ESPECIAL: a trajetória que levou aos 3 milhões de investidores na bolsa
Na última sexta-feira (2), a B3 (B3SA3) informou que o número de investidores ativos na bolsa de valores brasileira bateu, após mais de um século de existência, a marca de 3 milhões, em um reflexo do movimento crescente de migração para o mercado de capitais.
O cenário de maior volatilidade na bolsa de valores de São Paulo neste ano parece não ter assustado, muito menos afastado, os investidores. De acordo com dados da B3 referentes à setembro, encerrado no último dia 30, foram registradas 3.065.775 contas abertas, ao mesmo tempo que o número de CPFs anotou um crescimento de 82,37% em relação ao patamar apresentado no final de 2019.
O aumento de pessoas físicas que negociam no mercado de capitais brasileiro coincide com o ciclo de cortes da taxa Selic e a injeção de recursos na economia para mitigar os impactos da pandemia. Em vista da pandemia do novo coronavírus, o governo e o Banco Central (BC) iniciaram políticas, monetária e fiscal, expansionistas para elevar a liquidez nos mercados.
Dessa forma, com uma taxa básica de juros na mínima histórica de 2% ao ano e uma “abundância” de dinheiro na economia, começou-se a busca por aplicações com maior rentabilidade, haja vista de que, com a queda da Selic, diminuem as perspectivas da renda fixa.
Para Gabriela Mosmann, analista CNPI da SUNO Research, a marca de de 3 milhões é resultado de um conjunto de fatores, que incluem tanto a taxa básica de juros a mínimas históricas quanto “a divulgação da educação financeira”.
“E a internet está auxiliando muito isso, de as pessoas buscarem educação financeira, entenderem o que é o investimento na bolsa e que é algo acessível para todo mundo”, acrescentou.
Nesse sentido, fica mais claro como, mesmo com o Ibovespa caindo 18,63% na base anual, o número de pessoas físicas na B3 subiu 112,6% na mesma comparação. Porém nem sempre foi assim.
Passos de formiga: rumo ao 1 milhão
A história do mercado de capitais brasileiro data de 1890, quando foi fundada a Bolsa Livre, o embrião da B3 que conhecemos hoje. A Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa, no entanto, só se desenvolveria e tomaria forma na segunda metade do século XX.
Ao final do século, em 2000, as bolsas de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais Espírito Santo Brasília, do Extremo Sul, de Santos, da Bahia Sergipe Alagoas, de Pernambuco, da Paraíba, do Paraná e a Bolsa Regional foram integradas e a Bovespa passou a concentrar toda a negociação de ações do País.
Até aquele momento, contudo, não havia muitas empresas listadas no Brasil. O embalo do mercado de capitais brasileiro começou a pegar em meados da década passado, quando, após o Plano Real e o início da abertura econômica, o País começou a crescer e atrair investidores, especialmente estrangeiros.
O movimento levou a ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) importantes, de companhias de fora do grande setor de commodities, como foi o caso da Natura (NTCO3) e da Cielo (CIEL3).
A partir de 2016, após a enxurrada de IPOs na bonança na qual vivia o Brasil, o País entrou em uma das maiores recessões de sua história. Os processos de listagens pararam e o dinheiro nos mercados estava curto. Foi, então, que o Banco Central iniciou o ciclo de cortes na taxa Selic, na tentativa de elevar a liquidez e o acesso a recursos em um período longo de crise.
“Conforme a renda fixa perde a atratividade, com a taxa de juros caindo, as pessoas começam a buscar outras alternativas. A gente ainda tem muito dinheiro na renda fixa, na poupança, em investimentos pouco rentáveis, e as pessoas estão buscando formas melhores de aplicar seus recursos indo para a bolsa”, salientou João Arthur Almeida, especialista em investimentos da SUNO Research.
Foi, dessa forma, apenas em abril de 2019, já com a fusão da bolsa de São Paulo e da Cetip que deu origem à B3, que o mercado de capitais nacional superou a marca histórica de 1 milhão de investidores pessoas físicas.
O Brasil já não estava mais em recessão técnica, embora ainda longe do patamar desejável de progresso, porém as taxas de juros continuavam em queda livre e o desenvolvimento do mercado brasileiro daria espaço para ainda mais crescimento.
Via expressa: os caminhos para os 2 milhões
Se a trajetória até os 1 milhão de investidores na bolsa foi tortuoso, a história até os 2 milhões também não foi fácil. Ao final do ano passado, embora o Brasil viesse apresentando tímidas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a bolsa brilhava. De acordo com dados da B3, o principal índice da bolsa brasileira, o Ibovespa, fechou dezembro de 2019 a 115.645 pontos, o maior patamar já registrado ao final de um mês.
Apesar disso, o mundo todo foi surpreendido por um novo patógeno encontrado na então pouco conhecida província chinesa de Wuhan. Em 2020, os países ao redor do globo viram o escalar de uma pandemia que paralisou as economias e derrubou os mercados, incluindo o brasileiro.
A pandemia do novo coronavírus forçou as nações a adotarem regimes de isolamento social e, em alguns casos, até lockdowns. As medidas congelaram as atividades econômicas e minaram as perspectivas de crescimento do PIB global.
Com isso, as preocupações e temores sobre o que iria acontecer levaram ao derretimento das bolsas em março. Ainda segundo dados da B3, o Ibovespa, que estava cotado a 104.172 em fevereiro, desabou para 73.020 ao final do mês seguinte, queda quase 30%.
Nesse cenário o Brasil não fugiu à regra e determinou o isolamento social (ainda que não obrigatório) e suspendeu a maioria das operações, permitindo apenas o funcionamento de serviços essenciais. O BC e o governo federal, nesse sentido, agiram para atenuar os efeitos das medidas e instauraram políticas expansivas, como a criação do auxílio emergencial de R$ 600,00, os cortes na Selic e a impressão de mais papel moeda, para injetar dinheiro na economia e manter a roda girando.
Com isso, mesmo diante dos impactos pela pandemia, o número de investidores pessoa física chegou a 2 milhões em abril desse ano à procura de ativos de maior rentabilidade, como destacou Almeida, resultado que, de acordo com a B3, indicou “uma mudança estrutural no mercado de capitais brasileiro”.
Os 3 milhões na bolsa e 3 perspectivas para o futuro
De abril para cá, o cenário mudou muito. Com as descobertas sobre a covid-19 e seus possíveis efeitos, o mercado de capitais mundial saiu do “escuro” e, apesar de ainda se observarem os impactos negativos da pandemia, começou a respirar.
O alívio levou os principais índices acionários dos Estados Unidos a baterem máximas históricas e o Ibovespa a retomar um patamar próximo dos 100 mil pontos. Com isso, em setembro, foram registrados 3 milhões de investidores pessoas físicas na bolsa, o maior nível já observado.
Na visão de Almeida, as perspectivas são positivas, em vista do potencial de crescimento do mercado de capitais brasileiro. Enquanto os Estados Unidos ostentam um percentual de mais de 50% de pessoas inseridas no segmento, o Brasil registra alto em torno de 1,5%. Ainda há muito chão para correr, segundo o especialista.
“Toda sociedade desenvolvida tem um mercado de capitais forte”, destacou João Arthur.
Outra promessa para a bolsa brasileira é a participação cada vez maior das mulheres. De acordo com Gabriela Mosmann, é esperado que cada vez mais mulheres comecem a investir no mercado de capitais brasileiro. “A mulher está cada vez mais consciente sobre sua liberdade individual, buscando trabalho, desenvolvimento, educação, e também, agora, investimentos”, pontuou a analista.
Por fim, ambos os especialistas em renda variável apontam para outro fator: a educação financeira. Com o crescimento do mercado de capitais do País, aumentou o número de pessoas em busca de aprimorar seus conhecimento no que concernem suas finanças pessoais, assim como o número de empresas que prestam serviços direcionados a esse públicos como a própria SUNO Research.
Além disso, segundo Almeida, é necessário seguir alguns pré-requisitos para continuarmos a registrar números positivos de pessoas investindo: manter os juros baixos e garantir um cenário fiscal saudável. Com isso em vista, o Brasil não vai precisar sonhar para acreditar nos 4 milhões de investidores na bolsa de valores.