A pergunta que os investidores no mundo inteiro estão se pondo é simples e igual para todos: o coronavírus será a causa da próxima crise econômica global? A epidemia poderia frear o crescimento da China a ponto de, pela primeira vez na história, fazer o país asiático provocar uma recessão mundial?
A resposta, como tudo na economia, é incerta. Isso porque há muitas variáveis a serem consideradas. Além disso, não sabemos nem as causas, nem a amplitude da epidemia de coronavírus.
O pessimismo do pânico
De um lado, as repercussões econômicas do vírus podem ir muito além da desaceleração da China, gerando um efeito cascata em toda a economia mundial.
A epidemia tem o risco de se entrelaçar com uma crescente fragilidade nos mercados financeiros mundiais. E os sinais vindos do mercado não são encorajadores.
Em 2003, no auge da epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), as Bolsas de Valores do mundo inteiro perderam até 10%. Um mês depois, no entanto, já haviam recuperado todos os prejuízos.
Dessa vez, todavia, o coronavírus já infectou, e vitimou, um número muito maior de pessoas em comparação ao SARS. E, mais do que isso, forçou a China a se isolar: 4 mil quilômetros de fronteira com a Rússia sigilados, conexões aéreas interrompidas, fábricas e escritórios fechados.
Com a China blindada, em Wall Street muita gente começou a esperar uma queda parecida nos índices. A recuperação, todavia, poderia ser igualmente rápida. Tudo vai depender de quanto tempo durará a emergência.
Entretanto, não é apenas uma questão de duração. O mundo não é mais o de 2003, principalmente a China. E o mundo financeiro é muito menos sólido do que 2003. Estamos em um terreno desconhecido.
As previsões do impacto que essa epidemia terá sobre a economia chinesa estão ficando mais sombrias. A redução na taxa de crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) da China dificilmente será menor que um ponto percentual. E aqui começam as diferenças com a época da SARS.
Coronavírus chega em momento diferente da SARS
Em 2003, a economia do gigante asiático cresceu a uma taxa de 8%. Hoje está mostrando uma desaceleração acentuada: mesmo antes do início da epidemia, a expansão do PIB de 2020 estava prevista por volta de 6,1%. Muito menos do 6,5% indicado pelo Partido Comunista Chinês como o “Novo Normal”.
Em 2003 a China pesava por 4% no PIB global. Há dez anos, época da epidemia de H1N1, o PIB chinês representava 9,4% do total. Hoje chegou a 16%.
Por isso, um ponto a mais ou a menos de crescimento chinês faz muito mais diferença do que em 2003. Não somente para a China, mas para o mundo inteiro. Pequim, hoje, vale um terço do crescimento econômico mundial, e sua participação no comércio global é o dobro do que era em 2003.
Além disso, a demanda de petróleo da China caiu em 20%, ou cerca de 3 milhões de barris por dia. O choque mais grave sofrido pela demanda de petróleo desde a crise financeira de 2008-2009 e o mais rápido desde o ataque às Torres Gêmeas. E a reabertura das bolsas de valores chinesas, entre Xangai e Shenzhen, queimou US$ 420 bilhões em capitalização no primeiro dia.
Para determinar o impacto do coronavírus na economia chinesa, há também o peso do consumo, muito mais significativo do que na época de SARS. Em 2003 os investimentos pesavam 40% e o consumo 55% no crescimento anual do PIB. Em 2018, o consumo havia atingido 76,2% do PIB, com investimentos que chegaram apenas a 32,4%.
Por isso, uma queda no consumo terá um impacto maior no crescimento do que há 17 anos. E a leva dos investimentos terá um efeito menor na recuperação, limitando a atuação do governo de Pequim com políticas fiscais e monetárias.
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Uma paralisia na economia chinesa significa menos exportações, mas também um colapso das importações de matérias-primas, petróleo e alimentos. Para um comércio global que fechou 2019 como um dos piores anos da década, e já está caminhando para um 2020 longe de ser brilhante, é um problema sério.
Para o Brasil, que está saindo aos trancos e barrancos da pior recessão de sua história, e vende para a China mais do que um terço de suas exportações, é um motivo de alarme.
Antes do impacto na economia real, no entanto, será cada vez mais evidente o impacto da epidemia nos mercados financeiros, com o risco de efeitos pânico e cascata. A questão é que, desta vez, os mercados de capitais do mundo inteiro estão dopados pelas injeções de liquidez dos bancos centrais. Principalmente os dos EUA e da Europa, que talvez já estejam entrando em um momento de bolha, prontos para explodir.
Alguns investidores parecem já estar convencidos de que o coronavírus poderia ser o alfinete que ameaça detonar a bolha financeira global. Os rendimentos do Tesouro dos EUA em dez anos despencaram 17% no mês passado. Um sinal de que os preços dos títulos públicos americanos subiram à medida que aumentava a demanda de investidores que abandonavam as ações para se proteger na renda fixa.
Afinal, há dados alarmantes nos mercados. Hoje o valor de capitalização da “nata” das empresas doas EUA (o Enterprise Value) é igual a 3,6 vezes o faturamento. Quando explodiu a bolha .com, no começo dos anos 2000, era a metade disso. E o parâmetro mais conhecido, o preço/lucro, também está demasiadamente elevado. Normalmente, essa proporção é de 16. Hoje chegou a 25. Um sinal de que a diferença entre o valor de mercado de uma empresa e os lucros que devem justificá-lo está aumentando.
O otimismo da racionalidade
Por outro lado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) fez os cálculos sobre quanto deveria frear a economia mundial se a China reduzisse seu crescimento em 1%.
No caso, quem sofreriam mais seriam principalmente as economias asiáticas, mas com porcentagens entre o 0,35% e o 0,50%. Globalmente, o crescimento deveria passar de 3,1% para 2,9%. Uma queda pequena, se comparada com o alarme midiático da epidemia.
O Brasil sofreria também nessa mesma linha. Segundo o banco suíço UBS, o País crescerá apenas 2,1%, contra uma previsão anterior de crescimento de 2,5%. Entretanto, para 2021 a previsão foi aumentada de 2,5% para 2,8%.
Segundo o FMI, portanto, os reflexos de uma redução do crescimento da China não serão tamanhos para poder provocar uma recessão mundial. Uma prova também vem do fato que se as Bolsas de Valores asiáticas sofreram após a volta as bolsas dos EUA e da Europa continuam crescendo. Assim como a Bolsa de Valores de São Paulo (B3).
O S&P 500 fechou na última segunda-feira (3) em alta de 0,73%, enquanto o Ibovespa de 0,76%.
Portanto, fazendo bem os cálculos, e também contando com a possível rápida contenção do coronavírus em poucas semanas, os investidores não temem uma possível recessão global.
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