O mercado acompanhou, na última quarta-feira (17), a elevação da taxa de juros básica da economia (Selic) em 0,75%, com a perspectiva de um aumento da mesma magnitude para as próximas reuniões. Naturalmente, a taxa de juros mais alta tende a beneficiar bancos e seguradoras, mas o aumento de valor pode ser expandido a outros setores.
Após a decisão do colegiado do Banco Central em elevar a Selic mais do que o mercado esperava, o ETF que replica a Bolsa brasileira nos Estados Unidos, EWZ, subiu no after-market. Os ganhos eram estendidos nesta manhã, mas o mercado à vista abriu em leve queda, com o Ibovespa contaminado com o mau humor estrangeiro.
A autoridade monetária brasileira não teve medo de elevar a taxa de juros após quase seis anos em um movimento de austeridade, com o intuito de controlar a inflação e amenizar o risco fiscal.
Para especialistas, a iniciativa, inclusive, tem por objetivo mandar um recado para os investidores: a situação está sob controle. Ao sinal de desancoragem da inflação, com juros reais negativos em um País com problemas estruturais como o Brasil, o domínio sobre a política monetária é de grande importância.
Para a Bolsa, especificamente, a mudança pode ser positiva por razões correlatas, mas a resposta está nas perspectivas de empresa a empresa.
O impacto do aumento da Selic nos fluxos de caixa
Quando o mercado se refere ao investimento em Bolsa, faz alusão a compra de ativos reais, ou seja, empresas que possuem ciclos de crescimento, maturação, rentabilidade e perpetuação.
Os agentes econômicos participantes do mercado, para fazer a avaliação das empresas e chegar a um valor intrínseco — que é diferente do preço das ações — traçam perspectivas de longo prazo com base na quantidade de dinheiro que essas companhias vão gerar. São os fluxos de caixa futuros.
Como esses fluxos a princípio são impalpáveis, os analistas do mercado descontam esses montantes de dinheiro a uma determinada taxa, com o intuito de trazê-los a valor presente. Na prática, é incluir na conta, hoje, os lucros possivelmente criados nos próximos anos, descontando o “custo de oportunidade” em apostar neles.
Quando o Copom altera o nível da Selic, ele o faz para os títulos de curto prazo, o que pouco importa para a avaliação das empresas. A curva de juros, que nada mais é do que a expectativa do mercado para o patamar da taxa de juros nos próximos anos, varia com base na atuação do BC hoje. A taxa utilizada para descontar os fluxos por vezes é a mais longa disponível, décadas à frente.
A taxa de juros para janeiro de 2027, por exemplo, chegou a ser negociada a 8,42% no início deste mês, patamar muito superior à Selic atual. A curva de juros brasileira é bem mais inclinada do que em outros países emergentes. No México, a taxa de curto prazo está em 4%, mas os títulos de 10 anos são negociados na casa dos 6%.
E por que isso pode ocorrer agora?
Dito isso, quanto maior a expectativa pelos juros no futuro, menor o valor das empresas hoje — e de forma simétrica, o inverso também é verdadeiro. Quanto menor a estimativa dos juros para os próximos anos, possivelmente maior será o valor das empresas atualmente.
Não só como uma ferramenta de política monetária, a elevação da Selic representa que o Banco Central quer mostrar ao mercado que ele não deixará a inflação sair do controle — mitigando as chances de vermos a Selic subir para dois dígitos como era até 2017.
Outras questões também influenciam a curva de juros, como o risco político e fiscal. A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial com pouca desidratação é um bom sinal. O avanço da pandemia, por outro lado, é negativo, pois demanda mais auxílio emergencial.
Portanto, para alguns especialistas, o aumento de 0,75 ponto percentual na taxa praticado pelo Copom na última quarta, deve elevar a parte curta da curva de juros, mas a tendência de alta do trecho longo da curva deve ser estancada — ou ao menos estabilizada.
Com isso, os bancos, corretoras, investidores institucionais e analistas podem traçar preços justos para as empresas em um maior patamar, o que possibilita maior segurança na compra dos ativos em Bolsa.
“Com a Selic mais baixa, as empresas têm maior capacidade de financiamento, mas nosso cenário demonstra que isso também faz com que o desconto nos fluxos de caixa seja grande”, diz o analista da corretora Guide, Henrique Esteter.
“A primeira mensagem passada pelo Copom é positiva. Vemos com bons olhos essa possibilidade de deixar a curva um pouco menos inclinada. O movimento negativo de hoje é pontual, muito pressionado por conta da disparada das Treasuries nos Estados Unidos. Mais para frente, devemos ver essa sensação de normalização dos juros.”
As beneficiadas e prejudicadas com juros mais altos
Não levando em consideração o processo de valuation das empresas, estruturalmente algumas companhias naturalmente se beneficiam com um movimento de alta da taxa de juros no País.
As instituições financeiras, que correspondem a quase 18% do Ibovespa, são diretamente beneficiadas por conta do potencial aumento do spread bancário. Ou seja, a diferença de custo de captação e empréstimos a clientes.
Com uma Selic em maior patamar, os bancos tendem a praticar uma taxa maior na concessão de crédito, mas o reajuste nos custos é mais lento. Os bancos foram alguns dos destaques do último pregão, encerrado em meio à expectativa pelo anúncio do Copom:
- Itaú (ITUB4): +3,90%
- Bradesco (BBDC4): +4,17%
- Santander (SANB11): +3,32%
- Banco do Brasil (BBAS3): +2,78%
Da mesma forma, as seguradoras também são beneficiadas. Uma das fontes de receita das empresas do setor são aplicações feitas no mercado financeiro.
A maior parte destes investimentos são em renda fixa com rendimentos atrelados à Selic, fazendo com que uma alta na taxa eleva a rentabilidade sobre o capital investido. A SulAmerica (SULA11), por exemplo, subiu quase 10% no pregão de ontem.
Por outro lado, companhias que tendem a ser prejudicadas com um ciclo de alta na taxa são sobretudo as que têm maior endividamento. Segmentos que operam com capital intensivo e precisam financiar seus projetos com dívidas são alguns desses. Empresas de setores como varejo, energia elétrica e locação de veículos tendem a ser as mais afetadas.
Vitor Miziera, responsável pela área de renda variável da Criteria Investimentos, acredita que não haverá uma reprecificação dos ativos, pois a mudança na Selic “já estava no preço”.
“No fim das contas, o destino deve ser o mesmo. Até o fim do ano, a Selic deve entrar na casa dos 5%, sendo que a divergência entre o mercado e o BC era apenas a velocidade com que isso aconteceria. Portanto, não acredito que a alta de ontem dá início a uma reclassificação dos preços das empresas.”
A agressividade do Banco Central em cortar os juros mais do que o esperado pelo mercado é positivo, na visão de Miziera, que lembra que essa foi a primeira decisão da autoridade monetária enquanto autônoma.
O especialista salienta que o movimento pode ser positivo, tanto para o ambiente macroeconômico brasileiro, como para a Bolsa. “Em períodos de alta dos juros, os juros futuros, a cotação do dólar e expectativa por inflação tendem a cair, assim como o apetite por ações. No entanto, nossa Bolsa é uma das mais baratas do mundo.”
Ele diz que o ciclo de alta da Selic pode fazer com que investidores estrageiros, além de buscarem maior yield em renda fixa, podem alocar recursos na Bolsa. “Talvez não vejamos um movimento de baixa no mercado acionário, comum em altas de juros, e ainda possamos observar um fluxo estrangeiro interessante.”