IPO do Nubank seria um gigante ou só conto de fadas? Veja opiniões

Demorou, mas chegou. O Nubank, um dos maiores bancos digitais do mundo, reportou ontem seu primeiro lucro. No período entre janeiro e junho deste ano, a fintech registrou R$ 76 milhões positivos, revertendo prejuízo de R$ 95 milhões apurado em igual período de 2020.

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A notícia vem em boa hora, afinal o Nubank aquece os motores para abrir capital nos Estados Unidos.

A listagem das ações da startup financeira deve acontecer na Nasdaq, celeiro das empresas de tecnologia. Foi lá que as brasileiras XP e Stone, dentre outras, procuraram abrir capital. O motivo é claro: maior valuation.

O Nubank, em agosto deste ano, demonstrou querer atingir um valor de mercado de até US$ 100 bilhões ao realizar sua oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). Na cotação atual, isso equivale a R$ 550,5 bilhões.

Claro, este valor seria o topo, assumindo que as propostas deem certo e passada a volatilidade do IPO. Se esse dia chegar, o Nubank valerá mais que Itaú (ITUB4), Bradesco (BBDC4), Banco do Brasil (BBAS3) juntos — e ainda leva metade do Santander (SANB11), com base nos preços atuais.

O lucro divulgado ontem, obviamente, é positivo — embora a fintech fale consistentemente que, por escolha própria, tinha prejuízo –, mas será que o IPO do Nubank vai sair em um preço tão alto assim?

A discussão entre velha economia e nova economia

O bom e velho value investing contra o growth investing. Há anos o mercado assiste a guerra entre adeptos do investimento em empresas que negociam a preços abaixo do seu valor patrimonial, contra a ideia de que vale a pena pagar por algo que ainda não se concretizou — ou ainda não cresceu o suficiente.

O IPO do Nubank pode vir a ser mais um dos grandes episódios desta discussão.

O Banco Inter (BIDI4), talvez o exemplo mais próximo do mercado brasileiro, embora com capilaridade inferior (14 milhões de clientes contra 41 milhões de clientes do Nubank), pode ser um balizador.

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Hoje, o banco de Belo Horizonte negocia com uma relação de preço/lucro de 1.577,11 vezes. Ou seja, um investidor teria de esperar um milênio e meio para que o capital investido retornasse em forma de lucro por ação (LPA), com base na cotação atual. É factível imaginar que o Nubank viria ao mercado ainda mais caro.

Porém, há quem olhe com bons olhos. Alan Gandelman, CEO da Planner, acredita que o IPO do Nubank terá uma forte demanda caso se concretize, e que o grande desafio diz respeito às condições do mercado.

“É mais uma questão do cenário do que do banco em si. O Nubank tem um charme todo próprio e é uma instituição ímpar entre seus pares”, diz.

Além do fato de o Nubank ser um precursor do mercado e contar com uma boa reputação, o especialista destaca os bons números do balanço. O banco digital encerrou junho com mais de 41 milhões de clientes no Brasil, marca 25% superior à atingida no semestre anterior.

As receitas de intermediação financeira da fintech no Brasil atingiram cerca de R$ 4 bilhões entre janeiro e junho, um aumento de 91% em relação ao mesmo período de 2020.

“Isso significa que o banco não está apenas focado no cartão de crédito, mas está entrando no mundo financeiro tradicional e fazendo isso bem.”

De acordo com ele, essa diversificação em um mercado extremamente competitivo é um bom sinal. “O aporte de Warren Buffet é outro indicador de sucesso.”

Nubank como player tecnológico e não bancário

É padrão de empresas de tecnologia sacrificar o resultado por muitos trimestres para crescer a base de clientes. Mais ou menos como em uma situação de “o primeiro leva tudo”, segundo Vitor Miziara, sócio da Criteria Investimentos.

“Os números de ontem são mais um sinal de que dá pra fazer lucro, antes de comemorar os resultados operacionais e fazer contas de valuation”.

A comparação com grandes bancos, para Miziara, talvez não faça tanto sentido. “O Nubank não está sendo precificado como um banco, mas sim como empresa de tecnologia, o que explica o múltiplo maior.”

A ideia é que, lá na frente, a estrutura da fintech esteja muito maior e que o custo de capital e demais encargos sejam consideravelmente menores que as grandes instituições.

“Alguns dos produtos do banco digital inclusive possuem taxas maiores do que os bancões, mas a ‘embalagem’ em que se apresentam, apostando na experiência do cliente, brilha aos olhos dos correntistas.”

Condição do mercado preocupa, mas é secundária

Para Heloïse Sanchez, da Terra Investimentos, embora o valor pareça bastante alto, a empresa ainda tem muito para crescer.

“O Nubank ainda aposta na proposta do educacional, sendo a favorita no público mais jovem, principalmente por ter sido efetivamente o primeiro banco digital.” A aquisição da Easynvest, segundo ela, traz novas possibilidades, novas receitas e, consequentemente, novos lucros.

A condição do mercado, sobretudo no que se refere ao tema do tapering nos Estados Unidos (processo de redução dos estímulos monetários pelo BC), deve se manter no radar, mas não é algo que preocupa no longo prazo, segundo ela.

O que pode preocupar são processos judiciais. Segundo a Veja, a Getnet, empresa de pagamentos do Santander, acusa o Nubank e a Mastercard de “severos prejuízos”. O suposto esquema já teria inflacionado a receita do banco digital em R$ 400 milhões.

O aporte de Buffett no Nubank e sua ‘vírgula’

Quando Buffett investiu no Nubank, em junho deste ano, financiou o fomento da oferta de produtos e a expansão internacional da fintech com US$ 500 milhões.

O investimento da Berkshire Hathaway foi visto com bons olhos pelos “futuristas”, e colocou uma pulga atrás da orelha dos tradicionais.

À época, porém, o valuation era estimado entre US$ 25 bilhões e US$ 30 bilhões. De lá para cá, em poucos meses, a estimativa de valor da empresa subiu quase quatro vezes.

A dúvida que fica dentre os investidores é se a entrega de resultados acompanhou essa disparada do valuation e, consequentemente, se vale a pena pagar tudo isso.

Segundo uma fonte do mercado, essa avaliação da fintech “trata-se de uma coisa que acham que acontecerá, pois alguém acredita que pode se concretizar. Parece uma fantasia.”

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O argumento dos otimistas, apontado pela fonte, é que dará tudo certo, pois a empresa é a revolucionária do momento.

“Nada disso desabona a gestão que está sendo feita, mas não sei quem está alucinando mais: os próprios administradores, quem está vendendo esse preço ou o próprio mercado. É quase como um conto de fadas”, comenta.

Para o especialista, essa espécie de devaneio coletivo é resultado de algumas variáveis exageradas, um somatório de eventos. Dentre eles, a entrada de Buffett na fintech, o “desconhecimento de muita gente do mercado” sobre os múltiplos e a liquidez do mercado.

Como consumidor uma coisa, sendo investidor, outra

Rodrigo Crespi, especialista de mercado da Guide Investimentos, comenta que o Nubank é o top pick da corretora para os bancos digitais.

“Embora ainda não seja listada, a nível de potencial, nós vemos como o mais bem posicionado dentre os bancos digitais.”

O especialista cita que a jornada do usuário, ou seja, a relação do consumidor com a empresa ou aplicativo, do Nubank é a melhor do mercado. Além disso, existem indícios claros de crescimento na companhia.

“Ele tem ampliado geograficamente a atuação, pegando tração no México e na Colômbia. Ainda disse, aumentou a oferta de produtos, ao entrar na área de seguros e investimentos, que são muito rentáveis quando operadas com escala”, cita.

Contudo, a rentabilidade cada vez mais cristalina não é o aval para o valuation neste patamar. “Isso deixaria a empresa apenas atrás da Vale (VALE3) no Brasil, sendo que tem menos de 10 anos de vida”, lembra o especialista. No ano passado, a mineradora lucrou R$ 26,7 bilhões.

“Caso esse valuation do Nubank realmente se concretize, não acho que esteja no valor justo. Mesmo que nos Estados Unidos os múltiplos do setor de tecnologia sejam naturalmente mais esticados, é exagerado.”

(Colaborou Natalia Gómez)

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Jader Lazarini

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