 38,27%, mais de sete vezes maior.
Existem diversos fatores que interferem nessas condições, como barreiras de entrada no País, incentivos governamentais, tecnologia disponível para as empresas, comportamento dos consumidores e até a maturidade do próprio setor, mas o princípio da livre concorrência faz com que naturalmente os preços praticados em mercado caiam.
No Reino Unido, é observado o mesmo fenômeno, onde o mercado é majoritariamente controlado por EE, Vodafone, O2 e GiggGaff. Na Alemanha, a Vodafone também detém uma parte do mercado, seguida por T-Mobil, E-Plus e Telekom (maior companhia do ramo na União Europeia (UE), a qual o governo alemão ainda possui uma participação de 15%). Na Itália, dentre outras, as principais companhias são:
- TIM
- Fastweb
- Wind Tre
- ERG Telefonia
- Vodafone
- Poste Mobile
Além disso, na Itália, assim como em outros mercados desenvolvidos, em algumas operações das principais empresas – principalmente no tange à telefonia móvel e fibra óptica –, existe a rede neutra. A neutralidade da rede trabalha para que todas as informações trafeguem na internet da mesma maneira, com a mesma velocidade, garantindo o livre acesso a todo e qualquer tipo de informação sem afetar a autonomia do usuário. Embora haja o questionamento sobre a eficiência governamental na regulação da internet (e do setor de telecomunicações em geral), com o objetivo de gerar desenvolvimento e não entraves, a ferramenta faz com que os pares concorrentes do segmento operem de forma mais justa, beneficiando os clientes.
O princípio da rede neutra é pouco explorado no Brasil, mas proporciona uma ampla possibilidade de concorrência de mercado e benefícios aos consumidores finais. A italiana Enel, por exemplo, é uma distribuidora de energia elétrica (suas subsidiárias possuem operações em mais de 35 países, inclusive o Brasil), mas adquiriu redes de fibra óptica em seu país de origem, por meio da empresa OpenFyber, passando a atuar no mercado de internet de alta velocidade. Caso a ferramenta venha a ser aplicada na telefonia móvel brasileira, como a TIM já demonstrou interesse em março deste ano, o mercado brasileiro passaria a operar com termos parecidos com os praticados no primeiro mundo.
No caso da Espanha não é diferente, com a atuação de Movistar (controlada da Telefónica), Orange, Vodafone e Yoigo. Lá, a rede de fibra óptica atinge ao menos 85% do país. Na França, por sua vez, o controle do mercado fica na mão também da Orange (controlada pela France Telecom) — que possui um modelo de negócios low cost –, SFR e Virgin Mobile (que são do mesmo grupo, mas que atendem a públicos diferentes) e Free Mobile.
A concorrência no setor não é exclusiva dos países desenvolvidos, mas também é observada nos vizinhos do Brasil. Na Argentina, a Movistar, Claro, Personal e Nextel Argentina são os agentes que dominam o setor. No Chile, por sua vez, Entel, WOM, além das gigantes Movistar e Claro, encabeçam a lista das principais empresas. Em contrapartida a todos os países citados, caso a Oi venda a operação às suas concorrentes, apenas três operadoras dominarão todo o segmento de telefonia móvel no País.