A renda fixa não morreu. Muito pelo contrário: com a alta da Selic em curso, o Brasil volta ‘ao normal’, favorecendo este tipo de investimento, segundo especialistas. Os títulos do Tesouro Direto voltaram à pauta dos investidores, mesmo aqueles adeptos à renda variável. O motivo é simples: o custo de oportunidade de ficar de fora deste investimento é alto.
A deterioração das expectativas pela inflação e aumento da percepção de risco fiscal no Brasil fazem com que o Banco Central (BC) tenha de controlar o cenário doméstico. A principal ferramenta de política monetária é a taxa básica de juros da economia (Selic), influenciando toda a renda fixa.
Seja no próprio Tesouro Selic, no Tesouro IPCA+ ou então nos títulos prefixados, os investidores encontram oportunidades para alocar seus recursos e aproveitar a retomada da atratividade da classe de investimento.
Mesmo com volatilidade, sobretudo nos títulos de longuíssimo prazo, o mercado tem observado bons prêmios sendo oferecidos.
Títulos do Tesouro Direto: onde investir?
Desde o começo do ano, quase todos os prefixados e indexados à inflação reportam retornos negativos em suas cotas. Não tem segredo: quando há uma subida das taxas de juros (ou ao menos a expectativa disso), os preços dos títulos caem, com a relação inversa.
A curva de juros reage à política monetária. Hoje, o DI negociado para janeiro de 2023 está na casa de 11,65% — 50% acima do atual patamar da Selic, que está em 7,75%.
“Essa irresponsabilidade fiscal acaba piorando a situação dos juros, fazendo com que os investidores peçam mais prêmio para emprestar dinheiro para o governo”, comenta Vinicius Romano, especialista de renda fixa da Suno Research.
Veja alguns dos títulos que mais tiveram seus preços nominais prejudicados no acumulado de 2021, até o dia 27 de outubro:
TÍTULO | RENTABILIDADE EM 2021 |
PREFIXADO 2025 | -12,64% |
PREFIXADO 2026 | -15,90% |
IPCA+ 2045 | -32,45% |
NTN-B 2055 | -16,77% |
Então, como pensar em investimento em renda fixa, sobretudo voltado ao Tesouro Direto? Existem algumas possibilidades.
Segundo Romano, para reserva de emergência, o Tesouro Selic continua sendo o mais recomendado. Segundo ele, mesmo com toda a aversão ao fiscal brasileiro, aumento de gastos públicos e tensão política, o governo será o último a dar calote.
“Não tem como assumir que um banco, mesmo que seja o Itaú (ITUB4), seja mais seguro que o governo, independente do que os políticos fizerem.”
Ano passado, alguns investidores ficaram preocupados ao verem que o Tesouro Selic estava com rentabilidade negativa. À época, a Selic estava a 2%, patamar considerado baixo pelos agentes do mercado.
Com isso, o Tesouro não conseguia vender os títulos nos leilões, o que causou uma marcação a mercado. Isto é, o preço das cotas caiu, fazendo com que a rentabilidade acional à Selic fosse maior. Isso gerou interesse e se ajustou. “Não deve acontecer novamente”, diz Romano.
A renda fixa que não é fixa
Porém, a baixa volatilidade do Tesouro Selic não se aplica aos demais títulos. A renda fixa é fixa somente para quem segura os papéis até o vencimento acordado no momento da compra. Até lá, o caminho reserva bastante volatilidade.
De acordo com o especialista da Suno Research, para ficar completamente imune à volatilidade e à marcação a mercado negativa dos títulos não pós-fixados, o investidor deve ficar de fora.
“Nas últimas semanas, estamos vendo uma abertura muito grande na curva de juros, o que tem feito muita gente perder dinheiro no curto prazo com essas aplicações”, cita.
O Tesouro IPCA+ é ideal para os investidores que procuram proteger seu capital da inflação. Ele mantém o poder de compra, sempre adicionando uma rentabilidade extra. Enquanto os Prefixados são ideais para quem quer ter sob controle quanto ganhará por ano já no início do investimento (caso, claro, mantenha os títulos até o vencimento).
Uma saída, afim de minimizar essa volatilidade, é comprar títulos mais curtos. “Uma NTN-B de 2030 tem muito menos variação que um papel de 2050, por exemplo.”
Quanto mais longe o horizonte de retorno do investimento, mais incerteza está embutida. Com isso, os investidores pedem mais prêmio para títulos mais longos, uma vez que a volatilidade — em razão dessa imprecisão — também será maior.
Por outro lado, Vitor Miziara, sócio da Criteria Investimentos, considera que quem comprar os títulos não pós-fixados agora e conseguir levar até o vencimento, estará fazendo um bom negócio.
“A renda fixa voltou a ficar muito atrativa”, diz o especialista, dizendo que a rentabilidade “sonhada” de todo brasileiro, os 12% por ano — sem risco –, hoje é muito mais factível.
Custo de oportunidade em deixar a renda fixa de lado
De acordo com Miziara, o custo de oportunidade de deixar de investir em juros no Brasil, para fazer qualquer outra alocação, ficou muito alto.
“Saindo um pouco do Tesouro Direto, alguns papéis de instituições privadas já prometem 13% em três anos em taxas pré-fixadas. Isso é um prêmio de 67%, sobre a atual Selic, já no primeiro ano.”
O Brasil voltou ao normal, disse Miziara. “Juro alto e inflação em alta” pressionam a renda fixa para cima e, como todo e qualquer classe de ativos, pode fazer parte das carteiras do investidor. E isso não tem data para acabar.
Segundo o Boletim Focus divulgado na última segunda-feira (25), a taxa Selic média esperada para o ano que vem é de 9,50% ao ano.
Juros: o produto que o Brasil mais exporta
Mesmo com o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil, que levou o número de investidores na B3 ultrapassar a marca de quatro milhões, a renda fixa faz parte das raízes do Brasil.
Depois de dezembro de 1997, o Brasil passou a ter a Selic em dois dígitos apenas em junho de 2009 (9,25%), com a economia ainda surfando o boom das commodities daquela década.
No ano seguinte, a taxa de juros subiu novamente. Voltou a ficar em patamares menores do que a média histórica novamente somente em 2013 — momentos antes do início da recessão econômica do governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
“O Brasil voltou a exportar o seu maior produto: juros”, diz Miziara.
Com isso, o mercado esperava que a taxa de juros em ciclo de alta pudesse elevar a oferta de dólares dentro das fronteiras brasileiras. Não é o observado até agora.
“O dólar continua forte contra a nossa moeda por razões que mexem no mercado internacional como um todo, como a perspectiva de enxugamento da liquidez global e aumento da taxa de juros nos Estados Unidos“, acrescenta.
O dólar é um dos componentes que influenciam a inflação local, em itens como combustível e commodities agrícolas. A inflação em alta, por sua vez, força um aperto monetário — com mais juros. Enquanto a Selic sobe, o medo é pela estagflação.
Apesar da volta da renda fixa, cada investidor deve se atentar e acompanhar sua estratégia, respeitando o suitability traçado. Uma carteira balanceada tem lugar para todo mundo.
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