O pedido de recuperação judicial da Light (LIGT3), com dívida de R$ 11 bilhões, gera impacto não só aos credores, que vão receber os valores apenas depois da aprovação do plano de pagamentos, mas também pode ter impacto negativo para o setor de energia elétrica.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, a recuperação judicial da Light não terá impacto para os consumidores e os fornecedores do setor de energia. O processo, porém, é arriscado do ponto de vista jurídico.
O art. 18 da Lei 12.767/12 proíbe as concessionárias de serviço público de se valerem dos benefícios da Lei de Recuperação Judicial e Falências. Pedro Almeida, do GVM Advogados, diz que o caso da Light é particular no judiciário brasileiro por recorrer a uma manobra jurídica.
“O pedido propõe uma verdadeira inovação na ordem jurídica. A legislação brasileira veda, expressamente, a recuperação judicial para concessionárias de serviços públicos, assim como o faz para instituições financeiras, seguradoras e operadoras de plano de saúde. Para contornar a vedação legal, o Grupo Light requereu que a recuperação judicial seja deferida apenas com relação à controladora Light S/A, holding do grupo, com a ‘mera’ extensão dos efeitos da recuperação judicial às concessionárias de energia”, diz Almeida.
A Light argumentou que a necessidade da recuperação judicial envolvia não só a manutenção dos pagamentos aos credores, ainda que com deságio, mas também o fornecimento de energia elétrica à população. Almeida avalia que, se autorizada, a recuperação da Light abre um precedente perigoso para que outras empresas impedidas de acionar o mecanismo façam o mesmo, como outras concessionárias de energia.
Renato Leopoldo e Silva, do escritório DSA Advogados, afirma que o caso é diferente não só por envolver um serviço de infraestrutura de iluminação, mas também pela razão do endividamento.
“A Light teve mais problemas de infraestrutura e operacionais em relação a furtos de cabos e energia. É um fundamento diferenciado para o pedido de recuperação judicial por não ser atrelado à alta da taxa de juros, que levou muitas empresas à inadimplência devido ao aumento do endividamento. Apesar de essa não ser a causa direta do pedido de recuperação da Light, é a razão indireta devido à dificuldade de acessar crédito nesse contexto de mercado”, diz.
Para Eduardo Pellaro, coordenador do núcleo cível estratégico do Nelson Wilians Advogados, o pedido de recuperação da holding da Light não é uma surpresa para o mercado, pois o pedido cautelar para suspensão da exigibilidade das cobranças contra a empresa foi feito há cerca de um mês. Diante da incapacidade de pagamento das contas, a história de recuperação da Light ainda pode ter novos capítulos.
“Os pontos levantados no processo pela Light certamente refletirão na renovação ou não da concessão do fornecimento de energia elétrica, considerando que a concessão se encerra em 2026. A companhia informou que não há possibilidade de devolução da concessão antes desse prazo. Entretanto, de igual modo, afirmou há menos de dois meses que tampouco entraria em recuperação judicial”, afirma Pellaro.
Procurados, associações do setor de energia, escritórios de advogacia e credores da Light não se pronunciaram.
Recuperação judicial da Light é a 8ª maior da história
A recuperação judicial da Light S/A, se aprovada pela Justiça, será a oitava maior da história no País. O valor da dívida da holding que controla a concessionária Light é de R$ 11 bilhões, o que coloca o caso logo atrás da recuperação judicial da OGX, de R$ 12,3 bilhões, sem correção monetária a valor presente.
A Light S/A argumenta que a incapacidade de pagar as contas está ligada a um problema de segurança pública no Rio de Janeiro, e não diretamente à incapacidade de renegociar dívidas.
“Esse é um pedido de recuperação bem atípico porque aponta o Estado como o problema. Dizem que, no Rio, já há muitos casos de roubo de cabos e de energia”, afirma Marcello Marin, da Spot Finanças.
Fontes ouvidas pelo Estadão disseram que o caso da Light pode contar com auxílio do governo para garantir a iluminação no Estado do Rio, mas que a tendência de empresas enfrentando problemas em manter as contas em dia vai continuar neste ano.
“Ter mais uma recuperação judicial grande é mais um alerta de que temos um problema na economia”, diz Renato Leopoldo e Silva, especialista em contencioso empresarial na DSA Advogados.
Confira, a seguir, os dez maiores pedidos de recuperação judicial do País, em valor de dívida.
- Odebrecht: R$ 80 bilhões
- Oi: R$ 65 bilhões (encerrada em 2022)
- Samarco: R$ 55 bilhões
- Oi: R$ 43,7 bilhões (2º pedido)
- Americanas: R$ 43 bilhões
- Sete Brasil: R$ 19 bilhões
- OGX: R$ 12,3 bilhões
- OAS: R$ 11 bilhões
- Grupo João Santos: R$ 11 bilhões
- Light: R$ 11 bilhões
Em termos de valores, a maior recuperação judicial do Brasil é a da Odebrecht, que iniciou o processo com dívidas de R$ 80 bilhões. A segunda maior é da Oi, recentemente finalizada, de R$ 65 bilhões. A terceira é a da Samarco, de R$ 55 bilhões. Em 2023, Americanas e Oi deram início a processos de cifras bilionários no País. A Light fecha as 10 primeiras posições.
(Com informações de Estadão Conteúdo)