Sem medo do tradicional, Tarpon Capital usa o value investing e aposta em agro e saúde
Em meio às inovações do mercado financeiro e à chegada de empresas disruptivas à Bolsa, a Tarpon Capital prefere o simples. Os R$ 1,3 bilhão são administrados por meio de duas estratégias de investimento, mas sempre com a mesma filosofia: o value investing.
A gestora, que possui 19 anos de estrada, prefere empresas consolidadas e que tenham se provado no tempo, mesmo que estejam fora do radar da Faria Lima e do Leblon. Mesmo assim, no universo da Tarpon Capital cabem desde pequenas empresas até as blue chips.
Para a casa, setores pouco discricionários e que tenham forte participação econômica se mostram mais defensivos em momentos de incerteza, como o atual. Dois dos principais são o agronegócio e saúde, nos quais a Tarpon concentra suas maiores apostas e enxerga um upside atrativo.
Contudo, segundo Rafael Maisonnave, sócio da Tarpon Capital, de nada importa determinada empresa ter um modelo de negócio excepcional e estar no preço errado. Confira os principais trechos da entrevista do SUNO Notícias com o gestor.
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Conte um pouco sobre a trajetória da Tarpon Capital até aqui
A Tarpon é uma das primeiras gestoras dedicadas e independentes que passaram a olhar para ações. Ela foi fundada em maio de 2002 pelo Zeca Magalhães. A concepção da gestão lá da origem permanece conosco no dia a dia. A gente sempre pensa que não compramos ações, mas sim empresas. Os papéis são apenas o meio para participarmos de negócios vencedores.
Nós gostamos de acompanhar as empresas com maior proximidade, então em geral nos nossos fundos nós sempre temos de 10 a 15 papéis, um patamar menor do que a indústria. Acreditamos que a profundidade de conhecimento nos negócios gera benefícios.
A forma de estudarmos as empresas sempre foi e continuará sendo o bottom up. Procuramos entender tanto a microeconomia como a macroeconomia, o andamento da atividade e como os setores estão se desenvolvendo, por meio das empresas.
Hoje, na SK Tarpon, ecossistema de gestoras que fazemos parte, temos R$ 6 bilhões sob gestão. Na Tarpon Capital especificamente, fazemos a gestão de R$ 1,3 bilhão.
O nosso fundo Tarpon GT cuida de pequenas e médias empresas. Já o fundo Tarpon Wahoo acompanha médias e grandes companhias. Administramos as duas estratégias.
Como a casa procura compor o portfólio, e quais são as principais apostas do momento?
Antes de tudo, o que sempre procuramos ao compor nosso portfólio é diversificar as posições, de forma a descorrelacionar os riscos e ampliar o potencial de sucesso.
No GT, o setor em que mais apostamos é o agronegócio. Ele tem passado muito bem por essa crise, sobretudo o setor de grãos. O segmento é pouco representativo na Bolsa, com poucas ações listadas, mas temos duas grandes posições. São Kepler Weber (KEPL3) e BrasilAgro (AGRO3). Elas duas estão se beneficiando bastante, talvez ambas em nos melhores momentos da história.
A Kepler acabou de completar 96 anos de história e gostamos muito. Ela é a líder do mercado em um segmento em que o Brasil ainda é deficitário, que é a armazenagem de grãos.
Já a BrasilAgro, que é uma empresa produtora de grãos propriamente dita, está bastante vinculada com commodities no Brasil.
Também gostamos do setor de utilities, como elétrico e infraestrutura. Uma delas é a Alupar (ALUP11), com transmissão de energia. A empresa é muito bem tocada, com track record excepcional. A outra aposta nesse sentido é a Wilson Sons (WSON33), de navegação, cabotagem e rebocagem. O terceiro viés é voltado à economia doméstica, com empresas expostas ao setor automobilístico, como a Tegma (TGMA3); além do setor imobiliário, que temos Trisul (TRIS3) e Lavvi (LAVV3).
Com esses investimentos, procuramos ter uma carteira com retornos interessantes, mas que também consigamos passar por cenários econômicos difíceis.
Já no Wahoo, a maior aposta é no setor de alimentação, com a Arcos Dourados (NYSE: ARCO). Ela é listada nos Estados Unidos mas tem quase 85% do seu resultado oriundo do Brasil.
O fundo também gosta do setor de agronegócio e saúde. Neste último, nos chama atenção os modelos verticalizados e que tem ganhado mercado em meio aos planos de saúde e assistência médica, com uma proposta de valor bastante competitiva.
Basicamente, olhamos o mercado de forma agregada. Na nossa visão, neste primeiro semestre os investidores claramente estão mais animados com commodities em detrimento ao consumo doméstico. Como podemos ver, neste ano o melhor desempenho dentre os índices setoriais é o de Materiais Básicos (IMAT), com alta de mais de 23%. Por outro lado, o pior é o mais discricionário de todos, é o de Real Estate e Shoppings (IMOB), que avança 3%, abaixo do Ibovespa.
Nesse contexto de percepção de inflação mundial, estamos procurando empresas as quais consideramos descontadas e que possam gerar retornos acima do que o índice produz.
Falando sobre o setor de saúde, qual é a percepção da Tarpon? Como a gestora enxerga a megafusão entre Hapvida e Intermédica?
Nestes momentos de incerteza econômica, os setores menos discricionários tendem a ser mais protegidos. No setor de saúde, a discricionariedade é muito baixa. Ele tem por natureza a capacidade de produzir resultados bons em momentos difíceis, sendo um segmento bem defensivo.
No caso de Hapvida (HAPV3) e Intermédica (GNDI3), elas têm uma proposta de valor que tem se mostrado bastante competitiva. A verticalização tira uma série de ineficiências na operação, fazendo com que o market share delas cresça bastante sobre o restante do mercado, como as integralizadas. Isso acontece pelo alinhamento melhor em termos de custos e controles do público-alvo.
Vemos a possível fusão entre as duas empresas com muito bons olhos. Elas são bastante complementares, tanto do ponto de vista geográfico como na precificação dos produtos. Se concretizado, será um negócio que gerará bastante valor aos investidores.
Nossos investimentos no setor estão concentrados nessas duas empresas. Em algumas outras empresas, vemos que os valuations estão um pouco esticados, que já implicam em um crescimento grande.
Em geral, acreditamos que os ativos são de boa qualidade, muitos tem um negócio excepcional, mas o valuation está errado. Nesses casos, não vamos investir pois tem de existir uma combinação entre esses dois fatores.
Entretanto, as empresas que têm vindo ao mercado, como a Blau Farmacêutica (BLAU3), têm acelerado esse processo de consolidação do setor, o que, em geral, cria valor.
Como vocês tem acompanhado esse ciclo de IPOs na Bolsa brasileira?
Em nosso trabalho, costumamos investir em empresas com um amplo histórico. Somos investidores que gostamos de entender a empresa ao longo da vida. Em geral, na oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) as empresas são obrigadas a divulgar apenas três anos de dados financeiros auditados – isso nos dá certa desconfiança. Não somos investidores assíduos de IPOs.
Das duas empresas que investimos no agronegócio, uma está na Bolsa há 15 anos, outra há mais de 35 anos. São companhias mais antigas.
No caso de Jalles Machado (JALL3) e Boa Safra (SOJA3), também no mesmo segmento, acompanhamos as aberturas de capital e não entramos em nenhum dos dois. Estamos satisfeitos com nossas duas posições, com valuations bem atrativos.
Mesmo com a chegada de novas empresas, acredito que estamos bem posicionados para surfar o bom momento do agronegócio. A Kepler tem 95% de sua receita oriunda especificamente do trabalho com commodities, que tem conduzido a economia brasileira. Mesmo assim, é uma empresa não tão conhecida.
Preferimos olhar para onde ninguém está olhando. Se compararmos com o IPO da Boa Safra, que foi muito bem-sucedido, todos os fundos receberam a oferta de investimento. A empresa já ficou muito conhecida. Para conhecer a Kepler, os gestores precisam gastar muita sola de sapato.
Todavia, entendemos que a chegada de novas empresas à Bolsa é ultra benéfica para o mercado brasileiro. As ofertas primárias irão promover investimentos, criação de empregos na economia formal, temos ótimos olhos para esse ciclo de IPOs.
O Ibovespa ainda é muito mal representado, concentrado em Vale (VALE3), Petrobras (PETR4) e bancos. No caso da Vale, por exemplo, ela depende muito mais da China do que do Brasil.
A economia local é muito mais que isso, e os IPOs devem ajudar nesse sentido. São cerca de 400 ativos disponíveis por aqui, enquanto a Bolsa indiana tem mais de 3 mil empresas listadas. Nos Estados Unidos, são aproximadamente 7 mil.
A janela de aberturas de capital conversa com o andamento da economia. Qual é a visão da Tarpon para a recuperação econômica brasileira?
Os IPOs chegam ao mercado quando as expectativas econômicas são boas. A janela de aberturas de capital entre 2015 e 2016 esteve praticamente fechada, por exemplo.
Quando uma empresa vem ao mercado, investidores querem previsibilidade e visibilidade, que são proporcionais ao risco – tanto de negócio como de cenário. As últimas desistências de IPOs ocorreram quando o risco político aumentou no País, demonstrando que o Brasil ainda é suscetível a esse tipo de episódio.
No que se refere à recuperação econômica, estamos todos dependentes da fundamental vacinação em massa. Os setores mais impactados pela pandemia, como serviços e lazer, já caminham para a normalidade nos Estados Unidos e Israel. Entendemos que a recuperação do fluxo econômico está aliada ao sucesso da imunização da população.
A nossa preocupação com a inflação foi arrefecida nas últimas semanas, principalmente por conta da queda do dólar, mas é uma questão que ainda deve ficar no radar. A consideração que deve ser feita e mantemos o alerta aqui na Tarpon Capital são as eleições presidenciais do ano que vem, que costumam trazer solavancos à economia.