Nos últimos dias, o mercado foi movimentado — novamente — pela possibilidade da tributação de dividendos. No mês passado, o Ministério da Economia já havia indicado que pretende tributar os dividendos em até 20%, mas a maior preocupação do mercado é com a contrapartida da medida.
Para os investidores que buscam renda passiva por meio dos dividendos, o tema acende um sinal de alerta. Afinal, naturalmente a estratégia destes investidores será influenciada pelas mudanças, seja investindo em ações com alta distribuição ou fundos imobiliários (FIIs).
Para entender melhor o que está em jogo com a mudança de taxação de dividendos e como se proteger das incertezas, confira os comentários dos especialistas ouvidos pelo Suno Notícias.
O investidor não deve se precipitar
Na prática, caso a ideia saia do papel, os investidores passarão a receber menos proventos do que anteriormente. Mas, não somente por isso, eles devem ficar de olho nos próximos passos das empresas que mantêm em carteira.
Especialistas recomendam que quem busca empresas com bom dividend yield (DY) e payout alto, com necessidade de reinvestimento menor, espere o desenho final da reforma, para analisar o quanto impactará a estratégia.
“O investidor deve aguardar o texto final da legislação para analisar a resposta de cada empresa que investe e conta com os dividendos, antes de realizar qualquer mudança em seu portfólio”, diz Mauricio Pedrosa, da Arena Investimentos.
As companhias podem continuar sendo generosas com os investidores, acelerando a distribuição dos resultados para compensar o menor pagamento líquido; ou então a estratégia corporativa pode ser alterada para maiores investimentos internos, com vistas à elevar a produção e, eventualmente, recomprar ações em circulação.
Dividendos taxados sem alta da carga tributária pode trazer equidade
Caso a carga tributária como um todo não seja elevada, especialistas ouvidos pelo Suno Notícias entendem que a tributação dos dividendos é uma medida positiva.
De forma compensatória, é esperada uma redução do imposto de renda das empresas. Isso traria equidade às companhias brasileiras frente à prática internacional.
“A questão essencial para a tributação de dividendos é que necessariamente isso deve ser acompanhado pela diminuição do IR das empresas — caso contrário, nós teríamos o que seria inadmissível, um aumento dos custos para todas as partes”, afirma Pedrosa.
O gestor comenta que todas as previsões realizadas neste momento são bastante especulativas, uma vez que o desenho da legislação ainda não está pronto. Contudo, o ponto de desoneração às companhias é unânime entre os agentes do mercado.
“Mesmo assim, vejo com bons olhos a redução do que é cobrado da empresa com a tributação dos dividendos”, disse o gestor. “Isso colocaria nossas empresas em condição de competir em equidade. Nós temos que nos alinhar a o que é cobrado lá fora.”
Para que o Brasil se iguale aos pares internacionais, deverá avançar sobre o que era praticado anos atrás. Até 1995, a lei previa uma alíquota de 15% sobre os dividendos por aqui. Hoje, a tributação média dos países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, é de 25%.
De qualquer forma, caso a ideia chegue à prática, a tributação traria uma “implicação enorme ao mercado”. “A estrutura de capital das empresas mudaria. Com isso, a percepção de valor delas também passaria a ser diferente”, diz Pedrosa.
Faixa de isenção de dividendos deve acompanhar tabela do IRPF
Recentemente, foi veiculada a possibilidade de implementação de uma faixa de isenção na tributação de dividendos. Os estudos teriam sido encomendados ao Ministério da Economia pelo Planalto, com a medida sendo implementada no âmbito da reforma do Imposto de Renda para famílias e empresas.
Caso a equipe econômica consiga fazer com que o tema seja aprovado no Congresso, o Brasil seria o único país no mundo a estabelecer uma faixa de isenção específica para a tributação de dividendos. Países que aplicam taxas sobre a distribuição de lucros por empresas aplicam uma alíquota única e pré-estabelecida, sem tabelas progressivas.
Para Gabriel Mota, sócio do escritório RJ Investimentos, a ideia tem por objetivo blindar os pequenos negócios e os investidores pessoa física na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), tirando os pequenos da frente da tributação. “Ainda é cedo para estudar os impactos, mas é uma notícia que visa amenizar essa mudança que não agrada a essas classes.”
Advogados tributaristas têm dito que, caso aprovada, a novidade deve ter uma paridade com a progressividade do IRPF, pesando menos sobre os menores contribuintes e incentivando o reinvestimento interno.
O questionamento de especialistas sobre o tema, entretanto, é qual será a receptividade do Congresso frente à ideia. Partidos ligados à oposição, por exemplo, podem considerar uma eventual faixa de isenção muito baixa em relação ao entendimento de governistas, comentou Conrado Magalhães, analista político da Guide Investimentos.
“A equipe econômica já propôs uma série de medidas que seriam inéditas, mas a maior parte não foi aprovada pelo Congresso”, disse o especialista. Na visão dele, o ministro Paulo Guedes deve apresentar uma faixa de isenção única relativamente baixa, sem muitas novidades.
“É uma pauta complexa, mas que vem evoluindo recentemente, com o ministro Guedes aceitando que a reforma terá um escopo mais limitado do que a visão original. Não devem acontecer grandes novidades.”
Demanda política deve acelerar aprovação
No âmbito da reforma tributária, a tributação de dividendos é o trecho que menos causa atrito entre os parlamentares.
A taxação dos proventos é um pedido antigo dos partidos ligados à esquerda, ao passo que os formuladores da reforma entendem que as obrigações tributárias no Brasil são altas e complexas.
Isso afasta possíveis investidores — locais e estrangeiros — e, consequentemente, estimula menos a economia e a geração de empregos. Hoje, a carga tributária totaliza 34%, sendo dividida da seguinte forma:
- 15% do IRPJ “fixo”;
- 10% do “adicional de IRPJ”, que contempla quem aufere renda acima de R$ 240 mil ao ano;
- 9% da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Com isso, o Planalto parece estar disposto a usar essa moeda de troca para angariar apoio e ter mais votos numa eventual votação da reforma, de acordo com analistas políticos.
“Ao entrarmos em um período eleitoral, é natural que o governo tenha o desejo por uma reforma tributária que tribute os dividendos, buscando apaziguar as partes”, comenta Pedrosa.
Guedes, inclusive, já defendeu a criação do chamado Fundo Brasil, financiado pelos dividendos das estatais, para bancar programas sociais. “Vamos entregar uma parte do patrimônio para os mais pobres e, por outro lado, pagar uma parte da dívida”, disse em audiência pública em março.
Atualmente, os ativos da União somam R$ 1,3 trilhão. “Esses ativos poderiam estar próximos do povo e poderiam estar pagando impostos sobre dividendos. Nós vamos fazer impostos sobre dividendos.”
Embora as conversas já estejam em curso desde que o governo de Jair Bolsonaro assumiu o poder, ainda existem muitas incertezas. Na visão de especialistas, pouco se sabe sobre as minutas da reforma e como isso afetará grupos empresariais com estrutura mais densa, por exemplo.
Uma base tributária mais enxuta, todavia, poderia melhorar a percepção de criação de valor pelas empresas, aliviando os custos e trazendo luz à geração de caixa livre das companhias aos investidores.
O tema de tributação de dividendos, portanto, deve continuar no radar dos investidores daqui para frente.