O crescimento acelerado do e-commerce no Brasil abriu as portas para uma série de empresas que escolheram se aventurar no comércio eletrônico desde 2020. As dificuldades operacionais pelo tamanho continental do País são um desafio desses novos entrantes, mas não atrapalham a Shippify.
A companhia, fundada em Belo Horizonte por dois equatorianos em 2015, já passou por essas dores de crescimento. A Shippify cresceu 400% no ano passado, tanto com o negócio de entregas como o de fornecimento de softwares.
Diferentemente de startups que consistentemente captam recursos e queimam caixa para crescer, a ideia por trás da Shippify foi formar um resultado financeiro sólido para depois crescer com rentabilidade.
Desde o início, mais de três milhões de encomendas já foram entregues — segundo a empresa, nos últimos 12 meses os motoristas parceiros já deram mais de 500 voltas completas na Terra.
Em meio a uma rodada de investimentos privada que pode levantar até US$ 15 milhões (cerca de R$ 78 milhões), a companhia quer ampliar em 60% o número de cidades atendidas no Brasil até o fim do ano.
Leia os principais trechos da entrevista do Suno Notícias com Lucas Grossi, diretor da Shippify Brasil.
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Qual é o histórico dos fundadores e da Shippify?
A empresa quase nasceu já como multinacional. Os dois fundadores, que são equatorianos e já controlavam uma empresa no Chile, vieram para o Brasil por meio de alguns contatos com a ideia da Shippify.
A empresa passou no Startups and Entrepreneurship Ecosystem Development (Seed), do governo de Minas Gerais, e acabou se estabelecendo aqui entre 2015 e 2016. O estado dava alguns incentivos às empresas inovadoras que abriam negócios na região, e logo depois já percebemos algumas oportunidades no setor de logística no Chile e no Equador.
Antes de completar 12 meses de empresa, a Shippify já operava nos três países. Hoje, nossa estrutura consiste em atividades de entregas no Brasil e Chile, enquanto o Equador hospeda a nossa base de tecnologia. Lá ficam os desenvolvedores e equipes de produto, com maior proximidade de grandes talentos do Luiz Loaiza, um dos fundadores e CTO.
Hoje, a Shippify é uma holding sediada nos Estados Unidos, que controla as operações dos demais países. Uma pequena parte de nossa tecnologia também é produzida no México.
Eu me juntei aos fundadores logo no início dos trabalhos, ajudando no desenvolvimento da empresa em seus primeiros passos. Além disso, contamos com a parceria com a Amazon Web Services (AWS) desde a primeira entrega.
E como começaram os trabalhos da empresa?
A Shippify começou como um produto, que era de entregas urbanas. Nós criamos uma comunidade de motoristas, que utilizavam motos, carros ou vans para realizarem os trabalhos, que foi conectada à varejistas e empresas de e-commerce, ou qualquer empresa que gostaria de utilizar essa base de entregadores.
Muitas das vezes, inclusive, servimos de fonte de renda principal para esses profissionais, ajudando a sociedade em um momento de alto nível de desemprego.
Esse foi o nosso primeiro produto, que operava dentro de uma única cidade em Minas, pois não tínhamos estrutura. Com o passar do tempo, começamos a criar galpões logísticos otimizados, que chamamos de hubs tecnológicos.
Isso possibilitou a Shippify fazer entregas de Belo Horizonte a São Paulo; e São Paulo a Rio de Janeiro, em 24 horas. Ampliamos nossa atuação no Sudeste e agora visamos uma ampliação para o Norte e Nordeste.
A operação de entregas é totalmente B2B (business to business), então fechamos negócio exclusivamente com vendedores, e ela pode oferecer nossos serviços. Atualmente, temos parceria com Coca-Cola, Petz (PETZ3), Walmart, Carrefour (CRFB3), Unilever, Amazon, entre outros.
Outro ponto importante de nossa jornada enquanto operadores do setor logístico, diferentemente dos players que fazem apenas entregas, percebemos que aprendemos a fazer entregas muito bem com base em nosso software. Então, por que não licenciar esse sistema para outras empresas gerenciarem as suas próprias frotas?
Além de sermos responsáveis por nossas entregas, auxiliamos quem não tem tecnologia suficiente para organizar sua operação com o nosso sistema, cedido por uma licença. Tiramos as empresas de logística que controlavam tudo no Excel para trabalhar com nossa plataforma.
Agora, essas empresas têm acesso a um aplicativo específico, onde podem gerenciar de forma assertiva toda a atividade de entregas, editando a roteirização e tudo mais.
Todas as nossas ferramentas são proprietárias, desde a plataforma em si (como aplicativos), tanto os algoritmos que rodam por trás.
Como foi a pandemia para vocês? Quanto o e-commerce impulsionou os resultados da Shippify?
Desde o início da nossa operação, ano a ano, sempre tivemos um crescimento acelerado. Todo ano que passa, a gente multiplica a Shippify por algumas vezes. Ano passado, especificamente, a gente teve um crescimento de aproximadamente 400%.
Isso é resultado do forte crescimento do e-commerce em 2020, que foi totalmente atípico. Todo mundo se viu a fazer entregas on-line. Isso trouxe muitos clientes novos, ao passo que os antigos parceiros aumentaram o volume de vendas.
Por mais que estamos partindo de uma base forte, como foi o avanço do setor no ano passado, particularmente não acredito em desaceleração do e-commerce. Se formos olhar para China, Estados Unidos e Europa, o crescimento do comércio eletrônico é estável, mesmo já estando em um nível de penetração muito maior que o nosso.
Pessoas que antes não tinham acesso ou não conheciam esse mundo, se tornam consumidores frequentes. Isso está acontecendo aqui e também observamos que já aconteceu nesses outros países.
Em termos de negócio, essa suposta desaceleração não me preocupa. Até porque o nosso grande objetivo é trazer novos clientes, então por mais que um ou outro parceiro não tenha um resultado ótimo em determinado período, agregando novas empresas, esse risco é diluído e crescemos mais.
Qual é o acesso de vocês ao mercado de capitais? Existe alguma captação em curso?
Diferentemente das empresas que ficam constantemente levantando capital e gastando muito dinheiro para crescer, a gente sempre teve uma visão muito mais controlada do negócio. O foco sempre foi em atingir resultados positivos.
Não adianta a gente ficar queimando caixa o tempo inteiro sendo que o negócio não pára em pé. Nos preocupamos em deixar a empresa mais robusta, ter resultados financeiros positivos e, a partir disso, acelerar o crescimento. E estamos nesse momento.
Já faz alguns anos que a Shippify é sustentável, então estamos procurando investidores justamente para ampliar essa capacidade de operação, investir em tecnologia e fortalecer o negócio. Já acertamos a receita do bolo, agora estamos no próximo passo.
Estamos em meio a uma rodada série A, que pode movimentar de US$ 10 milhões a US$ 15 milhões. Isso deve fomentar ainda mais o crescimento e melhorar nosso valuation, o qual mensuramos internamente com nossas métricas.
Em resumo, qual é a dor que a Shippify soluciona?
Permitir que qualquer empresa integre nossa cadeia logística, que antes neste patamar era limitada a grandes varejistas. Pouco tempo atrás, apenas Amazon e Magazine Luiza (MGLU3) podiam fazer entregas em poucas horas.
Atualmente, nós trabalhamos tanto com esses grandes como os médios e pequenos, fornecendo serviços que eles não tinham formado internamente.
Estudos apontam que mais do que uma entrega rápida, mas sim uma entrega precisa, quando o cliente sabe em que momento irá receber a encomenda, aumenta o engajamento de recompra. Ele volta mais naquela loja.
Conosco, qualquer empresa pode fornecer essa experiência premium de entrega; seja de e-commerce ou a empresa de logística aos próprios clientes dela, com nossa tecnologia.
O nosso crescimento é observado em ambas as verticais: do last-mile, de entregas propriamente ditas, ou então de tecnologia, sem diferenciação.
Por termos começado a operar no Brasil, Chile e Equador quase ao mesmo tempo, criamos produtos que pudessem funcionar em cenários diferentes, para outros tipos de negócios. Isso sempre nos deu uma flexibilidade muito grande, de saber atuar com diferentes problemas.
Nesse sentido, qual é a complementaridade dencoertre essas geografias? Por outro lado, quais são as barreiras diferentes que vocês encontraram?
Primeiramente, e talvez o exemplo mais claro, seja o tamanho continental do Brasil. Diferentemente dos outros dois países, a atividade de entregas aqui precisa ser mais robusta, por isso passamos a operar com as entregas entre cidades.
No Chile e Equador, o mais movimentado fica nas capitais, então não precisamos nos preocupar tanto com o transporte entre regiões. Aqui, se fizéssemos igual, teríamos uma barreira muito grande, pois os maiores centros logísticos ficam mais distantes.
A ideia desses hubs logísticos e centros de separação nasceu aqui e estamos expandindo para os outros países, pois foi uma dor muito grande que encontramos e escolhemos solucionar. Tem funcionado muito bem.
Como vocês têm trabalhado a expansão das atividades?
Lá em 2016, nós atendíamos apenas Belo Horizonte, que foi de onde saímos, e São Paulo. Desde então, estamos crescendo em termos de regionalização ao longo do País, e a expectativa é terminar este ano atendendo 251 cidades nacionalmente, de 160 hoje. Já entregamos mais de 3 milhões de pacotes.
Queremos expandir nossos trabalhos mantendo a qualidade de serviço. A métrica que utilizamos chama-se SLA, que mede a porcentagem de entregas realizadas dentro do prazo prometido. Hoje, ele está em 99,3%. A meta é manter isso, no mínimo, entre 98% e 99%.
Qual é a ideia por trás desse objetivo?
O caminho são os hubs logísticos que estamos levantando. Os chamamos de armazéns inteligentes. O objetivo deles é justamente manter a entrega mais perto dos clientes, aumentando a escalabilidade da empresa como um todo.
Então, naturalmente, eles ficam em áreas urbanas, com rotas mais curtas para os entregadores. Hoje, nossos principais galpões estão em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. No interior de Minas, em Uberlândia, Divinópolis e Juiz de Fora.
Recentemente abrimos o primeiro no Nordeste, em Recife. Até o fim do ano a cada mês abriremos um galpão em uma grande cidade, ampliando o número de cidades atendidas em 30.
Como vocês olham o acirramento da competição no segmento e qual é o diferencial da Shippify?
Desde sempre, tanto no Brasil como em alguns outros países, empresas de e-commerce e varejo do comércio eletrônico procuram diluir o risco com parceiras. Com isso, dificilmente alguma operadora logística consegue chegar ao patamar de domínio do mercado.
Sempre existem duas, três ou quatro empresas são contratadas por grandes redes, tanto pela mitigação do risco como pela expertise diferente entre cada uma das entregadoras. Então, o que vemos nos grandes players é que sempre há espaço para crescimento em conjunto.
Nós, inclusive, não competimos diretamente com empresas mais novas que estão chegando ao mercado, de tecnologia propriamente dita. Nós estamos transformando o mercado junto com elas. Vejo que a nossa maior concorrência está nos mais tradicionais, que operam de forma eficiente há mais tempo.
O Correios é o maior exemplo. Nós conseguimos oferecer um serviço mais rápido e mais barato que a estatal.
Em termos de diferencial, acredito que seja nosso tempo de estrada. Estamos trabalhando há seis anos e isso já é mais do que muita gente que está entrando agora. Sabemos lidar com diferentes cenários. Temos know-how da amplitude do negócio.
Além disso, estamos navegando quase sozinhos no mercado logístico de softwares. Todo mundo quer fazer as entregas, enquanto a Shippify quer empoderar a indústria como um todo. Em resumo, queremos que o mercado cresça, e certamente iremos acompanhar.
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