O ano era 2017, a taxa básica de juros (Selic) estava em 13% ao ano (a.a.) e o investidor brasileiro não tinha a preocupação de diversificar seus investimentos. Isso porque se o maior investidor do mundo, Warren Buffett, disse em seu livro que teve retorno médio de mais de 20% a.a. nas últimas cinco décadas, o brasileiro poderia até ficar satisfeito com o seu retorno no conforto da renda fixa.
Corta para 2021. A taxa Selic marca sua mínima histórica de 2% a.a, e o brasileiro é obrigado a buscar diversificação no mercado de renda variável. O número de pessoas físicas na bolsa de valores dispara.
Agora, diante da inflação cada vez mais alta, a Selic voltou a subir, e rápido. Na última reunião do Copom, a taxa básica de juros subiu 1 ponto porcentual de uma tacada só, para 5,25% ao ano, e o mercado espera que 2021 termine com a taxa de juros a 7,5% ao ano.
A grande dúvida que fica é: será que o brasileiro vai voltar correndo para a boa e velha renda fixa, ou a era da Selic baixa deixou como legado o aprendizado da diversificação?
Segundo os especialistas consultados pelo Suno Notícias, a escalada da Selic realmente acende a atratividade da renda fixa, mas o investidor brasileiro já começou a aprender a diversificar. Além disso, os juros reais (descontando a inflação) ainda são negativos, o que ainda desmotiva a migração para investimentos atrelados ao CDI. Confira nesta reportagem.
Mínima da Selic deixou aprendizados difíceis de esquecer
Acostumado com a mordomia de uma taxa em dois dígitos por muitos anos, o investidor brasileiro teve que se expor mais ao risco e correu para aprender a diversificar seus ativos. Um destes caminhos foi investir em ações.
Para se ter uma base de comparação, segundo os últimos dados da B3, o número de investidores saltou de 600 mil em 2017 para 3,8 milhões em 2021. Nesse período de cinco anos, o investidor foi do ‘céu ao inferno’ com a Selic.
Essa forte oscilação proporcionou o legado da diversificação, o que tem tornado o brasileiro mais maduro e consciente em suas escolhas de investimentos.
“O brasileiro viveu do céu ao inferno em cinco anos, juro máximo e o juro mínimo. Aí ele começou a olhar para Bolsa porque ele disse ‘ganhar 2% ao ano’, o que era até seis meses atrás, ‘não dá, não vai rolar’”, disse o assessor de investimentos da EQI, Elias Wiggers.
Principal legado da queda da taxa Selic é o aprendizado da diversificação
O brasileiro estava acostumado com o juro competindo com a renda variável. Além disso, a renda fixa ganhava da inflação, o que fazia com que o investidor não se preocupasse em diversificar seus investimentos.
Com a mudança do cenário, o investidor precisou ir atrás de uma educação financeira que lhe trouxesse conhecimentos sobre os diversos investimentos existentes.
O boom de conteúdo na internet e nas redes sociais ajudou neste processo, democratizando o acesso a informações sobre o mercado financeiro.
A saída da renda fixa nos últimos anos foi um movimento intenso. A Anbima divulgou que no ano de 2020 os fundos de renda fixa tiveram saques de R$ 41,2 bilhões. Já na contramão, os portfólios de ações e os multimercados atraíram R$ 69,4 bilhões e R$ 97,6 bilhões entre janeiro e dezembro, confirmando essa migração do investidor para ativos e carteiras com um pouco mais de risco.
“O que a gente vê nos números, nos fluxos, é que de fato foi tendo uma migração. A queda de juros fez com que as pessoas pensassem em diversificação”, analisou o CIO da Inter Asset, Marcelo Miranda de Mattos.
Selic volta a avançar, mas o legado do aprendizado não retrocede
Apesar da taxa ainda estar em um dígito, o que se observa agora é a movimentação para retomada da Selic que hoje já se encontra em 5,25% a.a. Desse modo, o mercado observa também o retorno de investimentos em renda fixa. Dados parciais da Anbima mostram que, no mês, até 18 de agosto, os fundos de renda fixa atraíram R$ 65,7 bilhões e, no ano, já acumulam ingressos de R$ 216,7 bilhões.
Embora haja essa retomada, os especialistas acreditam que os ensinamentos que a Selic baixa proporcionou ao investidor vão permanecer.
Segundo o PhD em Finanças e Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ, Carlos Heitor Campani, esse processo é natural, porque quando a rentabilidade da renda fixa aumenta, os ativos se tornam mais atrativos, mas grande parte dos investidores já entenderam que uma carteira bem diversificada é mais eficaz.
“É claro que você vai ter muitas pessoas que vão voltar integralmente a renda fixa, até porque o brasileiro para investimentos é muito avesso ao risco. Então isso é algo natural. Houve uma enxurrada de pessoas físicas entrando na bolsa e invariavelmente uma parcela dessas pessoas não vão fazer a guinada agora, não vão esquecer tudo que aprenderam e saírem completamente da renda variável”, explica.
Inflação alta tira a competitividade da renda fixa
Outro ponto chave é a inflação em alta, que tira a competitividade da renda fixa. Ou seja, os juros reais, descontada a inflação, ainda são negativos. Enquanto a Selic está em 5,25% ao ano, o IPCA está acumulado de 8,99% nos últimos doze meses, corroendo o valor do dinheiro.
Na década de 2010 era diferente, pois a renda fixa ganhava da inflação, o que fazia com que o investidor não se preocupasse em diversificar seus investimentos.
“O que vimos no passado era uma Selic muito alta, onde você tinha juros reais positivos e isso não existe mais. O investidor age racionalmente quando decide deixar o dinheiro na renda fixa porque não justifica ele tomar outros riscos”, sócio da Journey Capital, Rogê Rosolini.
Atualmente os juros estão negativos, pois o IPCA é maior que a Selic. A situação atual indica que a inflação que está muito alta e deve cair. A expectativa do mercado é que os juros fiquem positivos ou nulos no meio do ano que vem.
“Os juros reais devem ficar positivos no meio do ano que vem. A expectativa é de aumento da Selic no final deste ano, pois ainda estamos vivendo um semestre apertado, obviamente que depende mais da queda inflação do que a aceleração da curva de juros“, disse o sócio-fundador da Fatorial Investimentos, Jansen Costa.
Mas mesmo com os juros positivos, a perspectiva é que o legado da diversificação irá permanecer.
“O brasileiro aprendeu bastante, o principal aprendizado que os juros baixos trouxe para o investidor brasileiro foi que a Selic sozinha não é mais uma única alternativa de investimento. Então a gente chegou a um amadurecimento muito grande do investidor brasileiro, obviamente você ter aumento da taxa vai atrair recursos, mas ele [o investidor] não vai reverter todo esse avanço que teve nos últimos anos”, disse o sócio da Journey Capital, Rogê Rosolini.
O brasileiro está aprendendo a diversificar, mas ainda falta muito
Para os especialistas, a Selic baixa impulsionou a procura por estudos e a compreensão de novos e diversificados ativos, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Isso por três motivos:
- O brasileiro ainda vê a bolsa como cassino.
- Ele ainda não entendeu que diversificar é diferente de pulverizar .
- E ainda precisa aprender a diversificar geograficamente.
Na análise de Wiggers, o investidor ainda não possui a visão de investimento na bolsa a longo prazo, ele ainda a vê como uma oportunidade rápida de ficar rico.
“O investidor ainda olha a bolsa como cassino, como ficha negociável. Ele não olha a bolsa como um mercado onde tem empresas geridas por pessoas, vivendo de expectativas, ele ainda não tem a visão de bolsa de longo prazo e isso acaba atrapalhando um pouco na visão.”
Além de enxergar a bolsa como cassino, o brasileiro, segundo Mattos, ainda precisa entender o que de fato uma diversificação significa. Muitas das vezes o investidor tem quarenta ações, sendo que desses ativos 50% são correlacionados, ou seja, vão todas subir ou cair juntas. Portanto, é importante que o investidor aprenda que diversificar é diferente de pulverizar.
“Os investidores gerais têm que olhar em diferentes classes de ações, fundos, macro e fundos imobiliários, mas também em geografia. Geografia não é só Brasil e Estados Unidos”, disse o Mattos.
Historicamente, o investidor não tinha muito o porquê de investir no exterior, sendo que a situação interna, com a taxa alta, estava confortável. Mas a nova realidade exige um pouco mais de qualidade em sua diversificação, exige que ele olhe para além do mercado brasileiro e americano.
“Eu acho que o investidor no mundo inteiro investe mais em outros países do que o brasileiro. Acredito que esse é o próximo passo importante, que até os ruídos políticos agora tendem a reforçar. Essa diversificação geográfica diminui cada vez mais o risco e faz com que ele receba prêmios que tem das diferentes classes e tenha um portfólio mais perene no médio e longo prazo”, concluiu Russolini sobre o legado da Selic.