Petrobras (PETR4): minoritário aponta risco judicial por abuso de poder de Bolsonaro
Declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra a política de preços da Petrobras (PETR4) e a maneira como a União decidiu substituir Joaquim Silva e Luna da presidência da companhia podem configurar abuso de poder pelo acionista controlador, que é a União. A análise é do economista e advogado Francisco Petros, ex-conselheiro e ex-diretor de pessoas da estatal e especialista em Direito Societário. Petros foi indicado para compor o conselho de administração e aguarda votação pela assembleia geral, que acontece no dia 13 de abril. Seu nome foi levado à empresa pelos minoritários.
“São temas que dependem de uma construção jurídica mais concreta, mas que podem levar a empresa a responder ações coletivas e de responsabilização civil ou a enfrentar um processo de arbitragem”, afirma, em entrevista à Bloomberg Línea.
O advogado explica que a Lei das Sociedades por Ações, ou Lei da S.A., considera abuso de poder do controlador atos que o beneficiem ou que sejam considerados prejudiciais à empresa.
“Ou seja, o que temos é o seguinte: a lei diz quais são as obrigações e prerrogativas do controlador e diz que se ele incorrer nas situações descritas como abuso ou se exceder em seus poderes, está passível de ser processado”, afirma Petros. Ele chama atenção ainda para o artigo 159, que autoriza a própria empresa a ajuizar uma ação de responsabilização (ou ação por danos morais e materiais) contra o controlador.
Um exemplo do que Petros descreve seria mudar a política de preços da empresa para baixar o custo do petróleo em detrimento dos direitos dos acionistas. Outro seria a nomeação de um presidente que tenha se comprometido a agir para reduzir o preço do petróleo em detrimento da margem de lucro da companhia, afirma.
Bolsonaro vem desde o início do ano reclamando da política de preços da Petrobras. Em março, a empresa anunciou reajuste de 18,7% na gasolina e 24.9% para o diesel.
Uma semana depois, Bolsonaro disse que a Petrobras “não é o que eu gostaria, não”. “Não mando na Petrobras, não tenho ingerência sobre ela, mas o que a gente puder fazer, a gente faz”, disse a apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada.
Na semana passada, o governo enviou sua lista de indicados para compor o conselho de administração da companhia e não reconduziu o presidente, o general Joaquim Silva e Luna. Para o lugar dele, indicou o economista Adriano Pires. Para a presidência do conselho de administração, o indicado foi o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim.
Ambos depois desistiram de aceitar o convite do governo para os cargos. Alegaram que não poderiam continuar em suas atividades empresariais e entrar na Petrobras sem incorrer em conflito de interesses.
Na quarta-feira (6), o governo indicou José Mauro Coelho, ex-secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia para presidir a estatal. Ele é próximo do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e ficou na pasta até outubro de 2020, quando se demitiu no mesmo dia em que diversos secretários do Ministério da Economia deixaram seus cargos.
Enquanto não indicava Coelho, no entanto, o governo enviou sinais confusos sobre a Petrobras. Chegou circular no mercado a informação de que Silva e Luna seria mantido no cargo, mas o general negou o boato, dizendo-se insatisfeito com as interferências políticas em seu trabalho.
Antes da indicação definitiva do ex-secretário do MME, um dos cotados para presidir a Petrobras foi o secretário de Desburocratização do Ministério da Economia, Caio Paes de Andrade. Ele é próximo do ministro Paulo Guedes, mas é mal visto por não ter experiência no setor de óleo e gás e ser considerado um remendo político para o ano eleitoral.
Petrobras: Maioria de minoritários
Provável representante dos minoritários no próximo conselho, Francisco Petros não gosta do termo para designar os acionistas privados da companhia. “Hoje, 64% das ações da Petrobras estão nas mãos dos ‘minoritários’. A União é a acionista controladora, mas não detém a maioria do capital”, afirma.
“Portanto, uma ação adotada com o objetivo de reduzir a margem de lucro é uma ação contra 64% do capital da companhia. Isso pode, sim, ser entendido como abuso de autoridade por parte do controlador.”
E resume: “Se uma coisa é prejudicial à empresa, mas é feita mesmo assim e por ordem do controlador, é abusivo. E é indenizável porque retira dinheiro e direitos dos acionistas”.
Cadáveres da Lava Jato
Petros foi membro do conselho de administração da Petrobras entre 2015 e 2018. Ele foi um dos responsáveis pela reestruturação da empresa logo depois da Lava Jato, com a criação de um programa de governança corporativa e de alterações no estatuto para impedir que a companhia voltasse a ser vítima de indicações políticas com fins escusos, conforme foi descoberto pelas investigações da Lava Jato.
Uma de suas contribuições foi o artigo 23 da atual versão do Estatuto Social da Petrobras. O artigo diz que “os membros do conselho de administração e da diretoria executiva responderão, nos termos do artigo 158, da Lei 6.404, de 1976 [Lei das S.A], individual e solidariamente, pelos atos que praticarem e pelos prejuízos que deles decorram para a companhia”.
“O que estamos vendo é mais um dos cadáveres da Lava Jato. A operação acabou e algumas coisas voltam a acontecer: o presidente da República decide demitir o presidente da companhia porque não concorda com a política de preços, e aí não consegue encontrar alguém qualificado para o lugar. É inacreditável que isso ainda aconteça”, diz Petros, em entrevista à Bloomberg Línea.
Segundo ele, as indicações políticas estão na raiz dos problemas que a Petrobras enfrentou anos atrás.
Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da estatal, por exemplo, era uma indicação do PP, que fazia parte da base dos governos petistas no Congresso – e também faz parte da base do governo Bolsonaro. Já a Diretoria Internacional era da cota de indicações do MDB (na época, PMDB).
Costa foi o responsável pela principal delação premiada usada pelo Ministério Público Federal para construir as denúncias apresentadas à Justiça. Segundo o ex-diretor, a Petrobras era parte de um esquema de superfaturamento de contratos com grandes construtoras, que subornavam diretores da estatal e doavam parte dos lucros com esses contratos ao sistema político.
As revelações também foram usadas por um grupo de acionistas da Petrobras nos Estados Unidos. Numa ação coletiva, eles acusaram a empresa de descuidar de seus processos internos e expor os investidores e acionistas a situações de corrupção e improbidade administrativa.
Esse processo resultou no pagamento de uma multa de US$ 3 bilhões pela Petrobras à SEC (Securities and Exchange Commission, órgão regulador do mercado de capitais dos EUA). Petros foi um dos responsáveis por negociar o valor com as autoridades norte-americanas e foi um dos pontos de contato da estatal com a comissão externa de investigação nomeada para apurar os desvios na empresa.
“A diferença do que acontece hoje para o que aconteceu naquela época é que hoje a empresa tem ferramentas jurídicas para se defender. Se o governo quer mexer no preço dos combustíveis, que o faça por meio de uma política pública, e não intervindo na Petrobras”, conclui o advogado.