Uber (U1BE34): o que muda para o motorista após a decisão da Justiça?
A decisão da Justiça de que a Uber deverá registrar em carteira todos os seus motoristas ativos, assim como aqueles que vierem a trabalhar na plataforma a partir de agora, deve ser revertida e não trará muitas mudanças para a categoria, dizem especialistas.
“A jurisprudência é amplamente favorável para a Uber, no sentido de que não existe vínculo de emprego entre o motorista e a empresa. Inclusive, até o Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou nesse sentido. Acredito que a empresa Uber tem um ótimo direito e que a decisão será reformada”, disse o advogado Alexandre Trindade, sócio do escritório Alexandre Trindade Advogados Associados.
Henrique Melo, sócio da área trabalhista do NHM Advogados, lembrou que o governo instituiu um grupo de trabalho visando elaborar proposta de regulamentação das atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas, incluindo o Uber e demais plataformas. “Nesse grupo, algumas alternativas para a regulamentação da situação dos motoristas de aplicativo e demais trabalhadores de aplicativos vêm sendo discutidas”, apontou.
Na sentença sobre a Uber, resultante de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP), a plataforma digital foi condenada ainda a pagar R$ 1 bilhão por danos morais coletivos.
Além disso, a decisão afirma que a plataforma digital deverá registrar os motoristas apenas após o trânsito em julgado da ação, ou seja, após o julgamento de todos os recursos.
Para Trindade, existem decisões em processos de motoristas pedindo o vínculo diretamente em ação trabalhista. Apesar de algumas reconhecerem o vínculo de emprego, a jurisprudência é quase toda contra os motoristas.
“Se esse entendimento for mantido, o que eu não acredito, seria péssimo para os usuários e, no meu entender, para os motoristas. Ando muito de Uber e a grande maioria não tem interesse em reconhecimento de vínculo de emprego, quando ainda estão prestando os serviços. Claro que a opinião deles pode mudar”, afirma o especialista.
Segundo Sérgio Pelcerman, advogado trabalhista de Almeida Prado & Hoffmann, para os atuais motoristas, cabe o direito de ação, constitucionalmente previsto, para reivindicar eventuais direitos trabalhistas.
“Contudo, as demandas serão analisadas por outro juiz de direito e não há uniformização dos tribunais sobre o vínculo empregatício entre os responsáveis pelas plataformas digitais e os motoristas dos veículos. Ou seja, cada caso ainda será analisado individualmente, podendo ter desfechos distintos”, explicou.
Medida pode repercutir em outros aplicativos de transporte ou entrega, dizem advogados
Ainda de acordo com Trindade, caso a decisão seja mantida, ela deve repercutir em outras empresas de transporte de passageiros e entregas por aplicativo do Brasil, como 99 e iFood.
“Entendo que isso poderia gerar um caos, pois boa parte da população utiliza esses meios de prestação de serviços. Todavia, acho que esses serviços poderiam ser regulamentados, não como vínculo de emprego, mas para as empresas, os motoristas e os usuários terem uma maior segurança jurídica”.
“Na realidade, será uma decisão piloto para alterar todo o cenário do tema dentro do Poder Judiciário”, acrescentou Henrique Melo, do NHM Advogados.
Pode haver mudanças para o usuário?
Para Melo, do ponto de vista do usuário, se mantida uma decisão judicial ou mesmo uma nova legislação impondo a contratação de motoristas como empregados CLT, certamente haverá o aumento das tarifas cobradas pelos aplicativos, à medida em que a contratação no tal regime implicará em aumento dos custos envolvidos para as empresas.
“Ainda, poderá haver uma redução no total de motoristas disponíveis, uma vez que muitos dos motoristas de aplicativos utilizam a ferramenta como complemento de renda, não possuindo disponibilidade para assumir as obrigações e jornadas de um contrato CLT fixo”, acrescentou.
Na visão de Jania dos Reis, advogada trabalhista do Cunha Ferraz Advogados, para o usuário, será mais fácil responsabilizar a Uber por qualquer ato praticado pelo motorista, vez que a responsabilidade da empresa será objetiva.
“Contudo, acredita-se que se não houver uma comissão pela produtividade, é possível que o tempo de chegada do carro de aplicativo demore mais o que pode piorar a qualidade do serviço. De qualquer forma, a confirmação da sentença certamente impactará na administração da empresa e em mudanças necessárias para a readequação”, destacou.
Uber diz que vai recorrer e que não adotará medidas exigidas
Em nota, a Uber disse que irá recorrer da decisão e que não irá adotar nenhuma das medidas exigidas pela sentença antes que todos os recursos sejam esgotados.
“A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 4ª Vara do Trabalho de São Paulo e não vai adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados”.
A empresa disse também que a decisão causa “evidente insegurança jurídica”. “A decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos realizados desde 2017, além de outros Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho”.
Para Henrique Melo, do NHM Advogados, as empresas de aplicativos têm obtido decisões favoráveis nas instâncias superiores, muito embora ainda não exista uma posição final unânime a respeito do tema. Ele entende que o cenário é favorável para a empresa em sede de recurso, mas nada está decidido.
“O ideal para a solução do tema seria o advento de uma legislação regulando a situação dos trabalhadores de aplicativos, a exemplo do ocorrido em diversos outros países. O que foi verificado nesses países foi que, com a nova regulamentação, o serviço continuou sendo possível e um patamar mínimo de direito passou a ser assegurado aos motoristas e demais trabalhadores por aplicativos”, pontuou.
Ainda na nota, a Uber afirmou ainda ter convicção de que a sentença não considerou adequadamente o “robusto conjunto de provas produzido no processo” e que a decisão se baseou em posições doutrinárias “já superadas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal”.