O que acontece se a Receita Federal acabar com isenções de Fundos Imobiliários?
A Receita Federal está cada vez mais atenta aos fundos imobiliários (FIIs). Apesar da modalidade de investimento existir há cerca de 30 anos, sua popularização é recente. De acordo com os dados da B3 (B3SA3), de dezembro de 2018 a janeiro de 2022, o número de investidores nessa classe de ativos subiu aproximadamente 660%.
Essa popularidade não gera apenas atenção da Receita Federal. A indústria dos FIIs como um todo ganha relevância e atenção por parte de diversos órgãos, entidades, empresas e também de investidores.
Por estar em alta, os FIIs ficam no radar também da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Por ser uma indústria ainda nova, tem muita coisa que precisa melhorar, tanto em termos de normas, leis, regras, padronizações. Muito da história pode ter passado batido e precisa ser revisado”, afirma Marcos Correa, especialista em Fundos Imobiliários da Suno Research.
Desta forma, aumenta o número de casos em que a Receita acredita que determinados fundos devem pagar tributos como empresas – ou quando o órgão regulatório entende que as regras não estão sendo aplicadas corretamente.
Atualmente, há alguns fundos que foram notificados e estão passando por investigações por parte da Receita e da CVM. “Muitas vezes esses casos podem acabar recebendo atenção do órgão regulador – qualquer que seja – por uma indicação, por um relato, uma denúncia, e aí o órgão vai investigar”, diz Marcos.
O especialista em fundos imobiliários lembra que perder o benefício sobre bens tributários, além de isenções, é muito raro de ocorrer. Mas não impossível. Fundos como Centro Têxtil Internacional (CTXT11) foram notificados, assim como o Parque Dom Pedro Shopping Center (PQDP11) e Grand Plaza Shopping (ABCP11). Correa ressalta que esses são FIIs mais antigos, cuja criação precede determinadas leis e normas.
Situação de “cotista conflitado” em fundos imobiliários
Um tipo de situação que pode levar um FII a perder suas isenções e benefícios tributários é no caso de “cotista conflitado”.
Se um cotista com mais de 25% de um fundo, por exemplo, tiver feito parte da construção do imóvel – como construtor, incorporador, ou até ter realizado uma grande reforma –, o fundo perde sua classificação como tal e pode ser tributado como uma companhia, considerando imposto de renda, contribuição social sobre lucro líquido e pagamento de PIS e Cofins, por exemplo.
Porém, um investidor com mais de 25% das cotas que não tenha participado da construção do empreendimento não se enquadra na situação. Marcos Correa afirma que isso vai acontecer em fundos monoativos, ou seja, aqueles que investem em um único ativo. Majoritariamente, são mais antigos, “meio que resquícios do passado que, agora que a indústria ganhou mais atenção, pode ser que sejam revisados, se constatado um problema ali”, disse.
O especialista reforça ainda que só porque um fundo foi notificado e investigado não significa necessariamente que algo está errado.
Por exemplo, o caso do FII CTXT11: a Receita Federal afirma que a carteira deve ser tributada como pessoa jurídica por quebrar essa regra, e o pagamento de tributos e multas alcançaria algo próximo de R$ 25 milhões. Esse montante representa cerca de 21% do patrimônio líquido do fundo. Os administradores afirmam que não há irregularidades e o processo não foi concluído.
“Tem o problema de falta de detalhe nesta lei”, diz Marcos. A Lei nº 9.779/99 não especifica se o cotista que não pode ter os 25% ou mais, se precisa ser o construtor direto, ou se é um atrelado à construtora, ou qualquer tipo de ligação. Isso quer dizer que o nível de envolvimento na construção ou empreendimento para ter esses 25% ou mais como regra não foi bem detalhado.
Marcos Correa destaca que esse tipo de irregularidade não é facilmente detectável, mas que precisa ser investigado para entender se é realmente algo fora da lei ou norma dos fundos imobiliários ou não. “Isso leva um pouco mais de trabalho. Já houve meses que a gente não teve novidade nenhuma sobre os casos que aconteceram”, disse.
E se um FII perde a característica de fundo?
Simples: todas as isenções são perdidas, como PIS, Cofins e Imposto de Renda. “Então, se por acaso for julgado que de fato o fundo está fora das regras necessárias para ter as isenções, então agora você vai passar a pagar esses impostos, incluindo retroativos”, explica Marcos, lembrando o que pode acontecer com o CTXT11.
As consequências são graves tanto para os administradores do FII quando para os cotistas.
Se um fundo é tratado como empresa e fica sem os incentivos, os cotistas ou potenciais investidores não vão nem se interessar pelo fundo, ou pensar muito mais antes de investir nele. “Um dos grandes atrativos dos fundos imobiliários são justamente os benefícios e isenções, é uma forma de investir em imóveis com uma série de benefícios tributários e, também, a isenção de tributação dos rendimentos, então acabaria afastando muitos investidores e cotistas”, afirma o especialista.
No ano passado, com a reforma tributária, estava sendo revisto o ponto de não tributação sobre os rendimentos dos FIIs. Nesse caso, Correa pontua que a princípio seria muito negativo para as cotações dos fundos, além do yield dos FIIs. “Mas há potencialmente um ajuste da parte do mercado. Então as cotações devem cair para um patamar onde o dividend yield proporcional se mantenha num patamar atrativo”, diz.
Ou seja, mesmo com uma queda generalizada de cotações, e o mercado com uma perspectiva mais demorada para crescer, eventualmente seria atingida uma estabilidade e voltaria a crescer, uma vez que os fundos imobiliários não dependem da isenção do Imposto de Renda do cotista para funcionar ou ser um bom investimento. “É algo a mais, é algo que melhora, que deixa mais atrativo, mas, se retirar isso, o produto em si como veículo de investimento em imóveis ainda é muito eficiente, muito relevante”, destaca.