O que esperar em 2019 na política internacional

Se 2018 foi um ano muito intenso na política internacional, 2019 poderia ser ainda mais importante para o cenário global.

Por causa da extrema volatilidade na política internacional do século 21, é impossível prever com precisão o que poderia ocorrer no próximo ano. A guerra na Síria, por exemplo, ou a tentativa fracassada de golpe de Estado na Turquia em 2016, ou o Brexit, foram eventos recentes totalmente imprevisíveis, que mudaram o panorama global.

Entretanto, na base dos acontecimentos do último ano é possível elaborar uma perspectiva para a política internacional em 2019. Entre os eventos que ocorrerão, o que poderão ocorrer no próximo ano, estão a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), as eleições para o Parlamento Europeu, uma eventual trégua na guerra comercial entre Estados Unidos e China, a possível reconstrução na Síria e uma nova corrida armamentista nuclear entre EUA e Rússia.

Brexit se tornará uma realidade

Para o professor de Relações Internacionais da ESPM – SP, Demetrius Pereira, o evento mais importante no cenário internacional em 2019 será a saída do Reino Unido da União Europeia. Nos próximos meses o chamado “Brexit” se concretizará definitivamente. “Em janeiro o Parlamento britânico deverá votar a proposta de acordo que Londres e Bruxelas alcançaram este ano. Se essa proposta for aprovada, teremos um Brexit “leve”, ordenado e com uma série de garantias. Caso contrário, teremos o chamado Brexit “duro”, que criará uma série enorme de problemas”, explicou Pereira.

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O acordo entre o Reino Unido e a UE é um documento de 585 páginas, cheio de detalhes sobre o processo de saída do bloco. Entre outras coisas, o acordo mantém Londres dentro da união alfandegária europeia por um período de transição, que o acordo indica em até o “31 de dezembro de 20xx”. Um cláusula que deixa em aberto a possibilidade do país permanecer na UE até o final do século.

Além disso, o Reino Unido continuará aceitando as decisões da Corte Europeia de Justiça, garantirá a permanência dos cidadãos europeus em território britânico e contribuirá com o orçamento da UE, sem todavia ter direito de voto. Mas a questão mais complicada é com certeza aquela sobre a Irlanda do Norte, que Londres aceita deixar dentro do Espaço Econômico Europeu.

“Essa proposta de acordo apareceu como inaceitável por muitos membros do governo britânico, que por isso apresentaram suas demissões imediatamente. Além disso, será muito complicado que a primeira-ministra Theresa May consiga a aprovação do Parlamento. Ela já desistiu em dezembro por evidente falta de votos. Veremos o que acontecerá entre janeiro e março”, declarou Pereira.

Para o professor, uma saída desorganizada do Reino Unido da UE levará consequências econômicas graves, mas ainda não calculáveis com precisão. “Não sabemos o que ocorrerá o dia 30 de março de 2019 se o Reino Unido terá uma Brexit dura. As previsões realizadas até agora são meras especulações pois as variáveis são inúmeras”, explicou Pereira, “Mas com certeza economia do país e do bloco europeu como um todo sofrerão consequências negativas, como redução do Produto Interno Bruto (PIB) e do comércio internacional”.

Eleições europeias e avanço dos populismos

Outro evento importante para o mundo ocorrerá na Europa: as eleições para renovar o Parlamento Europeu. O pleito vai acontecer em maio, e renovará os 751 assentos do órgão legislativo da União Europeia.

Para o professor Pereira, o risco é que essa eleição marque mais um avanço dos partidos populistas, nacionalistas e xenófobos. “Considerando os recentes resultados eleitorais na Itália, na Hungria e em algumas regiões da Alemanha, existe um forte risco que partidos chamados ‘euro-cépticos’ ganhem muitos assentos no Parlamento Europeu”, explicou Pereira.

Entretanto, é ainda difícil dizer se essas forças populistas e nacionalistas conquistarão a maioria no Legislativo da UE. “O risco ainda maior é que eles não ganhem a maioria, mas que acabem deixando o Parlamento ingovernável, impedindo a formação de uma coalizão entre as outras forças políticas. Isso geraria uma forte instabilidade no bloco europeu como um todo”, explicou Pereira.

As eleições europeias levarão também a renovação da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE. Para o professor Pereira isso é muito importante para o Brasil, pois é a Comissão que negocia diretamente o acordo de livre comércio com o Mercosul. “Se teremos uma Comissão como a atual, é possível que as negociações avancem. Entretanto, se a Comissão será formada por forças populistas e nacionalistas, será muito mais complicado que o acordo seja alcançado”, afirmou Pereira.

Guerra comercial EUA-China: trégua a vista?

Outro evento que poderia marcar 2019 é uma possível trégua na guerra comercial entre Estados Unidos e China.

Se 2018 foi marcado por um aumento na tensão entre as duas maiores economias do mundo – que aplicaram novos impostos alfandegários nas importações mútuas – 2019 poderia ser o ano de uma mudança nessa guerra comercial.

“O governo do presidente Donald Trump mostrou que está jogando pesado contra a China no âmbito comercial. Ele não vai recuar, pois existe um desequilíbrio evidente no comércio bilateral entre os dois países”, explicou Pereira, “entretanto, mesmo reagindo com uma certa dureza, parece que os chineses estão entendendo que é interesse deles chegar a um acordo com os americanos, para tentar reduzir o impacto dessa disputa”.

Os Estados Unidos registram todos os anos um déficit comercial com a China de US$ 375 bilhões. Algo que o presidente Trump considera inaceitável, e que desde sua campanha eleitoral prometeu mudar. A ideia é reduzir em pelo menos US$ 100 bilhões o rombo com a China. Mas Pequim não está disposta a ver esse fluxo de dólares se reduzir, pois isso levaria a uma contração na atividade econômica chinesa e provocaria um aumento do desemprego, entre outras coisas.

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O estopim da guerra comercial ocorreu no começo de 2018, quando os EUA impuseram tarifas de 25% sobre a importação de aço e 10% sobre o alumínio. Os chineses responderam com um aumento de impostos alfandegários sobre produtos norte-americanos, mas a tensão só aumentou até o final do ano.

“Durante a reunião do G20 em Buenos Aires, entre novembro e dezembro, os dois países concordaram um armistício comercial. Entretanto, é algo ainda muito frágil que deverá ser aprofundado durante 2019, ou os riscos para a economia global poderiam ser muito grandes”, explicou Pereira.

Todavia, essa guerra comercial provocou efeitos positivos para o Brasil. Por causa do aumento de impostos sobre a importação de produtos norte-americanos na China, Pequim começou a comprar mais produtos brasileiros, como a soja. “Por isso, a balança comercial do Brasil fechará 2018 com um resultado muito positivo”, explicou Pereira.

Corrida armamentista nuclear a vista?

A decisão dos Estados Unidos de sair do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, sigla em inglês) poderia gerar uma nova corrida armamentista atômica.

O tratado foi assinado com a Rússia em 1987, durante a Guerra Fria, pelos então presidentes americano e soviético, Ronald Reagan e Mikhail Gorbachov.  O tratado, que suprime o uso de uma série de mísseis de 500 a 5000 quilômetros de alcance. Sua assinatura colocou fim à crise gerada nos anos 1980 pela implantação dos SS-20 soviéticos, que apontavam para as capitais ocidentais.

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Entretanto, o governo Trump acusa Moscou de violar o documento há anos. O governo Trump se queixa da implantação por Moscou do sistema de mísseis 9M729. O alcance desses mísseis, segundo os Estados Unidos, supera 500 quilômetros, violando o INF.

“Existe o risco que os russos respondam a essa decisão aumentando seus arsenais atômicos. Putin aposta muito no nacionalismo russo para garantir seu poder, e essa poderia ser uma ótima ocasião a ser utilizada”, explicou Pereira.

O professor lembrou que as relações entre Washington e Moscou estão sob profunda pressão. Os americanos acusam os russos de interferência nas eleições presidenciais de 2016, e não toleram o apoio russo ao governo sírio na guerra civil síria e seu papel no conflito na Ucrânia. “É difícil pensar que voltaremos aos tempos da Guerra Fria, onde o mundo estava a beira do colapso atômico. Mas um aumento da tensão internacional e da produção de armas atômicas por causa do fim desse tratado é algo muito provável em 2019”, explicou Pereira.

A retirada do INF também poderia ter como alvo a China. Pequim, que não é parte do acordo, e que por isso pode desenvolver sem nenhum obstáculo armas nucleares de alcance intermediário.

Síria: um caminho para a reconstrução?

Na Síria a guerra civil está chegando a seu epílogo. Os últimos grupos rebeldes estão cercados na província de Idlib, no noroeste do país. Por isso, o ditador Bashar al-Assad já é considerado vitorioso no conflito, começado em 2011.

“A guerra deixou mais de 500 mil mortos e é o epicentro de disputas geopolíticas entre potências regionais e mundiais. Mas se Assad conseguir retomar o controle de todo seu território, poderia recomeçar a reconstrução do país”, explicou Pereira.

Segundo o professor, a retirada das forças dos EUA na Síria é o sinal que até Washington entende que Assad ganhou. Mas isso poderia provocar um final de guerra muito sangrento, pois as forças do governo sírio atacarão com ainda mais violência os territórios dos rebeldes. Ente eles, as cidades controladas pelos curdos, aliados dos americanos, e que se opõem a Assad.

“A reconstrução da Síria poderia ser algo muito positivo para o Oriente Médio e para o cenário internacional como um todo em 2019. Todavia, reconstruir um país destruído por quase oito anos de guerra civil será uma empresa titânica. Veremos como o governo Assad se comportará nesse processo de pacificação nacional”, explicou Pereira.

Carlo Cauti

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