O governo federal entregou a segunda fase da reforma tributária à Câmara dos Deputados na última sexta-feira (25), com propostas que pegaram o mercado de surpresa.
Nas salas da Faria Lima, investidores correm para digerir os principais pontos da reforma tributária e os impactos sobre as carteiras.
As mudanças ainda não são definitivas. O projeto de lei deve passar pelas duas casas do Congresso Nacional e podem sofrer alterações durante a tramitação.
Veja quatro pontos controversos da reforma tributária:
Reforma tributária põe fim ao come-cotas
O texto da reforma tributária prevê o fim do chamado “come-cotas” de maio, mantendo apenas o de novembro.
Maria Carolina Sampaio, sócia e head da área Tributária do GVM Advogados, explicou que o come-cotas significa a incidência do imposto de renda (IR) sobre os ganhos não realizados/não resgatados, acumulados nas carteiras de fundos de investimento.
Hoje, há incidência de IR semestralmente — em maio e em novembro — sobre os ganhos auferidos, mas não resgatados.
A proposta do governo federal é facilitar a atividade da Receita Federal, enquanto e oferecer liberdade ao pequeno investidor para entrar e sair do fundo a qualquer tempo.
Apesar disso, o “fim do come-cotas de maio não significa uma redução do imposto pago, pois em novembro, a incidência se dará pelo valor acumulado – que inclusive pode ser maior, pois não terá ocorrido nenhuma redução do principal em maio, ficando o dinheiro investido por mais tempo, ou seja, rendendo mais”, avaliou a advogada.
De prática, de acordo com Sampaio, poderia ocorrer uma maior valorização do investimento, a qual ensejará também pagamento de mais tributos.
Término da isenção sobre os rendimentos de FIIs
A reforma tributária modifica as regras para rendimentos distribuídos a pessoa física no caso de fundos imobiliários (FIIs) com cotas negociadas em Bolsa.
A partir de 2022, os rendimentos, além da amortização e da alienação de cotas, passaram a estar sujeitos a uma alíquota de 15%.
O objetivo do governo federal procura com a medida simplificar e harmonizar o tratamento tributário para todos os fundos.
Nas palavras de Gabriel Carvalho, gerente de produtos da Órama Investimentos, hoje, mais de 70% dos investidores no mercado de fundos imobiliários são pessoas físicas, um percentual construído devido ao incentivo através da isenção de IR.
Ao considerar uma alíquota de 15% sobre os rendimentos, o especialista disse ver um spread médio líquido em torno de 2,1% a 2,6% ao ano. “Números interessantes.”
“Entendemos que apesar do risco de alterações na tributação e potenciais mudanças de precificação dos ativos, os FIIs continuam sendo de extrema importância na diversificação da carteira dos investidores, seja devido à baixa volatilidade quando comparado ao mercado de ações, para proteção contra inflação, e para exposição direta ao mercado imobiliário de maneira simples e mais líquida,” afirmou Carvalho.
Final do escalonamento por tempo para ativos de renda fixa
A proposta de reforma tributária do governo federal acaba com atual escalonamento em função da duração da aplicação em renda fixa.
Atualmente, existe uma escada:
- 22,5% até 180 dias;
- 20% de 181 a 360 dias;
- 17,5% de 360 a 720 dias;
- 15% acima de 720 dias.
A reforma tributária torna única uma alíquota de 15%, com o intuito de beneficiar aqueles sem condição de deixar o dinheiro parado.
Na análise de João Beck, economista e sócio da BRA, o efeito para o varejo é positivo. “Estimula aplicações de curto prazo que antes eram punidas com uma alíquota maior.”
Já para gestores e emissores de títulos, as medidas pesa sobre a margem por reduzir o estímulo para aplicações de longo prazo.
“De toda forma, o gestor, se perceber muitos resgates de curto prazo, pode optar por mudar a regulamentação do fundo e aumentar o prazo de resgate,” ponderou.
Tributação de fundos exclusivos
Os fundos exclusivos são, geralmente, veículos utilizados por pessoas com mais recursos e não há pagamento de IR, sendo tributados somente na amortização das cotas ou liquidação do fundo.
Com a reforma tributária, passará a incidir uma alíquota única de de 15% para todas as aplicações em fundos fechados, independentemente do prazo. Haverá ainda incidência do come-cotas em novembro.
De acordo com a advogada tributarista Maria Carolina Sampaio, existe a previsão da tributação do estoque, ou seja, em maio de 2022 haveria a incidência de IR-Fonte à alíquota de 15% sobre todos os rendimentos acumulados. O percentual poderia cair para 10%, caso o cotista recolha voluntariamente o IR-Fonte devido sobre o estoque, em cota única, até 17 de janeiro de 2022.
O fim do escalonamento das alíquotas pela reforma tributária foi visto positivo pela especialista. “Mais simplificação do processo, havendo inclusive uma redução global das mesmas, mas a incidência do come cotas pode reduzir a performance dos fundos, enquanto a tributação do estoque é algo bastante discutível, podendo acarretar discussões judiciais acerca da constitucionalidade da incidência”.