A proposta de reforma tributária divulgada na última sexta-feira deixou investidores fundos imobiliários de cabelo em pé, mas eles não estão sozinhos. Os gestores de FIIs também ficaram perplexos e preocupados com o futuro desta indústria.
Segundo profissionais do mercado ouvidos pelo SUNO Notícias, a ideia de cobrar 15% de Imposto de Renda nos dividendos distribuídos pelos fundos imobiliários tem alguns problemas principais:
- Causa uma assimetria em relação a outros investimentos, como LCI, LCA e CRIs, que seguem isentos de IR.
- Pode ameaçar o desenvolvimento de uma indústria ainda jovem e em pleno desenvolvimento.
- Compromete empresas e o investidor final.
Confira em detalhes a visão dos gestores de fundos imobiliários:
Fundos imobiliários perderiam competitividade
Um dos grandes problemas apontados pelos especialistas é a perda de competitividade dos fundos imobiliários frente a outros investimentos.
“A proposta tem um grande desequilíbrio ao manter a isenção de IR para LCI, LCA e CRI, e não para os FII. A gente vê uma forte distorção aí: o correto seria tributar todos ou nenhum deles, senão a competição fica inadequada”, afirma Luiz Amaral, sócio-fundador e CEO da TRX.
O sócio da Valora Investimentos, Alessandro Vedrossi, tem a mesma opinião. “Não faz sentido manter a isenção de CRI e LCI, mas tributar fundos imobiliários de CRI”, afirma.
Segundo os especialistas, o benefício da tributação de dividendos de FII para o governo seria muito baixo frente ao impacto negativo que causaria no setor. De acordo com o porta-voz da Valora, a indústria de fundos imobiliários representa apenas cerca de 3% do setor de fundos de investimentos no Brasil.
Indústria de FII está em pleno crescimento
Outro ponto levantado pelos gestores é o momento vivido pelo setor de FII, que era quase inexistente no Brasil, mas ganhou fôlego nos últimos anos, chegando a quase 1,5 milhão de investidores. O movimento ocorreu em meio ao movimento de queda da taxa básica de juros, que neste ano se inverteu.
“Existe um risco de machucar a indústria no momento em que ocorre um crescimento importante, que claramente foi ajudado pelo nível baixo da taxa de juros”, diz Vedrossi. “Trazer esta proposta agora é errado, porque a indústria ainda está em processo de desenvolvimento.”
Confira abaixo o crescimento do número de investidores neste mercado nos últimos anos:
O número de fundos listados em Bolsa subiu de 156, em dezembro de 2017, para 342 em abril deste ano, segundo o mais recente levantamento divulgado pela B3. Mesmo durante a pandemia, entre maio de 2020 e abril deste ano, saíram de um patrimônio líquido de R$ 98 bilhões para R$ 152 bilhões.
Gestores citam impacto para investidores e empresas
Além de temer a interrupção do forte crescimento visto neste mercado nos últimos anos, os gestores veem impacto nas empresas tomadoras de crédito e até mesmo nos inquilinos dos imóveis locados pelos fundos imobiliários.
Segundo o sócio Urca Capital Partners, Caio Braz, o impacto seria diferente para as várias modalidades de fundo. No caso de fundos imobiliários mais voltados para títulos de crédito — conhecidos como fundos de CRI –. haveria um impacto direto no custo da operação.
“Se estes fundos imobiliários cediam crédito a uma taxa determinada, precisam entregar certa rentabilidade, e terão de repassar parte deste custo nos papéis de crédito que eles estruturam e nos quais investem”, explica. Em outras palavras, ficaria mais caro para o tomador de crédito captar o recurso proveniente do fundo imobiliário.
“Em algum nível esse custo seria repassado para a ponta, seja o tomador de crédito ou o inquilino do imóvel”, explica.
Um dos desafios dos gestores de fundos imobiliários neste cenário seria reduzir o custo operacional para impactar o mínimo possível o retorno do cotista. Entre as medidas, segundo ele, estariam menores custos operacionais e maior qualidade dos ativos investidos. Mesmo assim, na visão de Braz, a proposta de reforma tributária “tira rentabilidade da veia dos cotistas de FII”.
Setor deve sofrer no curto prazo
Caso a proposta seja aprovada como está — o que é considerado pouco provável pelos gestores — os fundos imobiliários devem sofrer no curto prazo, pois a isenção de IR é um dos grandes atrativos para a pessoa física, que representa 70% dos investidores deste mercado, segundo Gabriel Carvalho, gerente de produtos da Órama Investimentos.
Ele analisou o índice de referência da indústria de fundos imobiliários (IFIX), e apontou que cerca de 40% do retorno total foi advindo da valorização de preços, enquanto o restante se refere aos dividendos distribuídos. “Diante disso, de maneira bem simples, ao calcularmos o potencial impacto na precificação dos ativos, o ajuste estimado seria de cerca de 7%”, afirma.
Segundo ele, no entanto, os FIIs continuariam atrativos para os investidores que têm como objetivo a estratégia de renda.
“O spread histórico do dividend yield do mercado de FIIs em relação aos juros reais de longo prazo gira em torno de 2,5%-3%a.a. Logo, mesmo ao considerar uma alíquota de 15% sobre os rendimentos distribuídos aos investidores pessoa física, o spread médio líquido ficaria em torno de 2,1%-2,6%a.a., que continuam sendo números bastante interessantes”, destaca.
Nesta semana, no entanto, o mercado está penalizando os fundos, com uma forte queda do IFIX nos últimos dois dias. De acordo com os especialistas, várias vantagens dos FII permanecem mesmo se a isenção tributária terminar. Entre elas estão a possibilidade de investir no mercado imobiliário de forma mais simples e líquida, com valores baixos.
Mesmo assim, tudo indica que os ânimos do mercado de fundos imobiliários ficarão exaltados enquanto esta decisão estiver no ar.