Prevista para ocorrer uma vez por década, a revisão do Plano Diretor da Cidade de São Paulo deve mudar drástica e lentamente a maneira como o paulistano vive. Ao mesmo tempo, muda o mercado imobiliário e, consequentemente, o mercado de Fundos Imobiliários, prevendo novos regramentos sobre construção e a dinâmica urbana da maior cidade da América Latina.
O Plano Diretor atual, feito na gestão do petista Fernando Haddad, prevê um maior adensamento urbano e visa uma priorização do transporte público, com uma configuração urbana que estimule o seu uso. Além disso, prevê alguns regramentos que atuam no preço dos imóveis de forma mais direta.
Apesar de a reelaboração do plano estar marcada para 2024, ainda em 2021 o documento deve ser revisado pelos vereadores, com possibilidade de mudança nos regramentos. As mudanças não possuem efeito direto de curto prazo, mas devem impactar a dinâmica urbana, mudando o preço no médio e longo prazo.
“Você pode ter uma mudança estrutural que vá começar a impactar. Hoje um fundo que está comprado na Avenida Faria Lima, pode ser que, em 10 ou 15 anos, com uma mudança estrutural e ocupacional, perca o polo de negócios da cidade, pode passar a ser Moema, por exemplo”, cita explica o Analista de Produtos da Órama Investimentos, Phillipe Aguiar.
De forma praticamente unânime, os gestores de Fundos Imobiliários, em entrevista à esta reportagem, ressaltaram o Coeficiente de Aproveitamento básico como o principal fator. O coeficiente, de sigla “CA”, representa nada mais do que o quanto você pode construir em um determinado terreno sem ter de pagar mais por isso. Quanto mais alto o CA, mais é possível construir sem pagar taxas adicionais.
Atualmente, só uma pequena parte da capital paulista oferece maior flexibilidade, permitindo a construção de prédios altos, enquanto a maior parte da cidade possui limitações.
É por fatores como este que Nova Iorque é um polo de arranha céus, já que você consegue direcionar os recursos para a compra de insumos, subir espigões enormes e levantar edifícios maiores.
O Plano Diretor atual de São Paulo é mais rígido do que o plano anterior. Na versão atual, o Coeficiente de Aproveitamento básico para a maioria dos imóveis urbanos passou de 2 [regra mais flexível] para 1 [mais rígido]. Agora, o mercado tem a expectativa de que o CA volte a patamares mais flexíveis, favorecendo o mercado imobiliário.
“Acreditamos que o aumento do coeficiente de aproveitamento, a ampliação do raio de abrangência dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU), além de um maior adensamento nas zonas estritamente residenciais tendem a incentivar a produção imobiliária”, ressalta o CEO e Sócio Fundador da Mogno Capital, Daniel Caldeira.
Os EETUs são regiões de grande adensamento, onde o coeficiente chega a ser 4. “Nestas áreas, o adensamento populacional é regulamentado e incentivado. A limitada porção desse território contribui para a competição nas aquisições dos imóveis e consequente elevação dos preços“, analisa Caldeira.
Zoneamento e configuração territorial distorcem preços
Além disso, o zoneamento é outra frente vista como problemática. O Copan, edifício enorme e com aparência de “S” do centro de São Paulo, mostra justamente o oposto do que há de regramento atualmente.
A cidade, hoje, apresenta uma configuração espraiada e com uma distribuição que penaliza especialmente a população que é mais vulnerável socialmente, visto que as regras rígidas em diversos bairros acabam tornando todo o mercado imobiliário mais caro.
O zoneamento separa a cidade em “zonas”, e propõe regras distintas para cada uma delas. Com um regramento cada vez mais apertado em algumas regiões, há distorções intensas no preço dos imóveis de alguns bairros.
O professor da Faculdade de Arquitetura da Mackenzie, Luiz Guilherme Rivera de Castro, ressalta que no Centro de São Paulo, por exemplo, quem atua no mercado imobiliário, via de regra, precisa de “mais conhecimento e mais recursos” para lidar com um regramento mais apertado do que nas demais regiões, incluindo o que tange aos edifícios históricos.
“A constituição do centro repousa nisso. É a área mais valorizada pois é a mais acessível. Uma grande metrópole, como São Paulo, tem áreas com tanto ou mais valor, mas o que ocorre é que o Centro ainda é muito valorizado. As construções que existem ali, contudo, são muito obsoletas. As leis são necessárias, mas tornam-se um complicador para a recuperação de alguns edifícios. O processo de demolição e construção no Centro é muito mais difícil, além de os custos serem mais altos”, ressalta.
Com as regras atuais, uma quadra em Paris ou Manhattan acaba sendo ocupada por praticamente o dobro de habitantes do que uma quadra na capital paulista. Ademais, a maioria das cidades que adotaram políticas de zoneamento e “preservação de bairros” aumentaram em praticamente 50% o número de moradias informais, aponta o artigo do economista Ciro Biderman, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Temos que rever os coeficientes de aproveitamento, mas também rever como é feito o pagamento de outorga, que encarece os projetos. A grande crítica do Plano Diretor atual é que ele foi criado para dar um direcionamento mas, na prática, quando você for ver, ocorre justamente o contrário. Em vez de as famílias estarem mais próximas dos centros urbanos, elas estão se afastando, exatamente por esse encarecimento”, Aguiar, da Órama.
Fachadas ativas e outros regramentos suscitam debate
Outros regramentos específicos acabam não fazendo tanto preço, mas denotam obrigatoriedades que mudam a maneira com que outros mercados se comportam. Há uma regra que prevê que algumas fachadas específicas não possam ser ocupadas por imóveis residenciais, mas pelo comércio. No entanto, nem sempre há demanda para isso.
“Não sou muito fã da regra, uma questão que impacta as incorporadoras, que veem as lojas como atrativo por conta do zoneamento. Diversos prédios tem várias lojinhas em baixo. Não é porque você tem a obrigatoriedade da lojinha que você tem a demanda”, cita o sócio da Gestora Alianza (ALZR11), Ricardo Madeira.
As regras do Plano Diretor devem ser revisadas ainda neste ano, e podem ser influenciadas pelo crescimento do mercado imobiliário. Segundo os especialistas, o aquecimento do mercado pode estimular os vereadores a flexibilizarem as regras.
Segundo levantamento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o primeiro trimestre de 2021 teve alta de 3,7% em relação ao mesmo período do ano anterior, com 28.258 unidades residenciais lançadas. As vendas bateram 53.185 unidades, alta de 27,1%.
“O crescimento do setor imobiliário no último período pode ajudar na flexibilização de alguns parâmetros do Plano Diretor e, com consequente aumento nas possibilidades e ofertas ao mercado, reduzindo o custo de aquisição. De qualquer forma, ainda é cedo para medir como os preços se comportarão diante desse novo cenário”, afirma Caldeira, da Mogno Capital.
Revisão do Plano diretor pode ser prorrogada com a pandemia
Até esta segunda-feira (31), entidades e grupos da sociedade civil podem se cadastrar para a revisão do Plano Diretor. O prazo acabaria no dia 11, mas foi prorrogado pela prefeitura.
Contudo, algumas entidades e instituições – especialmente as de cunho social – pedem pelo adiamento da revisão, em decorrência da pandemia. A justificativa é de que a decisão ficaria centralizada na mão do Estado, uma vez que audiências públicas e demais processos consultivos são dificultados pelas normas.
“Acho que é muito difícil, em tempos de pandemia, termos a legitimação da sociedade. Isso é uma diretriz, desde a Constituição de 1988. É muito diferente fazer uma audiência pública agora, nesses tempos [de pandemia]. Acho muito difícil reduzir essa participação, que é política, a uma participação chamada de virtual. A revisão do Plano Diretor, nesse momento, tende a não se legitimar. Tende também a ser uma revisão muito parcial”, afirma o professor Luiz Guilherme Rivera, da Mackenzie.