Recuo do dólar era esperado, mas riscos internos pressionam cotação

Desde que o ciclo de aumento da taxa de juros do Brasil começou, em março, o mercado espera um enfraquecimento do dólar frente ao real.

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Nos últimos dias, vimos esse arrefecimento em escala global, com pares emergentes, como o rand sul-africano e a lira turca, valorizando e o dólar caindo.  

Quando o presidente do Fed, Jerome Powell, discursou no Simpósio de Jackson Hole, em 27 de agosto, e declarou que não haverá aumento dos juros no curto prazo nos Estados Unidos, a moeda do país viu seu valor diminuir mundo afora. Inclusive no Brasil. 

Mas a queda da moeda norte-americana não foi consistente por aqui. Não chegou nem perto da sua mínima do ano frente ao real, que é de R$ 4,8929, alcançada em junho.  

Isso porque, se por um lado a economia dos Estados Unidos enfrenta desafios que fazem o dólar perder valor, por outro, a economia e a política do Brasil também estão instáveis e não permitem que o real cresça. 

Fraqueza do dólar no exterior 

As dúvidas do mercado internacional sobre quando o Federal Reserve deve começar a retirar seus estímulos da economia e aumentar a taxa de juros do país prejudicaram o dólar na última semana. 

Investidores passaram a olhar para os indicadores econômicos do país em busca de sinais do que o BC dos EUA estaria vendo. Um desses indicadores foi o relatório da ADP sobre as contratações do setor privado em agosto. Os números são considerados uma prévia do relatório do mercado de trabalho americano: o payroll.

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Os dados da ADP mostraram que foram criados 374 mil empregos no setor privado dos EUA, enquanto economistas previam 613 mil novos postos de trabalho. Com isso, os olhos voltaram para o payroll, que sairia dois dias depois, para confirmar a desaceleração do setor. 

Na sexta-feira (3), os dados do Departamento de Trabalho foram ainda piores: 235 mil novos empregos nos EUA, enquanto especialistas previam 750 mil. Hoje o dólar arrefeceu e fechou cotado a R$ 5,1845 (+0,03%). Na semana, o dólar acumula leve queda, de 0,21%.

Com o payroll, a perspectiva de retirada de estímulos do Fed foi para longe, a subida dos juros então, em 2022, é incerta, remota. O banco central americano tem metas de pleno emprego antes de mudar a política monetária dos Estados Unidos, estabelecida na pandemia. 

Esse cenário de prolongamento dos juros próximos de zero é ponto para o real. Outras moedas emergentes também ganham com a situação. 

Do outro lado: riscos internos agravados  

Com a Selic em 5,25%, a moeda brasileira poderia se valorizar muito mais. Mas questões internas impedem esse aumento do câmbio. 

Vanessa Blum, diretora e economista-chefe da Getmoney, destaca algumas das principais questões que estão no radar dos investidores nacionais e estrangeiros: 

  • crise hídrica, que acelera a inflação e compromete o crescimento econômico; 
  • PEC dos precatórios, considerada uma ameaça de calote por alguns economistas; 
  • novo Bolsa Família, coloca em risco a manutenção do teto de gastos
  • queda do PIB, desaceleração no segundo trimestre é negativa para o país; 
  • eleições de 2022

E no curto prazo, teve a reforma do IR, aprovada na Câmara. 

“São muitas notícias com potencial negativo. Quando o cenário político fica calmo, conseguimos operar em cima de fundamentos. Quando as tensões se agravam, isso influencia na desvalorização do real, pois o risco-país sobe”, diz Blum.

E é o risco-país que segura a queda do dólar frente ao real. 

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Compra ou vende dólar?

O Valor Econômico divulgou no final de agosto dados da B3 (B3SA3) sobre a posição dos investidores no mercado futuro de câmbio, minidólar e DDI durante o mês. 

Os números mostram que os investidores locais reduziram em US$ 5,9 bilhões suas posições vendidas na moeda. No mesmo período, os estrangeiros fizeram o caminho oposto – reduziram em US$ 1,3 bilhão a posição comprada

Isso mostra como os investidores internos acreditam muito mais no aumento do dólar do que os estrangeiros. 

Blum argumenta que no médio prazo a situação deve continuar a mesma, mesmo depois da próxima reunião do Copom, em 22 de setembro. “A Selic pode subir mais do que os 1% sinalizados na última reunião, em vista da crise hídrica. Com isso, o real se valoriza também, mas não deve durar”, diz Blum. 

Blum acredita que muitas movimentações na Câmara e no Senado indicam que as movimentações eleitorais começaram e o mercado vai ficar de olho. Mas isso dá espaço para mais instabilidade político-econômica. 

“As manifestações de 7 de setembro estão aí e elas são mais um fator de insegurança no cenário político que reflete no econômico. E tudo isso deve se prolongar pelos próximos meses”, diz. 

Projeções para o final de 2021

O último Boletim Focus, divulgado no dia 30, mostrou aumento na previsão para o dólar neste ano, mas estabilidade na estimativa para o ano que vem. 

A mediana das expectativas para o câmbio foi de R$ 5,15 para 2021. Para 2022, a projeção para o dólar permaneceu em R$ 5,20, mesmo valor de quatro pesquisas atrás.

“Com o cenário local que temos, acho que não tem muito para onde fugir em relação à expectativa do dólar”, diz Blum, que acredita na volatilidade intensa da moeda nos próximos meses, sem apostar em qualquer alta ou baixa.

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Monique Lima

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