Diante de todas as incertezas que beiram o mercado financeiro, o ano de 2023 será muito desafiador para os investidores da Bolsa brasileira. Para conseguir driblar as nuances que permeiam as ações do Ibovespa, é preciso utilizar de estratégias e beneficiar-se de setores da Bolsa que não são tão impactados com a alta da inflação e com o cenário político.
Vitorio Galindo, head de análise fundamentalista da Quantzed, avaliou que este ano será bem parecido com o ano anterior e destacou que os setores mais arriscados da Bolsa de Valores para investir em 2023 são varejo, construção civil, bancos e tecnologia. Galindo acrescentou que os demais setores mais expostos ao mercado interno, aos juros e à inflação devem sofrer mais para performar neste ano.
“No varejo, a gente já está vendo várias empresas sofrendo com alta de juros. A competição no setor é bem acirrada e é prejudicial para os negócios, é prejudicial para o operacional, e é difícil gerar caixa com a taxa de juros no patamar atual para essas empresas”, disse em entrevista à Suno Notícias.
Para João Lucas Tonello, CNPI e analista da Benndorf Research, o setor que os investidores deveriam ficar de fora neste ano é justamente o de e-commerce. “Apesar de ainda esperarmos crescimento estrutural para o longo prazo, dado a tendência secular e a baixa penetração do e-commerce ante as vendas do varejo, vemos as empresas do setor atuando em um ambiente competitivo muito agressivo, necessitando fazer promoções e baixar margens para manter o market share”, ressaltou.
Tonello completou a análise dizendo que o cenário macroeconômico de alta taxas de juros, maior custo de financiamento e menor renda disponível também é bastante adverso para bens de consumo não discricionários.
O setor de construção civil também sofre com a alta dos juros. Galindo explicou que, em sua visão, diminuiu a atratividade e, em consequência, também caiu o número de financiamentos, além do custo desses deles para o consumidor final.
Bancos
Já para os bancos, Galindo pontuou que entra o caso do aumento da inadimplência. “A gente já viu nos resultados do Bradesco (BBDC4), Santander (SANB11) e outros bancos a inadimplência subindo bastante”, afirmou. Mas não só.
No último dia 9, o Bradesco (BBDC4) reportou seus resultados do quarto trimestre de 2022. Entre os principais destaques, o banco obteve um lucro líquido recorrente de R$ 1,59 bilhões, queda de 75% frente ao mesmo período do ano anterior. No acumulado do ano, foram R$ 20,7 bilhões, recuo de 21,1%.
O lucro líquido do 4T22 do Bradesco veio 61% abaixo do estimado pelos analistas ouvidos pelo Broadcast, do Grupo Estado.
O Bradesco, assim como seu concorrente Itaú (ITUB4), provisionou em 100% sua exposição à Americanas (AMER3), um total de R$ 4,9 bilhões, impactando fortemente seu resultado.
Em dezembro, a carteira de crédito do Bradesco estava em R$ 891,933 bilhões, um aumento de 9,8% em relação ao terceiro trimestre do ano passado, e alta de 1,5% na comparação com o período de três meses encerrado em setembro.
O patrimônio líquido do Bradesco era de R$ 154,263 bilhões em dezembro, variação positiva de 4,9% em 12 meses, mas queda de 1,7% em três. Com isso, o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE, na sigla em inglês) do banco fechou o período em 3,9%, baixa de 13,6 pontos porcentuais em um ano, e de 9,1 pontos em três meses.
Em análises sobre os números do banco privado, especialistas de mercado descrevem o resultado como “manchados em tinta vermelha” e “ruim até para pessimistas”. Na primeira descrição, há uma clara associação com o aumento do provisionamento, que muito provavelmente está associado à Americanas (AMER3).
“Vemos os resultados do 4T22 do Bradesco como fracos em grande parte devido à considerável provisão relacionada a um evento subsequente (provavelmente o caso da Americanas), que arrastou seu lucro líquido para R$ 1,6 bilhão (62% abaixo de nossa projeção) , implicando um ROAE de 3,9% no quarto trimestre. Além disso, sua inadimplência continuou crescendo e pressionando seus resultados trimestrais“, dizem os analistas da XP Investimentos, os que citaram a “mancha vermelha”.
O único fator positivo, segundo a casa, é de que isso já está 100% provisionado e ‘limpa’ o balanço do banco para o ano de 2023, poupando mais impactos no resultado trimestral referente ao início deste ano.
“Adicionalmente, sua margem de lucro de mercado apresentou alguma melhora na base trimestral e os resultados de seu segmento de seguros melhoraram consideravelmente”, acrescenta a XP.
Analistas do BB Investimentos foram categóricos, citando um “agravamento das tendências negativas” do banco.
Mas foram além, citando que o impacto da varejista que pediu recuperação judicial recentemente não é o único ‘culpado’ pelo trimestre ruim.
“O resultado do 4T22 não apenas acentuou algumas tendências negativas mais claramente vistas ao longo do segundo semestre do ano passado, em especial da qualidade de crédito, mas também conteve um evento de impacto considerável – o da Americanas – ao qual o Bradesco possui exposição relevante”, diz a casa.
Em resultado trimestral publicado em 2 de fevereiro, o Santander (SANB11) reportou números de um dos seus piores trimestres.
No balanço do Santander, o lucro líquido gerencial caiu cerca de 45% se comparado ao trimestre anterior, para atuais R$ 1,68 bilhão.
No caso das empresas de tecnologia entra a questão do custo de capital. Na avaliação do head de análise fundamentalista esse setor geralmente “demanda muito capital no início do negócio e, até as empresas começarem a girar caixa e realmente crescerem, acaba sendo um pouco mais difícil, sobretudo em razão do período atual”.
O resultado do Santander ficou muito abaixo do que analistas projetavam. O consenso Bloomberg mirava um lucro de R$ 2,89 bilhões para a companhia no quarto trimestre.
Os analistas do BTG Pactual, por sua vez, estimavam um lucro de R$ 2,87 bilhões para o Santander no 4T22.
No consolidado, o Santander lucrou R$ 12,57 bilhões no acumulado de 2022, representando uma queda de 21% no lucro em relação ao ano de 2021.
O retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) foi de 8,35%, representado uma queda de 7,3 pontos percentuais em relação ao trimestre anterior.
No agregado de 2022, o ROE do Santander ficou em 16,3%, queda de 4,9 p.p. em relação ao ano de 2021.
O grande impacto no balanço do 4T22 do Santander foi o aumento das provisões para devedores duvidosos (PDD), que avançaram para R$ 7,364 bilhões no quarto trimestre, em um crescimento de mais de 70% no comparativo anual.
“A PDD, os indicadores de inadimplência e o custo de crédito se mostram compatíveis ao momento e em linha com o esperado, com safras novas concentradas em melhores ratings, destacando aqui as medidas tomadas em função de maior seletividade”, afirma o vice-presidente financeiro, Angel Santodomingo.
Segundo o CEO do banco, Mario Leão, a partir do quarto trimestre do ano de 2021 o banco adotou
Setores mais arriscados da Bolsa
Segundo Regis Chinchila e Luis Novaes, analistas da Terra Investimentos, os aspectos macroeconômicos devem continuar pressionando os setores mais cíclicos da economia.
Observam um consumo não-essencial menor durante este ano, como uma possível recuperação apenas em 2024, com a melhora da economia e pressão menor das taxas de juros.
Varejo
Com juros altos, baixo crescimento econômico e poder de compra reprimido, é improvável que o varejo tenha um ano positivo, dizem os analistas da Terra. As ações de varejo, como Magazine Luiza (MGLU3) e Via (VIIA3), sem mencionar Americanas (AMER3) – fora do Ibovespa depois do anúncio da recuperação judicial com o rombo bilionário descoberto no balanço da empresa -, ainda se mostram um investimento arriscado mesmo frente comparado a 2022.
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“Deve-se observar que os ativos sofreram grande desconto nos últimos anos, o que poderia ser um ponto positivo, mas atendo-se aos riscos. O caso Americanas também pode dificultar a capacidade de crédito do setor”, ressaltam os analistas da Terra.
José Daronco, analista da Suno Research, explica que o varejo de eletrodoméstico é ainda mais afetado, porque vende bens de consumo mais caros e que necessitam de financiamento.
“É um setor que deve ser muito impactado neste ano. Recomendo ficar fora”, completa Daronco.
Portanto, o varejo é um dos setores mais arriscados para investir no cenário econômico atual.
Turismo
O setor de turismo, que lida com empresas que atuam na indústria de viagens e hospedagem, incluindo hotéis, companhias aéreas, agências de viagens e operadores turísticos, também é um dos setores mais arriscados para investir.
Este é um setor que comumente tem um bom desempenho em momentos de crescimento econômico e pode oferecer oportunidades interessantes para investidores dispostos a arriscar. Mas é também um dos setores mais arriscados para investir em 2023, na visão da Terra Investimentos.
Como o cenário econômico brasileiro segue incerto e inflacionado, o turismo pode ser uma opção mais arrojada.
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“É um dos poucos setores que ainda não se recuperaram dos impactos sofridos durante a pandemia. O turismo deve passar o ano pressionado com a menor disponibilidade de renda da população e custos das companhias aéreas em alto patamar, com a alta do petróleo”, comentaram os analistas da Terra.
As ações que compõem o setor, incluem a CVC (CVCB3), Gol (GOLL4) e Azul (AZUL4).
Shoppings Centers
O setor de shoppings centers, como o do varejo, também entra na lista de setores mais arriscados para investir em 2023.
Associado ao consumo, o segmento sofre em cenários de altas taxas de juros. Nesse cenário as pessoas tendem a economizar mais e gastar menos, o que pode afetar negativamente as vendas dos lojistas dos shoppings centers.
Apesar de os shoppings-centers terem apresentado uma recuperação nos últimos meses, registrando números melhores após o período pandêmico, ainda existem muitos fatores que devem seguir pressionando o consumo, na visão dos especialistas da Terra.
“Na mesma linha que os outros setores associados ao consumo, os shoppings centers também não demonstram que terão um ano positivo. É o caso de Multiplan (MULT3) e JHSF (JHSF3)”, concluem.
Construção Civil
Outro setor fortemente impactado pelos juros elevados é o de construção de civil. Este segmento é muito dependente da taxa de juros, afetando diretamente as vendas parceladas de construtoras.
“Um pequeno aumento da taxa de juros impacta muito a parcela que as pessoas vão pagar, né?”, diz o analista José Daronco.
A demanda acaba caindo também, e, consequentemente, a construção de novos imóveis sente o impacto. Além disso, os financiamentos e empréstimos ficam mais caros, barrando oportunidades de investimentos e expansão dessas empresas.
“Mas é preciso separar o jogo do trigo”, ressalta o especialista.“ Tem boas construtoras hoje em situação mais favorável e que vão se beneficiar por isso. Mas no geral o investidor precisa tomar muito cuidado, principalmente com as construtoras mais alavancadas”.
Cyrela (CYRE3), Eztec (EZTC3), MRV (MRVE3), Tenda (TEND3), Cury (CURY3), Lavvi (LAVV3), Mitre (MTRE3). Plano&Plano (PLPL3), Direcional (DIRR3) são algumas das ações desse setor.
Mas a XP faz ressalvas para algumas das ações desse setor. A Cury (CURY3) é uma delas. “A companhia deve acelerar os lançamentos no 1T23, para fortalecer seu estoque, ajudando a força de vendas ao longo do ano. Esperamos que os lançamentos alcancem +R$ 1,0 bilhão no 1T23 (R$ 420 milhões já lançados), totalizando ~R$ 3,8 bilhões em 2023 (~15% de crescimento A/A)”, diz o relatório da XP sobre a Cury.
O texto acrescenta: “As taxas de juros de imobiliárias da Caixa Econômica Federal permanecem estáveis (TR +8%/+9%), significativamente abaixo das taxas de juros imobiliárias de bancos privados, mantendo uma demanda sólida por projetos ligeiramente acima do programa habitacional. Além disso, a gestão de transição da CEF tem conseguido manter a eficiência dos repasses e o fluxo de pagamentos, o que a nosso ver é um sinal positivo para preservar a dinâmica positiva de geração de caixa.”
A Lavvi é outra ação que a XP citou como boa alternativa: “A Lavvi (LAVV3) apresentou dados operacionais sólidos e acima das expectativas no 4T22. Os lançamentos tiveram um desempenho robusto, atingindo R$ 1,16 bilhão (100%) e R$ 807 milhões de participação Lavvi (+460% A/A), impulsionados pelo lançamento de dois projetos de grande porte, como o Eden (em parceria com a Cyrela), e Galleria Klabin.”
Com isso, “as vendas líquidas aceleraram para R$ 781 milhões (100%) e R$ 539 milhões de participação na Lavvi (+392% A/A), favorecidas pela negociação e venda conjunta de studios nos dois lançamentos do trimestre. Como resultado, a VSO aumentou acentuadamente para 44% (+22 p.p. A/A). Assim, podemos ver uma reação positiva do mercado e mantemos nossa recomendação de compra para LAVV3 com preço-alvo de R$ 11,50/ação.”
Outra empresa famosa do setor, a MRV (MRVE3) apresentou, segundo a XP, uma prévia operacional mista no 4T22. “Do lado positivo, a empresa continuou aumentando seu preço médio por unidade vendida na operação core da MRV, atingindo R$ 208 mil (+22,7% A/A), em linha com a estratégia de recuperação de margens.” A MRV parece “mais confortável para aumentar seu volume de lançamentos daqui para frente”.
A XP finaliza: “Como resultado, os lançamentos aceleraram significativamente, atingindo R$ 3,4 bilhões (+92,8% T/T). Do lado negativo, o consumo de caixa atingiu R$ 539 milhões (+258% A/A), impactado pela fraca margem bruta na operação core. Dito isso, mantemos nossa recomendação de compra para MRVE3 com preço-alvo de R$ 17,00/ação, com base no valuation atrativo, negociando a 4,5x P/L 2023E.
A Cyrela (CYRE3), lembra a XP, “reportou dados operacionais sólidos no 4T22, impulsionados principalmente pelo desempenho de vendas líquidas acima do esperado (100%), atingindo R$ 2,69 bilhões (+70,9% A/A e +17,7% T/T), superando nossas estimativas em 8,0%, e totalizando R$ 7,9 bilhões em 2022 (+43,0% vs. 2021), apesar do cenário macro desafiador.” A casa completa: “Mantemos nossa visão positiva para CYRE3 e reiteramos nossa recomendação de compra com preço-alvo de R$ 33,00/ação.
Essa matéria não é uma recomendação oficial de setores mais arriscados para investir em 2023.