Digitalização do sistema financeiro e a Agenda BC#: O que vem depois do PIX?
O PIX caiu nas graças dos brasileiros. Somente no ano passado, esse moderno sistema de transferência superou os 11 bilhões do transações, o dobro do volume registrado em 2011 e já é mais usado que cartões de crédito e débito. Sem falar que aposentou o cheque.
Além disso, o número de transações (financeiras e não financeiras) via WhatsApp chegou a 56,2 milhões em 2022, alta de 531% em comparação com o ano anterior. Ao mesmo tempo, as transferências por TED e DOC registraram quedas de 29% no período comparado. Os dados fazem parte da “Pesquisa de Tecnologia Bancária” apresentada pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) nessa semana, no Febraban Tech.
E esse é só um recorte do esforço de digitalização que o sistema financeiro vem colocando em prática há quase uma década.
O que o PIX revela?
A tecnologia tem sido cada vez mais parte do dia a dia do sistema financeiro e muitas vezes sem as pessoas perceberem sua evolução. Realizar uma transação bancária em segundos ou mesmo o pagamento de um boleto na palma da mão e sem taxas era impensável até um pouco mais de dois atrás.
Não há dúvida que a necessidade do isolamento social com a pandemia de Covid-19 acelerou o processo de digitalização financeira. Serviços bancários, como enfrentar filas para pagar contas simples, virou algo de um passado que parece bem distante para muita gente.
Mesmo antes da pandemia, o esforço em se modernizar já era bastante debatido entre as instituições financeiras. Parte da explicação está nos altos custos que, principalmente bancos, têm que arcar. Conforme dados da Febraban, somente a logística e transporte do dinheiro em espécie gera um dispêndio anual de R$ 10 bilhões. Isso, pelo menos, até o segundo semestre de 2022. Sem mencionar, os riscos de segurança pública que esse transporte possui.
Assim, não só para instituições, como também para pessoas, a digitalização virou praticamente uma necessidade.
“O uso de serviços bancários digitais, aplicativos de investimento e plataformas de gestão financeira cresceu exponencialmente, tornando-se hábito até mesmo para a população de mais idade, por exemplo”, diz Adriano Meirinho, diretor de marketing e co-fundador da Celcoin, plataforma digital de produtos e serviços financeiros.
As mudanças são notáveis, mas essa evolução é acessível para todos, de forma igualitária e transparente?
Segundo estudo recente da Serasa Experian, cerca de 22% dos brasileiros – aproximadamente 35 milhões de pessoas – ainda não possuem registros financeiros, sejam contas de consumo ou faturas de cartão de crédito registradas em seu CPF.
Existem ainda os chamados “Thin Files” ou “pessoas sem informação de crédito” são aqueles que não usam o crédito regularmente e, por isso, não têm nenhuma atividade recente em seu histórico. Os jovens que ainda não iniciaram sua vida financeira e não possuem encargos também se enquadram nesta categoria.
E como pontua Vinicius Aloe, Diretor de Crédito, Dados e Riscos do Agibank: “É muito importante que exista um relacionamento consistente entre cliente e instituição para que as ofertas de produtos, serviços e condições sejam compatíveis com as necessidades e capacidade de pagamento de cada um”.
Por que é necessário melhorar a relação banco e cliente?
O surgimento dos bancos digitais, por volta de 2010, e suas inovações fizeram com que os bancos tradicionais tivessem que se mexer para não perder clientes e, com isso, suas margens.
Com soluções inovadoras que se aproximam do usuário, os chamados neobanks, como o caso do Nubank (NUBR33), nasceram com a proposta de acabar com a complexidade do sistema financeiro, dando às pessoas a possibilidade de maior controle sobre as suas finanças.
O Nubank, inclusive, foi pioneiro ao lançar um cartão de crédito sem anuidade, além de uma conta com rendimento e sem taxas de manutenção. Recentemente, esse produto, hoje popularmente conhecido como ‘roxinho’, passou a contar com a ferramenta ‘Caixinhas’, que visa ajudar as pessoas a guardar dinheiro para suas metas.
Alguns concorrentes como C6 Bank e Digio, também oferecem cartões de crédito livres de anuidade e com taxas atrativas, mas possuem em comum um algo a mais e que também é sinônimo de inovação no mercado financeiro: o cashback.
Expressão em inglês que significa “dinheiro de volta”, o cashback permite que parte do valor da compra de algum produto ou serviço volte para o cliente, fidelizando-o àquela marca. Mesmo consolidada, a ferramenta ainda abrange uma pequena parte dos consumidores.
Neste cenário, a competitividade e, assim, a busca por clientes para aumentar as margens financeiras é constante, tanto que instituições financeiras tradicionais possuem hoje seus próprios bancos digitais, como o Next, do Bradesco (BBDC4) e o iti, do Itaú (ITUB4).
E o papel do Banco Central nessa história?
Como é seu papel ser uma espécie de “gerente dos bancos”, o Banco Central (BC) não só não ficou de fora desta evolução digital como criou há sete anos sua própria linha de trabalho: a Agenda BC#.
Essa agenda nada mais é do que uma pauta de trabalho que visa democratizar o sistema financeiro brasileiro, ao atualizar o mercado por meio da tecnologia.
Esse trabalho é feito com base em cinco pilares: inclusão, competitividade, transparência, educação e sustentabilidade. A seguir, a explicação de cada um e o que eles já trouxeram para seu dia a dia e talvez não saiba:
Inclusão
Dentro do tema Inclusão, o BC busca criar mecanismos para aumentar o acesso da população ao mercado financeiro por meio da modernização da legislação cambial, estabelecendo um arcabouço legal, moderno, compacto e seguro. O objetivo é facilitar as conexões com sistemas de pagamentos de outros países.
Neste sentido, a inteligência artificial acaba se tornando aliada do mercado financeiro, permitindo que o setor tenha oportunidades de inovação, seja na melhora dos processos já existentes, em novos produtos ou, até mesmo, em novos modelos de negócio.
“Acredito que o mais importante é que tudo isso possa estar ligado à inclusão financeira. Nunca foi tão possível pensar em alcançar tão maciçamente muitas pessoas que hoje ficam quase que marginalizadas do mercado financeiro simplesmente pela falta de informação que este tem sobre grande parte da população”, apontou Marcelo Queiroz, Head de Estratégia de Mercado da ClearSale, empresa especializada em ferramentas antifraude.
Competitividade
Dentro da Competitividade da Agenda BC, as soluções procuram a melhor precificação dos produtos financeiros, permitindo um acesso competitivo aos mercados. Três programas estão incluídos neste contexto: o Pix, Open Finance e Real Digital.
Pix
Lançado no final de 2020 em meio à pandemia, o Pix chegou com a finalidade de democratizar o acesso a meios de pagamentos eletrônicos, promovendo a inclusão financeira e alavancar a eficiência no Sistema Financeiro Nacional (SFN).
Só em abril deste ano, segundo o BC, o volume de transações Pix superou R$ 1,1 bilhão. No caso das empresas, a adesão ao sistema como ferramenta de recebimento por atividades econômicas foi o maior entre os empreendimentos de pequeno porte em 2022, com destaque para o comércio varejista e o setor de alimentação.
A agenda evolutiva do Pix conta, ainda, com o aprimoramento do Pix cobrança; iniciativa “buy now pay later”, integrando com o open finance; desenvolvimento do Pix automático – similar ao débito em conta –, além do Pix Internacional.
Open Finance
Já o Open Finance busca a eficiência e segurança de dados dentro do sistema financeiro. Com a chegada da fase 4 do programa – que contará com a inclusão dos escopos de seguros e capitalização, por exemplo – a capacidade de um cliente dividir todo seu portfólio de produtos do seu banco com o mercado se tornará ainda mais amplificada.
“O primeiro ciclo eram dados abertos, como foi a fase 1, e agora estamos no escopo de dados sensíveis, chamada de Fase 4B. Todos os nossos clientes que possuem obrigatoriedade nesse escopo já estão em processo de implementação”, destacou Lorain Pazzetto, head de Estratégia Digital de Finance da FCamara, grupo de consultoria em transformação digital.
Para Adriano Meirinho, da Celcoin, a implementação efetiva do Open Finance consiste em um dos maiores desafios atuais da Agenda BC. “Espera-se que, ao longo do tempo, o Open Finance estimule a inovação no setor financeiro, com o surgimento de novos produtos e serviços, além de promover uma maior concorrência e possibilitar aos consumidores a escolha de serviços financeiros mais personalizados e vantajosos”, afirmou.
Real Digital
Por fim, o Real Digital consiste em uma infraestrutura sob a governança e regulação do BC nas quais tecnologias como dinheiro programado e contratos inteligentes estarão disponíveis para que instituições financeiras e fintechs possam desenvolver novos modelos de negócio.
O projeto tem a finalidade de ampliar o acesso dos usuários a transações financeiras mais eficientes, seguras e convenientes, enquanto assegura o sigilo, a proteção de dados e a segurança cibernética.
Na fase piloto, iniciada em março deste ano, o regulador recebeu 36 propostas de interesse na participação, sendo que 14 entre associados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) foram selecionadas, incluindo os maiores bancos do país. O objetivo é concluir a parte de testes até dezembro deste ano.
“Resolvidas as questões principais de segurança, de funcionamento da infraestrutura e de privacidade das informações, será a vez de expandir a participação da população. A estimativa do Banco Central é lançar uma moeda digital até o fim de 2024”, disse Carolina Sansão, diretora adjunta de Inovação, Tecnologia e Cibersegurança da Febraban.
Sendo assim, a Agenda BC vem mostrar que o setor financeiro como um todo passa por avanços regulatórios – a exemplo do Open Finance – o que ajuda a consolidar o Brasil como destaque mundial no tema. “Neste ano, vamos acompanhar de perto o início dos testes do Real Digital e o avanço da tokenização de ativos”, completou Carolina Sansão.
Transparência
No pilar Transparência da Agenda BC, a finalidade é disseminar informações de mercado e do Banco Central para toda a população, aperfeiçoando as ações de comunicação com o uso de mídias sociais e aumentando a transparência sobre políticas públicas implementadas pelo órgão.
Um exemplo de iniciativa que se aplica a este contexto, segundo o órgão, foi o Sistema de Valores a Receber (SVR), ferramenta do BC lançada no início do ano que mostra o dinheiro ‘esquecido’ por clientes em instituições financeiras.
O montante é referente a contas encerradas ainda com saldos disponíveis, ou tarifas cobradas indevidamente. Até o início de junho, quase 14 milhões de correntistas já haviam resgatado quase R$ 3,93 bilhões de um total de R$ 11,01 bilhões postos à disposição pelas instituições financeiras.
Educação
Dentro do tema da Educação, a Agenda BC visa promover hábitos financeiros saudáveis e escolhas informadas por parte dos consumidores.
Assim, por meio do programa Aprender Valor, o Banco Central apóia escolas públicas de ensino fundamental em todos os estados da federação que desejam implementar o ensino da educação financeira. Ao todo, mais de 22 mil escolas participam do projeto.
Segundo Lorain Pazzetto, da FCamara, um dos principais desafios enfrentados pela população brasileira no acesso aos mercados financeiros está na educação financeira. Para ele, a falta de conhecimento sobre produtos financeiros, investimentos e gestão pessoal das finanças impede que muitas pessoas entendam o funcionamento desses mercados e tomem decisões financeiras informadas.
“Além disso, a baixa renda também representa um obstáculo significativo, pois recursos financeiros limitados dificultam a capacidade de obter crédito, poupar e investir. Adicionalmente, em algumas áreas do Brasil, especialmente em regiões mais remotas, a falta de acesso à internet e serviços financeiros digitais dificulta a participação nos mercados financeiros”, completou.
Sustentabilidade
As ações de Sustentabilidade visam a promoção de finanças sustentáveis e gerenciamento adequado dos riscos socioambientais e climáticos.
Dentre elas, está a integração dos riscos sociais, ambientais e climáticos ao arcabouço para gestão de outros riscos tradicionais, tais como crédito, mercado, liquidez e operacional, além de trabalhos para implementar o bureau verde de crédito rural sustentável.
Quais os desafios e perspectivas da Agenda BC#?
Um dos grandes desafios da agenda regulatória, de acordo com Carolina Sansão, da Febraban, é a sensibilização quanto às diferentes demandas impactando diversas áreas e sistemas dos bancos de uma maneira descentralizada.
Segundo ela, para montar um cronograma de desenvolvimento sistêmico, é preciso levar em consideração esses impactos e a quantidade de demandas a serem distribuídas internamente para o atendimento da data regulatória.
“Muitas vezes há uma concorrência de desenvolvimento sistêmico, além do cuidado que os bancos têm com testes integrados, homologação e, consequentemente, a liberação do projeto para funcionamento, sem que haja qualquer impacto em funcionalidades e sistemas que já estão disponíveis para a população”, afirmou. O contexto de taxas de juros elevadas acaba sendo um outro ponto de atenção dos bancos neste contexto, e isso é acompanhado pela Febraban.
A federação reconhece que elas são altas no país e precisam urgentemente ser mais baixas, mas que isso não depende da vontade das instituições. Segundo o órgão, os juros chegaram a esse patamar em razão dos custos muito elevados que se entranharam na cadeia do crédito.
“Dados do Banco Central mostram que mais de 80% do spread bancário se deve aos custos de intermediação financeira. A cada 100 reais de spread, o lucro dos bancos é, em média, 20 reais. Ou seja, o resto são custos. Se o lucro dos bancos fosse zero, ainda assim o spread seria bem elevado”, disse a Febraban.
Como visto, a Agenda BC carrega consigo diversos objetivos, muito além do PIX, como a busca de juros baixos duradouros, melhores serviços financeiros e a participação de todos no mercado, mas precisa encontrar as medidas e estímulos adequados para incentivar o contexto financeiro do país a caminhar nessa direção.