A Polícia Civil do Estado de São Paulo começou a ouvir, nesta quinta-feira (3), um grupo de pessoas sobre um suposto esquema de pirâmide financeira envolvendo a falsa comercialização de criptomoedas. São os primeiros depoimentos de um inquérito instaurado no mês passado, após o Procon-SP, entidade de defesa do consumidor, acionar o Departamento de Política de Proteção à Cidadania da Polícia Civil, relatando o recebimento de 548 queixas contra a empresa MSK Operações e Investimentos.
As testemunhas foram ouvidas pelo delegado José Mariano de Araújo Filho na 2ª Delegacia do Consumidor, do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC), na República, região central da capital paulista. Nove pessoas, incluindo dois ex-funcionários da MSK, participaram da oitiva.
Em janeiro, o Procon-SP havia firmado um acordo com a MSK estabelecendo que a empresa reembolsaria os consumidores no valor integral investido, a partir de março, mas a entidade decidiu encaminhar logo o caso para a polícia após o aumento do número de denúncias. Na Junta Comercial de São Paulo, os sócios da MSK são identificados como Glaidson Tadeu Rosa e Carlos Eduardo de Lucas.
Dois clientes da empresa, que só aceitaram falar sob a condição de anonimato, disseram à Bloomberg Línea que, na hora de justificar o sumiço do dinheiro, os empresários culparam o trader Saulo Gonçalves Roque, que supostamente seria responsável pela gestão da carteira de criptoativos, já foi alvo de denúncia de estelionato e estaria foragido atualmente.
A Bloomberg Línea procurou ouvir a empresa pelo número de celular e e-mail indicados em sua página na internet, mas não obteve sucesso. Segundo o relato de um dos clientes lesados, um gerente de produtos de 41 anos de idade, que diz ter perdido R$ 310 mil, havia a promessa de pagamento de 4% de rendimento mensal. Ele afirma ter iniciado com um aporte de R$ 100 mil em 2020 após o insistente convite de amigo que trabalhava como agente da MSK, encarregado de recrutar investidores.
O cliente contou que, no início, desconfiava de pirâmide e chegou a alertar o amigo sobre o risco de prisão, mas depois ele lhe mostrou comprovantes de comissões mensais de R$ 30 mil e até apareceu dirigindo um carro de luxo novo, modelo Land Rover. Ele relatou ainda que todo mês questionava o amigo sobre a liquidez da empresa, se havia alguma irregularidade, mas o agente da MSK respondia que os traders da empresa eram “gênios que se protegiam contra a variação do bitcoin”. No fim de 2021, veio a notícia de que a empresa não faria os pagamentos mensais, como confirmou o Procon-SP.
Já outra cliente, que é advogada, afirmou que o número de pessoas lesadas seria bem maior do que o total de queixas registradas no Procon. Ela diz que a MSK teria cerca de 3.500 clientes e que, juntos, teriam cerca de R$ 700 milhões administrados pela empresa. Após o desaparecimento dos recursos, um grupo de clientes se articulou para tornar a história de conhecimento público, compartilhando informações. Uma página no Instagram (MSK Em Busca da Verdade) foi criada e hoje tem 219 seguidores, com postagens sobre a repercussão do caso.
A Polícia Civil não divulgou ainda os próximos passos da investigação. Um dos depoentes diz temer que o caso não resulte em punição dos responsáveis e que nunca mais reveja suas economias.
Golpes
Pirâmides financeiras são esquemas irregulares para captação de recursos da população, em que lucros ou rendimentos são pagos com os aportes de novos participantes, que pagam para aderir à estrutura.
Há outros tipos de ofertas irregulares que podem levar o investidor ao prejuízo. Além das pirâmides financeiras, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) alerta sobre quatro outros golpes:
- Esquemas “Ponzi”: O esquema “Ponzi” também não oferece uma oportunidade real de investimento, mas se difere da pirâmide pois o “investidor” não precisa atrair novos investidores. A aparência de ser um investimento de verdade pode ser maior, pois os recursos são entregues a uma pessoa que promete restituir os valores com maior rentabilidade, mas os lucros são pagos com recursos novos, como na pirâmide. A diferença é que a “vítima” não precisa realizar esforços para atrair novos investidores. Assim, normalmente são classificados como ofertas públicas de contratos de investimento coletivo e recaem sob competência da CVM
- Ofertas irregulares e marketing multinível: Tradicionalmente, o marketing multinível é uma forma de remunerar quem atua em venda direta ao consumidor (“porta a porta” ou por catálogo). Nela, o revendedor ganha não apenas pelo que vende, mas também pelo que vendem os revendedores que vierem a recrutar. Ocorre que pessoas mal-intencionadas podem utilizar essa estrutura para dar uma aparência de legitimidade a pirâmides financeiras. Alguns pontos para prestar a atenção:
- Exigência de pagamento inicial alto para aderir ao esquema, especialmente se comparado com o custo do produto e muitas vezes sem uma contrapartida real (kit de produtos)
- Falta esforço real de vendas do produto/serviço. Pode até haver alguma atividade, mas ela faz pouco sentido, não tem um valor real ou poderia ser realizada por um software
- Promessa de altos ganhos, normalmente em pouco tempo, sem um real esforço do participante com a venda de produtos
- Mercado Forex: Ofertas de investimentos no mercado de moedas Forex, existente no exterior, mas para o qual não há, no momento, instituição brasileira autorizada. Com promessas de rentabilidade extraordinária, muitos investidores aplicam nesse mercado sem o conhecimento adequado das suas reais características e, principalmente, dos riscos envolvidos. Entre esses riscos, está o de as ofertas públicas desses produtos não estarem sendo feitas de acordo com a regulamentação brasileira, por não terem sido registradas na CVM e nem serem conduzidas por intermediários autorizados. Assim, há o risco de que o valor investido não seja, realmente, aplicado nesse mercado
- Investimentos em criptoativos: Os criptoativos são ativos virtuais, protegidos por criptografia, presentes exclusivamente em registros digitais, cujas operações são executadas e armazenadas em uma rede de computadores. Há situações onde os criptoativos podem ser caracterizados como valores mobiliários, por exemplo, quando configuram um contrato de investimento coletivo. Nessa situação, a oferta deve ser realizada de acordo com a regulação da CVM. Quando se tratar só de uma compra ou venda de moeda virtual (ex. Bitcoin), a matéria não é da competência da CVM