PEC dos Precatórios: Comissão na Câmara aprova texto que muda cálculo do teto de gastos
A reunião da Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição dos Precatórios na Câmara dos Deputados tinha sido adiada nesta tarde, mas, agora à noite, os parlamentares voltaram a debater a questão e aprovaram, por 23 votos contra 11, texto da PEC dos Precatórios. A proposta limita o pagamento de precatórios, permitindo descontos e reajuste pela taxa Selic. O texto aprovado é o substitutivo do relator, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), à PEC do Poder Executivo e muda o cálculo de reajuste do teto de gastos. Permite assim contornar a regra de ouro por meio da lei orçamentária.
A comissão especial que analisa a PEC dos precatórios concluiu a votação do texto, que adia o pagamento de parte das dívidas judiciais do governo e altera a regra de correção do teto de gastos. Combinadas, as mudanças vão abrir R$ 83,6 bilhões no teto em 2022, segundo cálculos do governo revelados pelo Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado. O governo Jair Bolsonaro terá esse espaço à disposição no ano em que o presidente buscará a reeleição.
A votação dos destaques não resultou em nenhuma nova alteração no texto, que deve ir a plenário na semana que vem. Ao final da sessão, o relator, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que a decisão de mexer nas regras para assegurar um pagamento de R$ 400 até dezembro de 2022 a 17 milhões de famílias do Auxílio Brasil é política.
“Essa é uma decisão política, e esta Casa está aqui para decidir ouvindo a população”, afirmou.
“Apesar de toda turbulência, de tudo que foi dito, acredito que encontramos caminho de equilíbrio”, acrescentou Motta. “Se tivesse de escolher duas palavras, diria que texto é justo e responsável.”
O relator calcula que o novo modelo de pagamento de precatórios deve permitir uma folga de quase R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões no Orçamento do ano que vem, além de outros R$ 39 bilhões por causa de mudanças nas regras fiscais.
Dos recursos gerados pela PEC, R$ 24 bilhões devem ser usados para o reajuste de despesas da União indexadas pela inflação. Hugo Motta observou que o texto também será fundamental para garantir o pagamento do Auxílio Brasil, com a previsão de R$ 400 para atender 17 milhões de famílias no ano que vem. A proposta ainda deve garantir R$ 11 bilhões para compra de vacinas em 2022.
O pagamento de precatórios, estimado em R$ 54,7 bilhões neste ano, pode subir para R$ 89,1 bilhões no ano que vem caso a PEC não seja aprovada pelo Congresso. A proposta ainda deve ser votada em dois turnos pelo Plenário da Câmara antes de seguir para o Senado.
Licença para gastos em 2022
A votação ocorreu horas depois de o governo fazer um acordo para mudar o teto de gastos e liberar mais R$ 83,6 bilhões para gastos em 2022, em ano eleitoral.
A discussão se deu pouco mais de seis horas após o relator, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), concluir seu parecer – ele próprio informou que finalizou a nova redação por volta de 14h.
A PEC dos precatórios foi enviada originalmente pelo governo para limitar o pagamento de dívidas judiciais e abrir espaço para o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil, com pagamento médio de R$ 300.
Na segunda-feira, porém, Bolsonaro determinou que o pagamento fosse maior, de ao menos R$ 400, o que estouraria o teto de gastos, que é uma regra fiscal que limita o avanço das despesas à inflação.
Após cogitar uma “licença para gastar” fora do teto (que a equipe econômica tentava travar em R$ 30 bilhões), o governo acabou decidindo pela mudança na fórmula de correção do limite, resultado em um espaço maior, de R$ 40 bilhões. A PEC dos precatórios serviu de veículo para a mudança.
Deputados da oposição reclamaram da celeridade e disseram ter tido acesso ao texto apenas 15 minutos antes da sessão e fizeram apelos para que a votação fosse adiada para semana que vem. “Não podemos fazer uma votação às cegas”, disse a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC).
Incorporada ao texto da PEC dos precatórios, colocada em discussão na comissão especial na Câmara no mesmo dia, a proposta muda a fórmula do teto, que hoje é corrigido pelo IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior ao de sua vigência. A ideia é adotar a correção da inflação de janeiro a dezembro.
Gastos adicionais
Com a mudança, Bolsonaro terá espaço para acomodar os R$ 51,1 bilhões de gastos adicionais com as mudanças no Auxílio Brasil (reajuste permanente de 20% mais a parcela temporária para chegar aos R$ 400) e também gastos com emendas parlamentares, preciosas para congressistas que também buscarão novo mandato em 2022.
A mudança de correção entrou na mesa de negociação diante da preocupação de parte do governo com a narrativa de furo no teto de gastos, da qual o governo queria se descolar. Na quarta-feira, 20, no Ceará, após confirmar o pagamento dos R$ 400, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que não haveria furo no teto.
“Temos a responsabilidade de fazer com que recursos saiam do Orçamento da União, ninguém vai furar teto, ninguém vai fazer nenhuma estripulia no Orçamento. Mas seria extremamente injusto deixar 17 milhões de pessoas com valor tão pouco (sic) no Bolsa Família”, afirmou Bolsonaro.
Um técnico experiente ouvido pela reportagem alerta, porém, que o “malabarismo retórico” em torno de furar ou não o teto não será suficiente para aplacar o temor do mercado financeiro com as mudanças, que ampliaram o nervosismo do mercado financeiro.
Em 2016, quando foi votada a criação do teto de gastos, chegou-se a cogitar que a correção do limite se desse pela inflação fechada do ano. Mas o formato final acabou privilegiando a inflação acumulada em 12 meses até junho por um motivo simples: a proposta de Orçamento é entregue até 31 de agosto do ano anterior ao de sua vigência. Saber de antemão a variação do teto facilita o processo de elaboração da peça.
Nos últimos anos, porém, a vantagem processual se converteu em uma dor de cabeça devido ao descasamento de índices de inflação, uma vez que dois terços das despesas, incluindo benefícios previdenciários, são corrigidos pelos índices do ano até dezembro. Se a inflação acelera no segundo semestre, os gastos crescem mais que o teto, e o governo é forçado a cortar despesas de outros lugares – como investimentos e emendas parlamentares.
PEC dos precatórios: limite ao pagamento de dívidas
Deputados contrários à PEC afirmam que a proposta tem motivos eleitorais, além de significar um calote no pagamento de dívidas do governo, desequilibrar as contas públicas e desviar recursos que seriam destinados à educação. A oposição fez várias manobras para obstruir e adiar a votação, argumentando que o relator fez modificações no substitutivo momentos antes da reunião e no mesmo dia houve pedido de exoneração de quatro secretários do Ministério da Economia.
O relator rebateu as acusações. “Não estamos tirando direito de ninguém. Não temos o interesse de prejudicar direitos adquiridos com decisões consolidadas que o Judiciário definiu”, defendeu.
O substitutivo limita o pagamento de precatórios ao valor pago em 2016 (R$ 30,3 bilhões), reajustado pelo IPCA. A estimativa é que o teto seja de quase R$ 40 bilhões no ano que vem. Ficarão de fora deste limite o pagamento de requisições de pequeno valor para o mesmo exercício, de até R$ 600 mil, que terão prioridade no pagamento.
Os precatórios que não forem expedidos por causa do teto terão prioridade para pagamento nos anos seguintes, reajustados pela taxa Selic, acumulada mensalmente. Atualmente, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a correção depende da natureza do precatório, podendo ser a Selic ou a inflação medida pelo IPCA mais 6% ao ano.
Para permitir o abatimento da dívida, o texto oferece aos credores a possibilidade de fechar acordo para receber o valor até o final do exercício seguinte, caso concordem com um desconto de 40%. Os valores necessários à sua quitação serão providenciados pela abertura de créditos adicionais em 2022.
A proposta do Poder Executivo estabelece ainda a possibilidade de “encontro de contas” quando se tratar de precatórios e dívida ativa. Assim, um contribuinte com direito a precatório poderá usá-lo para quitar obrigações com a União. Regra similar valerá também para estados, Distrito Federal e municípios.
Cálculo do teto de gastos
O substitutivo muda o cálculo do reajuste do teto de gastos. O novo dispositivo corrige o teto pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária, com base no período de janeiro a dezembro. Atualmente, é utilizado o IPCA para o período de 12 meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.
Esta mudança pode aumentar o teto de gastos para 2022, já que nas projeções do mercado a inflação deste ano poder ser superior. O índice acumulado em 12 meses até junho é de 8,35%, elevando a R$ 1,610 trilhão o teto de gastos estimado no projeto de lei orçamentária do ano que vem. Já o IPCA acumulado até setembro chega a 10,25%.
O relator alegou que a revisão do teto de gastos se deveu à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. “Não estava escrito que teria uma pandemia e tivemos de nos adaptar a este nova realidade. Precisamos encontrar espaço fiscal para comprar vacina”, argumentou. Outro motivo é sincronizar o tempo do reajuste do teto com o de reajuste do salário mínimo, que é de janeiro a dezembro. “Não estamos furando o teto e dando cheque em branco para o governo fazer o que quer.”
“Isso é responsabilidade fiscal?”
O deputado Gilson Marques (Novo-SC) criticou dispositivo que permite, por meio da lei orçamentária anual, contornar a regra de ouro. Com isso, o governo poderia contrair dívidas para pagar despesas correntes, como pagamento de pessoal, juros da dívida e manutenção da máquina pública. “Isso é responsabilidade fiscal?”, questionou Marques. Ele reclamou que nenhum dispositivo da PEC diminui despesas. “Vamos contrair mais dívidas e dar calote”, lamentou.
Atualmente, para contornar a chamada “regra de ouro”, a Constituição exige a aprovação, por maioria absoluta do Congresso, de crédito adicional com finalidade específica.
Recursos para educação
A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) afirmou que a proposta retira recursos da educação ao desvincular recursos de precatórios. “Se o governo securitizar dívida da educação, aqui está dizendo que o governo não tem obrigação de investir o recurso na educação”, comentou.
Idilvan Alencar (PDT-CE) lembrou que parte substancial dos precatórios se destina a repasses para a educação de estados e municípios referentes ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).
“Não estamos tirando direito de professor, não estamos tirando um real da educação nem prejudicando estados e municípios”, rebateu Hugo Motta.O substitutivo ainda autoriza os municípios a parcelar, em 240 prestações mensais, o pagamento de contribuições previdenciárias e outros débitos com vencimento até 31 de outubro de 2021. Ato do Ministério do Trabalho e Previdência definirá os critérios para o parcelamento, oferecendo as informações sobre o montante das dívidas, formas de parcelamento, juros e encargos incidentes.
A formalização dos parcelamentos deverá ocorrer até 30 de junho de 2022 e ficará condicionada à autorização de vinculação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para pagamento das prestações acordadas nos termos de parcelamento.
Em jeitinho fiscal, governo muda cálculo do teto de gastos na PEC dos Precatórios
A solução encontrada pelo governo federal para resolver o impasse financeiro do Auxílio Brasil foi revisar as regras do teto de gastos na PEC dos Precatórios. Na tarde desta quinta, parlamentares começaram a discutir na Câmara dos Deputados a possibilidade de rever o período considerado da inflação que corrige o limite de gastos da União.
A proposta do relator da PEC dos Precatórios, deputado Hugo Motta, é mudar o período de julho a junho – considerado atualmente para corrigir a inflação aplicada no teto de gastos – para janeiro a dezembro, abarcando um período maior de alta dos preços.
Com essa mudança, o relator da PEC dos Precatórios afirma que a folga do teto de gastos em 2022 será pouco acima de R$ 83,6 bilhões, o que abrange com folga os R$ 30 bilhões necessários para cobrir o Auxílio Brasil em R$ 400 mensais.
Com informações do Estadão Conteúdo e Agência Câmara