Nas últimas semanas, as ações da Petrobras (PETR4) foram alvo de uma forte onda de pessimismo na Bolsa brasileira. Com a interferência política na direção da empresa, quatro conselheiros pediram para sair, acumulando mais incertezas no papel e fazendo com que a empresa se descolasse dos pares globais, sendo um verdadeiro “patinho feio” do setor.
Mesmo com a disparada do preço do preço do barril de petróleo Brent e a valorização do dólar frente ao real, a Petrobras ficou para trás em relação aos seus concorrentes.
No agregado deste ano, o Brent já subiu 23%, sendo negociado próximo dos US$ 65 e se recuperando da baixa histórica forçada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Em 21 de abril de 2020, a commodity era cotada a US$ 19,33 o barril.
A divisa norte-americana, por sua vez, sobe mais de 8% no ano frente ao real. Em condições normais e de mercado, esses fatores fariam com que a Petrobras surfasse a onda positiva para o setor, mas não é o que tem acontecido.
Embora ainda seja mais rentável que seus concorrentes, as incertezas fizeram com que a companhia passasse a negociar com desconto em comparação aos concorrentes na maior parte de seus múltiplos.
Quando avaliada sob a ótica do indicador EV/Ebitda, que compara o valor da companhia, somado às dívidas menos o caixa disponível, com o Ebitda, a empresa negocia no menor patamar do setor. Do ponto de vista do Preço sobre Valor Patrimonial (P/VP), ela é cotada abaixo do patrimônio, a menos de 1.
EMPRESA | EV/EBITDA | P/VP | |
PETROBRAS | 5,59 | 0,89 | |
PETRORIO | 9,71 | 5,00 | |
EXXON | 17,57 | 1,52 | |
SHELL | 7,49 | 1,13 | |
CHEVRON | 18,76 | 1,56 | |
BP | 54,49 | 1,58 |
Para Henrique Esteter, analista da corretora Guide, o descasamento dos preços da Petrobras frente aos pares globais, hoje, faz sentido. “Devemos observar os concorrentes se beneficiando do cenário positivo, enquanto a Petrobras deve deixar esse momento passar.”
Para o analista, o momento é nebuloso para a empresa. “Mesmo já tendo perdido muito valor de mercado nos últimos dias, enquanto não houver uma visibilidade maior sobre o futuro das companhias e as possíveis ingerências, os investidores vão continuar batendo no papel”, afirma.
Nos últimos 30 dias, os papéis da companhia recuaram mais de 26%, o que representa uma perda de aproximadamente R$ 100 bilhões em valor de mercado. Em dólar, com base na cotação de ontem, a capitalização da petroleira está em US$ 48,86 bilhões, um dos menores patamares dos últimos anos.
A corretora possui um preço-alvo de R$ 24 para as ações da Petrobras, o que representa um upside de pouco menos de 9% sobre o fechamento de ontem. A recomendação, contudo, é neutra e está aberta a alterações. “Atualmente, prefiro muito mais estar posicionado em um concorrente, mesmo que de menor tamanho, como a PetroRio (PRIO3)“, comenta Esteter.
Petrobras sempre deve negociar com desconto
O mercado sempre opera na expectativa. O ditado “sobe no boato, cai no fato” expressa a movimentação dos investidores enquanto não existem certezas. Ao mesmo tempo, quanto maiores as incertezas — sobretudo quando se trata de expectativas negativas –, maior a pressão sobre as ações.
Para Luiz Caetano, analista da corretora Planner, os investidores estão receosos devido ao passado recente da estatal. Durante o governo da ex-presidente Dilma, a Petrobras registrou volumosos prejuízos, ocorridos em função da falta de uma política de preços e de fortes intervenções estatais.
“Entre 2013 e 2016, a empresa chegou a uma situação dramática em termos operacionais e financeiros. Houve investimentos elevadíssimos, mas com a manutenção de preços abaixo do mercado internacional, que é o que está sendo cogitado agora”, relembra Caetano.
O especialista diz que, por mais que efetivamente não tenha acontecido nada com a Petrobras nas últimas semanas, o medo pela volta dessa situação apavora os investidores, que descontam nas cotações. “A declaração de que a Petrobras deve ter uma função social é assustadora”, afirma.
Para ele, caso a companhia volte a ter os mesmos problemas da recessão, pode ser negociada a preços do patamar daquele período novamente.
Caetano diz que a Petrobras sempre terá um desconto frente aos pares, justamente por conta dos recorrentes eventos de natureza similar aos ocorridos nas últimas semanas.
Para ele, esse risco palpável justifica a perda do valor de mercado. “Esse descasamento das cotações da Petrobras expressa a ponderação que os investidores dão para esse tipo de situação.”
“Pode ser uma oportunidade? Sim, pode. No entanto, sempre o cenário para a Petrobras sempre terá esse ‘mas’. Seus concorrentes não sofrem interferências dessa magnitude”, afirma o especialista.
Fluxo de caixa ainda é incerto
Os analistas ressaltam que, em meio a falta de visibilidade sobre os próximos passos do governo, é difícil de mensurar o caminho que a empresa trilhará. Nem mesmo a indicação de Bolsonaro para a presidência, do general da reserva Joaquim Silva e Luna, foi confirmada pelo Conselho da petroleira.
“Ainda não conseguimos estabelecer um valor justo para a companhia pois estamos acompanhando tanto o petróleo quanto o dólar em movimentos altistas, e ambos constituem os preços de produção da Petrobras”, disse Esteter, da Guide.
O analista diz que ainda não dá pra saber qual é possível tamanho do dano. “Não temos como prever para onde o petróleo vai e se haverá maiores interferências do governo.” “Pior do que o controle de preços é a incerteza”, diz.
Ele ressalta que a Petrobras já está praticando preços abaixo do mercado internacional, entre 8% e 10%. Caso essa tendência seja acentuada, pode trazer consequências negativas para a empresa, como citou o ainda presidente Roberto Castello Branco na última teleconferência de resultados.
Para Caetano, as variáveis ainda estão nebulosas no momento. Caso o preço do petróleo recue e o real se valorize frente ao dólar, por exemplo, as preocupação não devem ser grandes, embora não seja o cenário base.
Luz no fim do túnel: geração de caixa justifica oportunidade de compra
O pessimismo com a Petrobras, todavia, não é consensual no mercado. Dentre os grandes bancos, o UBS reiterou a recomendação de compra das ações da empresa mesmo em meio ao caos da demissão de Castello Branco.
Em relatório divulgado no dia 23 de fevereiro, quando a empresa era cotada a R$ 24,06 (8% acima do preço atual), o banco disse que a queda na cotação foi uma reação exagerada ao fluxo recente de notícias. A assimetria, diz a instituição, parece enviesada para o lado positivo.
Para Felipe Tadewald, especialista em renda variável da SUNO Research, o mercado está precificando “uma Petrobras que a qualquer momento pode represar preços ou mesmo servir para outras razões populistas. O que é negativo para os fundamentos da empresa e traz incertezas”.
O gráfico abaixo demonstra o EV/Ebitda da Petrobras, na linha cinza, em comparação aos pares desde o início do ano. Mesmo com a forte recuperação do preço do petróleo, a avaliação do mercado frente à geração de caixa da empresa diminuiu.
É improvável, para Tadewald, que a companhia volte a negociar nos patamares de 2016, quando chegou a estar na casa dos R$ 4. Na visão do especialista, naquela época a empresa tinha eficiência operacional e produtividade menores.
“Hoje o pré-sal ganha cada vez mais espaço nas receitas da companhia e a capacidade produtiva é bem maior.” Com isso, a Petrobras fica menos dependente da importação da commodity para abastecer o mercado interno.
“Em nossa opinião, o potencial de geração de caixa da empresa é enorme. Mesmo que coloquemos nos cálculos uma defasagem de até 20% nos preços internacionais, teremos uma empresa que gera muito caixa e altamente rentável”, reiterando que, no atual patamar, os preços da Petrobras estão atrativos para compra.
O mercado resolveu dar um fôlego aos papéis da petroleira, que operam em forte alta neste início de tarde. Por volta das 12h35, as ações preferenciais da Petrobras subiam 4,44%, para R$ 22,13.