Embora os analistas ouvidos pelo Estadão tenham divergências em suas projeções sobre a duração e a intensidade da inflação nos próximos meses, a maioria converge para a constatação de que o Brasil, há décadas, vive em um contexto propício à estagflação. “O Brasil vive uma situação de ‘estagflação’ há muito tempo. A economia não consegue crescer, mas a inflação acontece”, afirma o economista-chefe da agência de risco Austin Rating, Alex Agostini.
Ele sustenta a sua observação ao citar que, nos últimos dez anos, de 2012 a 2021, a média de crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) deverá ficar em 0,4%, e a da inflação anual ficará em 5,9% pelo IPCA.
Segundo o Novíssimo Dicionário de Economia, organizado por Paulo Sandroni, “estagflação” é uma “situação” que ocorre na economia, quando “a estagnação ou o declínio do nível de produção e emprego se combinam com uma inflação acelerada”. É um quadro atípico, diferente do funcionamento “normal” das economias, conforme descrito pela teoria econômica clássica.
O funcionamento típico parte do princípio que a dinâmica de preços passa, principalmente, pelo jogo entre oferta e demanda. Quando a economia cresce, empregos são gerados e a demanda aquece, favorecendo reajustes de preços e a inflação. Quando a economia se retrai ou cresce muito pouco, o desemprego sobe e a demanda esfria, arrefecendo a inflação. Os bancos centrais fixam suas taxas básicas, principalmente, para atuar sobre a demanda – mais crédito a juros baixos estimula a demanda, menos crédito a juros elevados produz o efeito inverso. Vários outros fatores, como expectativas e indexação, atuam na dinâmica de preços, mas uma economia estagnada não deveria ter inflação.
A “estagflação” não é um conceito teórico. Na explicação mais recorrente, o termo foi cunhado pelo parlamentar e ex-ministro britânico Iain Macloed, no Parlamento inglês em 1965. O rótulo colou e se popularizou nos mercados financeiros na década de 1970, por causa das crises do petróleo.
Choque na economia
Quando os principais países produtores do Oriente Médio se organizaram para controlar a oferta de petróleo, os preços dispararam. Foi um choque de oferta inesperado, com efeitos atípicos sobre as economias. Os países se viram com dificuldades para obter um importante insumo para a produção – portanto, para o crescimento econômico. Ao mesmo tempo, tudo o que tinha o petróleo como insumo ficou mais caro, e os reajustes chegaram ao consumidor. O resultado foi crescimento estagnado com preços em alta.
Quase meio século depois, a covid-19 foi outro choque inesperado. A necessidade de restringir o contato social desorganizou a economia mundial. Pelo lado da oferta, fábricas foram fechadas nos primeiros meses, o sistema de transporte marítimo travou e paradas de produção em cascata causaram escassez e encarecimento de componentes. Pelo lado da demanda, especialmente após os meses iniciais, as famílias deixaram de gastar com serviços e passaram a gastar com bens, movimento turbinado por políticas de transferência de renda em diversos países. A combinação de oferta restrita com demanda elevada resulta em inflação, até na Europa e nos EUA.
Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), ressalva que o quadro atual é diferente , por exemplo, da ‘estagflação’ do início dos anos 1990, quando “havia um descolamento: a demanda podia cair, a economia retrair, mas a inflação continuava. Não temos isso agora”.
Para a economista e consultora Zeina Latif, o BC precisará de ajuda em seu trabalho. “Encaminhar melhor a questão fiscal reduziria a pressão sobre o dólar. Isso aliviaria o trabalho do Banco Central na política monetária e, indiretamente, nas expectativas inflacionárias”, afirma.
Economistas avaliam como enfrentar a ameaça de uma estagflação no país
Com a economia estagnada e a inflação disparando, o fantasma da estagflação volta a ameaçar o dia a dia dos brasileiros. Causado por efeitos inerentes à pandemia de covid-19, que afetam todas as economias do mundo de forma inédita, o cenário é agravado no Brasil pela estiagem e pela crise política. Segundo economistas ouvidos pelo Estadão, para fugir da armadilha, no curto prazo, a elevação dos juros ajudará a arrefecer a inflação a partir de 2022, mas com uma freada na atividade econômica e o desemprego elevado como efeitos colaterais. No longo prazo, a saída passa por estabilizar a crise política e avançar na agenda de reformas, dizem os especialistas.
Indicadores recentes já apontam para a combinação de estagnação econômica e inflação. O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 0,1% no segundo trimestre, ante os três primeiros meses do ano. Projeções sugerem que o PIB ficará no zero a zero no terceiro trimestre. Ao mesmo tempo, o IPCA acumulado em 12 meses chegou a 9,68% em agosto.
Para o chefe de pesquisa macroeconômica do banco Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos, é possível que o quadro “de inflação alta e crescimento baixo” se mantenha por “mais alguns trimestres”, mas a duração total dependeria do grau de incertezas políticas até as eleições de 2022. “Quando essa energia da recuperação da atividade reprimida começar a se exaurir, tenho quase certeza de que vamos voltar ao crescimento medíocre de antes”, afirma.
Acelerar o crescimento passa por fazer reformas, na visão de Agostini. Sem melhorar o sistema tributário e retirar tarifas de importação que dificultam a competitividade, os negócios ficam travados.
As reformas poderiam atacar também a indexação de contratos, principalmente dos serviços públicos, como a eletricidade, que pioram a “estrutura da inflação”. Os contratos de prestadores de serviços públicos têm reajustes baseados nos IGPs, índices muito influenciados pelo atacado e pelo dólar. Assim, a inflação passada contamina a futura, mesmo que a demanda esteja fraca, com a economia estagnada ou em queda. “Isso vai gerando uma perda de eficiência do poder de compra do consumidor”, diz Agostini.
Especialista em inflação e professor da PUC-Rio, Luiz Roberto Cunha ressalta que, após o controle de hiperinflação, nos anos 1990, a economia do País entrou num estágio de baixo crescimento com inflação mais elevada do que em outros lugares. O problema, ressalta, é que o Plano Real ficou incompleto, não avançou nas reformas fiscal, tributária e administrativa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.