Os impactos da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) chegaram a todas as camadas da sociedade e economia global. Um dos aspectos mais influenciados é o custo do frete marítimo, forma de comércio internacional mais comum entre os países.
Nos últimos 13 meses, com a contínua reabertura das atividades e retomada econômica global, o número de encomendas por insumos e mercadorias do comércio exterior dispararam, acima da capacidade logística dos armadores e terminais portuários, encarecendo o frete marítimo.
Gargalos na cadeia de insumos na produção de produtos, com a demanda voltando mais rápido que a oferta, além da concentração dos maiores players desse mercado são algumas das razões que explicam esse fenômeno.
Enviar um contêiner de 40ft (40 pés) da China custava US$ 1.500 antes da chegada da pandemia. Cerca de 30 dias atrás, o custo estava em US$ 10.500. Nesta semana, o preço chegou a US$ 15.800.
Segundo estimativas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a escalada dos preços de fretes para diferentes rotas deve permanecer vigente nos próximos meses.
O Brasil, inclusive, encontra-se em uma posição vulnerável neste contexto.
O que explica a disparada do frete marítimo
Segundo Rafael Dantas, diretor comercial da Asia Shipping, a situação do preço dos contêineres pode ser explicada por uma relação de fatores.
Essas razões foram se acumulando ao longo do último ano e meio. “O preço de frete de US$ 15.800 não foi atingido de uma hora para outra. Esse processo teve início ainda no ano passado, quando os importadores retomaram as compras após o auge da pandemia no exterior.”
De acordo com o especialista, um dos principais fatores é, de fato, a consolidação do segmento. “Os quatro maiores armadores do setor detêm quase 60% do market share global. Essa tendência deve continuar acontecendo”, diz Dantas.
O maior deles é a dinamarquesa Maersk Line, que em 2018 contava com 630 navios e mais de 33 mil colaboradores, de acordo com informações da própria empresa.
A companhia, que já tinha a maior frota do mundo, há alguns anos fundiu-se com a alemã Hamburg Süd, que também estava entre as dez maiores.
Outro aspecto importante também diz respeito às alianças globais. Armadores que competiam ferozmente antes da crise do subprime, entre 2008 e 2009, passaram a operar os mesmos navios.
Com isso, as empresas passaram a ajustar suas capacidade dos trades globais de forma mais eficiente, aumentando sua própria barganha. Entretanto, a escalada do frete não pode ser atribuída apenas a esse fator.
Caos logístico com liquidez abundante
O mercado de frete marítimo é puxado essencialmente pela oferta e demanda dos agentes do mercado. Naturalmente, quando a procura é maior que a capacidade de produção, os preços aumentarão.
Isso tira um pouco do peso exclusivo às alianças globais e consolidações.
“O que aconteceu especificamente para os preços de frete diz respeito muito mais a um caos logístico, que acabou gerando uma falta de equipamento e espaço, além de outros eventos, como no Canal de Suez“, comentou Dantas.
Somado a isso, o especialista diz que os incentivos monetários globais que ocorrem desde o ano passado, sobretudo nos Estados Unidos, também fomentaram o apetite das pessoas frente às compras.
“Isso também influenciou esse aquecimento global sem precedentes.”
Há cerca de dois anos, o tamanho do balanço do Federal Reserve (Fed) era na ordem de US$ 4 trilhões. A expectativa é que no ano que vem esse montante aumente para US$ 9 trilhões, ao passo que o BC norte-americano continua com as compras de ativos na ordem de US$ 120 bilhões mensais.
O Brasil em meio ao comércio internacional
A posição brasileira frente ao comércio internacional tem pouca relevância entre os pares e observa uma grande vulnerabilidade em termos de oferta, de preço dos serviços de transporte e de eficiência aduaneira-portuária, segundo a CNI.
O Brasil corresponde a apenas 1% dos contêineres movimentados em todo o mundo e está fora das principais rotas de navegação. Com o cenário conturbado, esses problemas são agravados. Diversas empresas locais não conseguem realizar operações no comércio exterior.
Uma agenda com 11 propostas para reorganizar o segmento e diminuir os custos foi enviada pela CNI ao governo federal na última segunda-feira (16). O documento foi assinado por 33 empresas e entidades setoriais.
Dentre as propostas dos envolvidos, estão:
- Padronização de taxa cobradas pelos terminais portuários;
- Priorização da agenda de transferência ao setor privado das administrações portuários públicas;
- Aprovação do projeto de lei conhecido como BR do Mar, para estimular a cabotagem no País.
Na pesquisa da CNI, 70% dos entrevistados dizem ter sofrido com a falta de contêineres ou de navios nos útimos meses, e 96% reportaram aumento no valor do frete de importação. Foram ouvidos 128 representantes do setor.
Frete marítimo para commodities e indústria
O especialista afirmou que o mercado de commodities “com certeza” está sendo impactado pelo preço dos fretes, mas, sobretudo, pela falta de equipamentos neste processo.
Por outro lado, para a indústria brasileira, o impacto é mais doloroso.
“O frete faz parte do custo de importação, contemplando a base para pagamento de imposto. Isso influencia diretamente os preços para o consumidor final”, afirma.
Segundo ele, o maior sinal disso é o menor apetite de consumo por parte do mercado, diferentemente do observado no auge da pandemia neste ano.
As vendas no varejo no Brasil em julho, segundo o Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), cresceram 7,2% frente ao mesmo período do ano passado. Os números mostram desaceleração na base mensal, após avanço real de 9,5% e alta nominal de 23,3% no mês anterior.
Nos Estados Unidos, o resultado foi ainda mais negativo. As vendas no varejo norte-americanas recuaram 1,1% em julho, enquanto o mercado esperava uma queda de 0,3%. Economistas preveem uma desaceleração.
“Isso também deve pressionar os mercados em termos de volume, embora no geral a indústria permaneça aquecida.”
A perspectiva para o médio prazo
Segundo o especialista, a perspectiva dos próximos meses é que dificuldades dessa natureza logística continuem sendo enfrentadas, principalmente enquanto a pandemia não for totalmente controlada.
Na última semana, por exemplo, o governo da China determinou o fechamento parcial do porto de Ningbo-Zhoushan, o terceiro mais movimentado do mundo, em função de um surto da doença. Cerca de 350 navios ficaram engarrafados.
“Também há problemas no porto de Long Beach, na Califórnia, nos Estados Unidos, um dos mais movimentados do planeta. Todos esses fatores estão prejudicando a normalização.”
A expectativa é que entre o final de 2022 e o início de 2023, o preço do frete marítimo seja arrefecido com o aumento da capacidade logística global, que hoje está em 17%. “Isso deve mudar a dinâmica do comércio atual. Os próprios armadores não acham saudável o valor praticado hoje”, afirma Dantas.
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