Pedidos de recuperação judicial marcam 2023. O que esperar do próximo ano?

A trajetória de algumas empresas brasileiras em 2023 ficou marcada pelo termo ‘recuperação judicial’. Isso gerou impactos expressivos em toda a economia, já penalizada pelo aumento nas taxas de juros, e colocou em dúvida o futuro de companhias, sobretudo de médio e pequeno porte no Brasil. 

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Segundo dados da Serasa Experian divulgados pelo jornal Valor Econômico, cerca de 40% de todos os pedidos de recuperação judicial no Brasil foram registrados entre julho e setembro – só neste mês em específico, foram 136, alta de 94,3% na comparação com o mesmo período do ano passado. Ao todo, em nove meses de 2023, foram 966 pedidos – em todo o ano de 2022, foram 833 solicitações.

Um dos processos mais recentes foi a da 123milhas, que na semana passada recebeu uma determinação da Justiça de Minas Gerais para a retomada do processo de recuperação judicial, suspenso em setembro até que fosse apresentado o resultado da constatação prévia pelos peritos.

Integram essa lista casos de empresas como Americanas (AMER3), Light (LIGT3), Oi (OIBR3) e Grupo Petrópolis, que ainda aguardam novidades sobre seus pedidos de recuperação judicial.

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No geral, um pedido de recuperação judicial de uma grande empresa pode prejudicar ou até mesmo inviabilizar a operação de empresas menores – estas, segundo Gustavo Mizrahi, sócio do escritório Vieites Mizrahi Rei Advogados, dependem de companhias maiores para a comercialização de seus produtos ou têm grandes empresas como relevantes fornecedores, produtores ou clientes.

No caso da Americanas, as dívidas com as micro, pequenas e médias empresas que eram fornecedoras de produtos ou serviços, logo após a descoberta de inconsistências contábeis da companhia em janeiro, somavam pelo menos R$ 1 bilhão. A varejista logo entraria em recuperação judicial.

“Vale ressaltar, contudo, que a recuperação judicial é um instrumento que busca evitar a quebra da empresa, algo que seria muito pior em termos econômicos e para as empresas dela dependentes”, pontua Mizrahi.

Na visão de Alessandra Palma, advogada e sócia de serviços da Bissolatti Advogados, quando grandes empresas entram com pedidos de recuperação judicial, as menores podem ser afetadas diretamente no aumento do custo de tomada de crédito.

“Isso ocorre em razão da inadimplência das sociedades de grande porte, ou mesmo indiretamente por decorrência da redução do poder de venda/compra dos setores vinculados às empresas que se encontram em recuperação judicial – seja por encerramento de parcerias comerciais, inadimplência fiscal ou mesmo por corte direto de funcionários, o que acaba por reduzir também o poder de compra geral”, destaca.

Rafael Rebola, sócio da RVF Advogados, lista outros fatores que podem prejudicar empresas de pequeno porte, como redução de receita e da confiança no mercado. Ele exemplifica o pedido de recuperação judicial da Maxmilhas, ocorrido em outubro.

A companhia foi incluída no processo de recuperação judicial da 123milhas, ocorrido um pouco antes, e foi fruto, principalmente, dos efeitos no mercado de agências de turismo online decorrentes da reestruturação da empresa mineira.

Quais fatores levaram as empresas a entrarem com pedido de recuperação judicial este ano?

De modo geral, as empresas que entraram com pedido de recuperação judicial este ano conjugam alguns fatores centrais para o descumprimento das obrigações financeiras e a dificuldade de acesso a crédito, como crise econômica decorrente da pandemia da Covid-19, além da desaceleração da economia em virtude da alta de juros.

Sérvulo Mendonça, presidente do conselho de administração da SM Holding, diz que o fato de empresas entrarem com pedidos de recuperação judicial não é necessariamente uma novidade, mas, quando uma modelagem de alto padrão se satisfaz desse arranjo legal, fatalmente se cria um conceito no mercado e outras empresas acabam enxergando “soluções de problemas” e grandes perspectivas com o uso desse mecanismo.

“Sobre a economia desacelerar, precisamos entender que a roda gira mais ou menos forte, a depender de inúmeros fatores não só políticos. Até mesmo fatores do clima podem impactar a economia”, avalia.

Neste sentido, a recuperação judicial não é um ‘instrumento pré-falimentar’, mas apenas uma ferramenta jurídica que viabiliza a manutenção de atividades economicamente rentáveis durante o período de ‘renegociação de dívidas’, diz Alessandra Palma, da Bissolati Advogados. 

“No pedido de recuperação judicial da Light, concessionária de fornecimento de energia elétrica de diversas cidades do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, foi citado que uma das causas determinantes para o declínio financeiro da empresa era a prática de furto de energia”, lembra Mizrahi.

Qual a expectativa para empresas que ainda enfrentam recuperação judicial? 

Vale lembrar que, além da Americanas e Light, outras empresas ainda aguardam respostas sobre seus pedidos de recuperação judicial, como a Oi (OIBR3) e o Grupo Petrópolis. Na visão de Rebola, da RVF Advogados, o cenário do ano que vem ainda é incerto, com perspectivas de que os bancos centrais, inclusive o brasileiro, promovam cortes nas taxas de juros, o que poderia impulsionar o mercado. 

“Contudo, o cenário fiscal nacional e o aumento expressivo dos gastos públicos ainda causam insegurança às empresas e aos consumidores, que vêm diminuindo despesas”, aponta.

Já para Alessandra Palma, da Bissolati Advogados, a recuperação judicial tem se mostrado um meio efetivo de renegociação e manutenção de atividade empresarial, e cada vez mais o judiciário e os agentes econômicos vêm se especializando para dar estrutura efetiva ao procedimento. 

Quais setores podem ser impactados com possíveis pedidos de recuperação judicial no futuro?

Segundo Rafael Rebola, da RVF Advogados, setores como o de serviços, varejo e entretenimento podem ser impactados com possíveis pedidos de recuperação judicial em 2024. “No caso do setor de serviços, isso pode ocorrer pelo fato de muitos dos negócios possuírem parte de sua receita decorrente de grandes empresas; Assim, um eventual pedido de recuperação judicial pode comprometer severamente a sua saúde financeira”, diz.

Já em relação ao setor de varejo, o sócio da RVF Advogados afirma que por ser um segmento altamente competitivo, pode sofrer com o impacto financeiro em escala da recuperação judicial de uma grande empresa, sobretudo por uma queda no poder de compra dos consumidores. “Além disso, o consumidor vem preferindo compras online, em vez de lojas físicas”, pontua.

Por fim, sobre o setor de entretenimento, Rafael atribuiu ao fato de que com a redução do poder de compra, as pessoas tendem a reduzir despesas e, em primeiro lugar, cortar gastos que consideram supérfluos. “Desta forma, o mercado do entretenimento pode sofrer perda considerável no ano que vem”, finaliza o sócio sobre setores que podem ser impactados com pedidos de recuperação judicial.

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Giovanni Porfírio Jacomino

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