PicPay quer IPO para aliar crescimento e lucratividade frente à agressiva concorrência
Confirmando um dos movimentos mais aguardados no mercado neste ano, o PicPay protocolou seu pedido de oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). Ao propor a listagem de seus papéis na Nasdaq, a empresa é mais uma das brasileiras a buscar um melhor valuation no mercado norte-americano, e a escolha tem razões claras: crescimento e lucratividade. Enquanto a primeira parte já está em curso, a segunda ainda deixa a desejar.
Nos últimos anos, o PicPay cresceu com fortes investimentos em marketing e patrocínios para atrair público para sua plataforma. Desde o ano passado, a empresa tem seu nome ligado ao Big Brother Brasil, programa de grande audiência da Globo, visibilidade proporcionada por um investimento avaliado em R$ 50 milhões.
A parceria junto à cantora Iza e demais personalidades também trouxe resultados: de 10 milhões de clientes em 2018, esse número pulou para 50 milhões na última semana. Em entrevista ao SUNO Notícias no início deste ano, o fundador da fintech, Anderson Chamon, disse que a meta é chegar a 100 milhões de usuários em até três anos.
Para isso, o PicPay usará os recursos líquidos levantados com o IPO para investir em seu ecossistema. Além de ampliar sua carteira digital, o prospecto da oferta cita aportes e-commerce e marketplace de produtos financeiros, nichos que estão na boca do mercado.
O timing da oferta não poderia ser melhor para a empresa fundada no Espírito Santo, em 2012. Segundo um estudo da Americas Market Intelligence, o número de “desbancarizados” no Brasil, ou seja, aqueles que não possuem conta em bancos e fintechs, diminuiu 73% na pandemia. O mercado endereçável está em franco crescimento.
O desafio da lucratividade do PicPay
Não sendo exclusiva dentre as empresas de alto crescimento no segmento de tecnologia, o PicPay ainda demonstra dificuldades para ser lucrativo. No ano passado, a empresa teve uma receita líquida de R$ 389 milhões, e um prejuízo líquido de R$ 803,7 milhões.
Por mais que as perdas acumuladas no balanço patrimonial somem R$ 1,18 bilhão, o Volume Total de Pagamentos (TPV, na sigla em inglês) em 2020 foi de R$ 49 bilhões. Esse é um dos mais importantes itens para se avaliar empresas do modelo do PicPay.
Esse índice é utilizado para medir o volume de dinheiro transacionado através dos meios de pagamento de uma empresa. Também é visto como útil na mensuração de penetração de um mercado específico e participação neste mercado.
Com a visão de se tornar um superapp, a empresa se espelha no WeChat. A rede social chinesa oferece serviços de wallet e produtos financeiros e é controlada pela Tencent — que somente no terceiro trimestre do ano passado teve um lucro líquido de US$ 5,8 bilhões.
O PicPay tem dito que os prejuízos são puramente fruto da escolha pela forte expansão e que a companhia já opera com margens positivas, já estando “pronta” para dar lucro.
Mesmo que em suas campanhas promocionais a empresa diga que “não é sobre dinheiro”, mas sim facilitar a vida de seus clientes, a sinalização é importante pois no longo prazo é isso que Wall Street procura nas empresas.
Dinheiro no bolso para encarar concorrência acirrada
A intenção do PicPay, segundo o prospecto arquivado na U.S. Securities and Exchange Commission (SEC), xerife do mercado de capitais dos Estados Unidos, é realizar uma oferta inteiramente primária, ou seja, com todos os recursos sendo direcionados ao caixa da empresa.
O capital também será injetado na expansão da empresa e ganho de market share, em meio à uma feroz concorrência no setor. Em seu nicho, o PicPay tem ao menos três grandes competidores:
- Mercado Pago;
- PagBank;
- Ame Digital.
Segundo a Similarweb, consultoria de dados e inteligência empresarial, o PicPay conseguiu ultrapassar o Mercado Pago em downloads do aplicativo. Na mesma comparação, a fintech também tem se aproximado na métrica de usuários ativos diariamente (DAU), que Mercado Pago leva vantagem por contar a base imensa de vendedores do Mercado Livre (MELI34).
O Ame também não deixa a desejar, o que não polariza o mercado. No primeiro trimestre deste ano, a plataforma teve um crescimento de 324,9% em tráfego no aplicativo. O PicPay, logo atrás, teve um avanço de 315,16%.
Mais que uma fintech
Seguindo a onda das concorrentes e aproveitando a descentralização do sistema bancário brasileiro, o PicPay também enxerga na oferta de produtos financeiros um futuro promissor. O primeiro passo neste sentido foi amplamente conhecido no fim do ano passado.
Com o objetivo de atrair potenciais consumidores, o PicPay propôs a remuneração de 210% do CDI em sua carteira digital. Chamon disse ao SUNO Notícias no início deste ano que essa foi uma ferramenta para trazer novos usuários para dentro do ecossistema.
Logo após a taxa básica de juros (Selic) ser elevada em março — o que elevaria os custos da fintech com a manutenção da proposta — a empresa mudou a campanha promocional para uma taxa de 150%. A nova rentabilidade prometida ainda é maior do que a praticada pelo Nubank, por exemplo, que remunera em 100% o dinheiro parado na conta.
Contudo, vale ressaltar que, diferente do Nubank, o dinheiro na conta do PicPay não é protegido pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC), entidade privada que cobre depósitos de até R$ 250 mil em casos de problemas com a instituição financeira.
Alguns produtos relacionados a crédito já são oferecidos na plataforma, que informou neste mês que entrará no segmento de comércio eletrônico. Em constante movimento em busca do melhor modelo para crescer seu público alvo, o PicPay deve receber de braços abertos os milhões de dólares do IPO no exterior para seguir com seus planos.
A resiliência do PicPay
Por ser uma fintech e não ter suas estruturas engessadas como players do passado, o PicPay não tem medo de mudar sua forma de atuar no mercado — tampouco seguir (ou não) com seus planos em caso de agitação na gestão da empresa.
No fim do mês passado, a empresa comunicou a saída do vice-presidente Financeiro e de RI, Rômulo Dias. O executivo deixou sua cadeira na gestão da empresa pouco mais de um mês depois de assumir o cargo.
O executivo, ex-CEO da Cielo e do PagSeguro, havia chegado à companhia em meio à contratação de um time de peso para levar adiante o plano agressivo de expansão. Embora as razões da saída tenham sido motivadas por questões pessoais, o PicPay deu continuidade ao processo de abertura de capital, o que demanda um time de RI robusto.
Mais mudanças estão à vista: o IPO dará espaço para uma reorganização societária. O grupo J&F da família Batista passará a controlar a fintech, enquanto o Banco Original deixará de ser acionista da empresa.
Por meio do ticker PICS, o PicPay deve estrear na Bolsa norte-americana em maio. A faixa indicativa de preços das ações e o tamanho da oferta serão divulgados até o dia 4.