Um dos temas tributários mais debatidos nas últimas décadas do país, a exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo de PIS e Cofins pode estar próximo de um desfecho. O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar nesta quinta-feira (29) recurso da União sobre a questão, que impacta diretamente o contribuinte. A posição a ser tomada pela Suprema Corte será acompanhada com atenção pelas empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), em especial as varejistas.
Conhecida como a tese tributária da década, a discussão está sob julgamento no STF desde 2017. Na ocasião, a Suprema Corte definiu que o ICMS não deve fazer parte da base de cálculo das contribuições de PIS e Cofins. Porém, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) interpôs embargos de declaração, pedindo modulação temporal – definição sobre a partir de quando a regra começar a valer – e esclarecimentos sobre a forma de exclusão do ICMS – se seria o destacado em nota fiscal ou o efetivamente devido pelos contribuintes.
A PGFN defende que a não modulação dos efeitos da decisão poderia causar um impacto de cerca de R$ 250 bilhões nas contas públicas, conforme apontado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Entre advogados tributaristas, há o entendimento que as modulações impostas pelo STF podem afetar negativamente o empresariado. “Existe o risco de que o contribuinte ganhe e não leve. A depender da forma que for fixada uma eventual modulação temporal, pode ser que se restrinja o direito dos contribuintes em reaver o que pagaram indevidamente antes do julgamento do STF. Ou seja, pode ocorrer que o STF defina que a decisão de exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins só tenha validade a partir data do julgamento de outubro de 2017 ou, até mesmo, a partir da decisão do próximo dia 29 de abril”, explica o advogado Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur e membro da Academia Brasileira de Direito Tributário.
Lojas Renner obteve decisão favorável
Como o ICMS é um imposto que incide na venda de mercadorias, o desfecho no julgamento no STF tende a impactar principalmente as empresas varejistas, lembra a advogada especializada na área tributária Maria Angélica Feijó, do escritório Silveiro Advogados.
“Toda empresa que tem a sua atividade focada na venda de mercadorias tem apuração de ICMS. Então, para o varejo, o desfecho por ter um impacto financeiro muito grande, determinando um montante maior ou menor a ser excluído da base de cálculo”, avalia. Maria Angélica destaca que, caso a opção do STF seja pela exclusão do ICMS efetivamente da nota fiscal, o impacto para as empresas no cálculo da PIS e da Cofins tende ser a maior. Ou seja, elas pagariam menos PIS e Cofins.
Nos últimos anos, uma enxurrada de processos envolvendo o tema chegou ao Judiciário e já existem diversas decisões favoráveis à exclusão total do ICMS destacado nas notas fiscais ou faturas de venda de mercadorias. Entre as empresas que conseguiram ganhar na Justiça o direito a reaver valores apurados inadequadamente está a Lojas Renner (LREN3).
No ano passado, a empresa gaúcha obteve decisão favorável para reaver R$ 1,36 bilhão em créditos tributários, correspondentes ao período entre novembro de 2001 e fevereiro de 2017. O valor será usado para abater tributos federais pelos próximos anos.
Reconhecido no balanço da Renner, o crédito contribuiu para que a companhia não fechasse 2020 com prejuízo. Em um ano que as vendas caíram 21%, por causa dos efeitos da pandemia de coronavírus na economia, a varejista encerrou o ano passado com lucro líquido de R$ 1,1 bilhão, alta de 0,9% frente 2019.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) realizou levantamento, com base nos balanços de 2020 disponíveis para as 60 maiores empresas do Brasil, classificadas pelas vendas líquidas pela Revista Exame, e identificou que 16, ou seja, 27% delas tinham lançamentos relativos a créditos tributários extemporâneos referentes à exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS e Cofins.
Conforme nota técnica divulgada pela CNI, apenas nos anos relativos a esses balanços, essas 16 empresas lançaram R$ 24 bilhões como “créditos tributários a recuperar reconhecidos”. A confederação não divulgou a relação das empresas, mas o portal Jota lembrou que no grupo de 60 maiores do país constam as seguintes companhias:
- Petrobras (PETR4)
- Vale (VALE3)
- Cargill
- JBS (JBSS3)
- Braskem (BRKM5)
- Vivo (VIVT3)
- Claro
- BRF (BRFS3)
- Bunge
Desfecho no STF irá destravar julgamentos pendentes
Em meio ao impasse nos últimos anos sobre como excluir o ICMS da base de cálculo de PIS e Cofins, o presidente do STF, Luiz Fux, orientou em março que os tribunais regionais paralisassem os julgamentos e aguardassem a resolução da corte. Sendo assim, o advogado tributarista Rodrigo Prado Gonçalves, sócio do escritório Felsberg, destaca que a posição do Supremo nesta quinta poderá destravar as ações que tramitam no país sobre o tema e trazer maior segurança jurídica para as empresas.
Gonçalves acredita que, com base no perfil das últimas decisões envolvendo assuntos tributários, o STF deverá estabelecer alguma modulação. “A pergunta de um milhão é saber a natureza da modulação, se vai se utilizado como referência o julgamento de 2017 ou outro momento”, destaca.
O tributarista ainda acredita que o entendimento dos magistrados deverá ser pela exclusão do ICMS da nota fiscal na base do cálculo de PIS e Cofins. “Todos os tribunais, com pouquíssimas exceções, começaram a mencionar nos últimos anos que o ICMS a ser retirado é o destacado na nota fiscal. Então vai ter um ruído muito grande se Supremo vier e disser que deveria ser o ICMS pago”, complementa.
Além disso, o desfecho desta pauta pode impactar os balanços de empresas que vinham discutindo o tema na Justiça. Afinal, os valores de créditos eventualmente a serem compensados são reconhecidos nas demonstrações financeiras. Há a possibilidade, dependendo da decisão a ser tomada pelo STF, que algumas empresas possam até vir a ter de reconhecer passivos nos balanços referentes à exclusão do ICMS.
CVM pediu que empresas mensurassem créditos “de forma objetiva”
Em janeiro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) havia pedido às empresas, em nota de orientação, que mensurassem de “forma objetiva e confiável” os valores indicados nos balanços referentes à exclusão do ICMS para não divulgarem informações desencontradas ao mercado.
“Quando houver decisão judicial transitada em julgado ou circunstâncias específicas pertinentes ao caso concreto que permitam uma definição do valor do tributo a ser mensurado de forma objetiva e confiável para fins de reversão de provisão ou de reconhecimento de ativo, as áreas técnicas da CVM entendem que o ativo deve ser reconhecido ou o passivo revertido. Não havendo confiabilidade no processo de mensuração, a administração não deve, na visão das áreas técnicas da CVM, reconhecer o ativo ou baixar o passivo”, destacou o órgão em circular.
Neste contexto, tributaristas salientam que a decisão a ser tomada pelo STF envolvendo o ICMS poderá tornar mais clara a maneira de realizar a exclusão do tributo que incide sobre a comercialização de mercadorias.