Após se tornar a sensação do mercado norte-americano em 2020, com uma valorização estratosférica que a levou à 7ª maior posição do S&P 500, a Tesla (TSLA34) passa por altos e baixos neste ano. A companhia de Elon Musk sobe cerca de 1% desde janeiro, enquanto o índice avança 12%. Afinal, ainda vale a pena comprar as ações da companhia?
Enquanto alguns dizem que a empresa está sendo negociada a preços acima do que ela realmente vale, outros apostam que a Tesla liderará uma mudança no centenário segmento em que atua. Fato é que existem riscos e virtudes inerentes à empresa.
Musk conseguiu fazer com que sua montadora se livrasse da falência quatro anos atrás para atingir a meta da venda de 500 mil veículos comercializados no ano passado e um valor de mercado de mais de US$ 700 bilhões — tornando-o um dos homens mais ricos do mundo.
Por outro lado, alguns especialistas questionam o fato de que a companhia com sede em Palo Alto, na Califórnia, vende 17 vezes menos carros que a Toyota de forma anualizada, e mesmo assim é negociada a um valor três vezes maior.
A disrupção que a Tesla trouxe não diz respeito somente ao mercado de veículos elétricos que surfam na onda de um planeta cada vez mais “limpo”, mas também refere-se à percepção de valor dos analistas de Wall Street e do mundo inteiro.
Empresa | Valor de mercado (23/04) | Lucro em 2020 |
Tesla | US$ 714 bilhões | US$ 721 milhões |
Toyota | US$ 211 bilhões | US$ 19 bilhões |
Volkswagen | US$ 167 bilhões | US$ 7,65 bilhões |
GM | US$ 82 bilhões | US$ 6,4 bilhões |
Daimler AG | US$ 78 bilhões | US$ 4,38 bilhões |
BMW | US$ 55 bilhões | US$ 2,16 bilhões |
Ferrari | US$ 52 bilhões | US$ 735 milhões |
Riscos que envolvem o negócio
A Tesla ainda é uma empresa jovem. Fundada em 2008 por Musk, a companhia ainda está em seu processo de crescimento, longe de uma fase de maturação e estabilidade. Com isso, a operação ainda está em desenvolvimento, as receitas não possuem a constância do setor e o modelo de negócios apresenta riscos claros.
Para Fabio Ribeiro Faria, mais conhecido como “Fabio Holder”, analista CNPI e influenciador digital com quase 450 mil seguidores nas redes sociais, são três os maiores riscos da Tesla:
- Regulatório;
- De demanda;
- De oferta.
O primeiro diz respeito às regulações referentes à emissão de gases de efeito estufa, as quais geram incentivos financeiros para as montadoras de veículos elétricos e penalidades para companhias ligadas à combustão. Com a tendência de que o setor caminhe para a energia limpa, a Tesla deve ganhar novos concorrentes.
Além disso, este aspecto carrega um fator importante na geração de dinheiro da Tesla. De fato, grande parte o faturamento da montadora vem da venda de veículos e energia, mas isso contempla créditos regulatórios que são comercializados com concorrentes.
Diversos estados dos Estados Unidos possuem programas de crédito para montadoras, relacionados à quantidade de veículos sem emissão que são produzidos. No fim do ano, cada montadora deve ter uma determinada quantidade de créditos — caso contrário, pode comprar de outras montadoras para bater a meta.
A Tesla, por sua vez, monta somente veículos elétricos, então não tem esse problema. Pelo contrário, vende os créditos para outras montadoras, e desde 2013 faturou US$ 4 bilhões com isso. Esse montante deve diminuir ao longo do tempo.
O risco de demanda diz respeito à incerteza quanto ao volume de pedidos no futuro, o que acarreta em um cenário nebuloso para o market share da companhia.
O risco de oferta, por outro lado, refere-se a particularidades da fabricação de veículos elétricos, como o alto consumo de Cobalto para as baterias e placas de computação gráfica e processadores para a inteligência dos veículos. Ambos podem ter problemas com o recebimento dos insumos.
O aparato tecnológico para a inteligência dos carros da Tesla é de grande importantância e necessita ser constantemente atualizado. Na última semana, chamou atenção um acidente que matou duas pessoas dentro de um Model S da montadora. Ainda não está claro se o piloto automático estava em funcionamento, mas não havia ninguém efetivamente pilotando o veículo.
O diferencial da Tesla no segmento de elétricos
Ao se tornar uma tendência incentivada globalmente, o mercado de veículos elétricos deve tomar verdadeira tração nos próximos anos, acirrando ainda mais a concorrência.
A Stellantis, quarto maior grupo automotivo do mundo e fruto de uma fusão de grandes montadoras no ano passado, quer quase triplicar suas vendas globais de elétricos neste ano. O objetivo é comercializar 400 mil unidades, após o lançamento de 11 novos modelos.
A BMW quer aumentar de 4% para 25% o volume de venda de veículos elétricos na China, maior mercado consumidor do segmento no mundo, até 2025. O objetivo maior é que metade das vendas globais sejam de modelos totalmente elétricos até 2030.
A Huawei investirá US$ 1 bilhão na pesquisa e desenvolvimento de um carro inteligente e elétrico, acelerando seus planos de competir diretamente com a Tesla e também com a sua conterrânea Xiaomi.
“A principal barreira de entrada que as grandes montadoras irão enfrentar é a adaptação na fabricação dos carros elétricos. Apesar de tanto os carros a combustão quanto os carros elétricos serem veículos, a tecnologia e o processo de fabricação são completamente distintos”, diz Faria, comentando que a Tesla é pioneira no segmento.
O analista diz que a alta competitividade dentro da indústria faz as empresas terem margens baixas, pouca geração de caixa, além do alto endividamento histórico e, consequentemente, um alto custo de capital. “Fica a pergunta: de onde virá o capital para financiar essa transição no modelo de fabricação?”
Esse é justamente o contraponto e questionamento ao atual valuation da companhia. “O modelo de negócio da Tesla é de capital intensivo. Para ela gerar valor e justificar o quanto vale, teria de crescer muito, e muito rápido”, diz Alberto Amparo, analista internacional da SUNO Research. “Não é como Google ou Facebook. Para que a Tesla possa dobrar o lucro, precisa dobrar a capacidade produtiva e torcer para que a demanda acompanhe.”
A figura de Elon Musk
O atual CEO da Tesla não é o executivo convencional de Wall Street. Excêntrico e polêmico, Elon Musk é visto por alguns como um gênio e visionário, enquanto para outros não passa de uma farsa que, uma hora ou outra, cairá por terra.
Os últimos três anos foram agitados na vida do empresário. Desde 2018, Musk já passou por disputas judiciais por difamação, investigações financeiras lideradas pela U.S. Securities and Exchange Commission (SEC), além de falhas na operação da Tesla e aparições questionáveis no Twitter, até mandar homens para o espaço por meio da SpaceX, sua outra empresa, e se tornar o homem mais rico do mundo.
Um item que não pode faltar na análise da Tesla é o risco de imagem do Musk para a companhia. Não obstante, também deve ser mantido no radar o risco de continuidade da operação da empresa caso ele saia da liderança da montadora.
“Acredito que não haja mais um risco material relacionado à imagem dele, primeiramente porque hoje as declarações que ele faz não são tão polêmicas quanto há alguns anos atrás”, afirma Faria. “Em segundo lugar, porque atualmente a Tesla mais se beneficia do marketing gerado através da imagem de Musk do que o contrário.”
Por outro lado, seria uma perda considerável caso ele deixe de ser o CEO. “Sem dúvidas alguma ele é uma peça fundamental para a Tesla. Acredito que será inevitável no futuro outro executivo ocupar a função de CEO, mas é pouco provável que Elon deixe de exercer alguma função relevante na empresa”, diz o influenciador, que tem ações da montadora desde 2018.
Vale a pena investir na Tesla?
A resposta para esta pergunta cabe somente ao investidor, uma vez que a aceitação de riscos e perspectivas de longo prazo, assim como o horizonte de investimento, são individuais. Fato é que a Tesla tem buscando liderar a renovação de um setor centenário com grandes barreiras de entrada e que não cresce substancialmente há anos.
“Os próximos 10 anos serão bastante turbulentos para a empresa, para dizer o mínimo, e com certeza haverá períodos de altas e baixas, considerando todo o cenário da indústria automotiva”, pontua Faria.
Caso o investidor procure um investimento arriscado, com um futuro incerto e retornos voláteis, o que por consequência pode proporcionar uma rentabilidade acima da média, a montadora pode ser uma boa oportunidade. Os investidores brasileiros podem comprar as ações da Tesla por meio do BDR da empresa, através do ticker TSLA34.
No entanto, de nada adianta comprar uma boa empresa por um preço inadequado. “Atualmente, o valuation da Tesla faz com ela seja negociada a mais de 400 vezes a geração de caixa registrada em 2020 — isso em um ano em que as vendas foram boas”, comenta Amparo.
Com base nos resultados do ano passado, o Retorno sobre Capital Investido (ROIC) da Tesla é de 5%, enquanto o seu custo médio ponderado do capital (WACC, na sigla em inglês) é de mais de 13%, características que demonstram que a empresa, por ora, destrói valor.
Hoje, a Tesla é negociada a 1.149 vezes seus lucros. Na prática, caso a empresa não aumente sua rentabilidade ao longo dos anos, demoraria 419.672 dias para que cada dólar aplicado na montadora retorne ao investidor. “A empresa é incrivelmente cara. Trata-se da especulação da narrativa de que alguma coisa possa dar certo”, diz Amparo.