O novo normal da dívidas globais: quatro vezes o PIB do mundo
A maior e mais dramática herança que a pandemia do novo coronavírus (covid-19) deixou para o mundo, além das vítimas, são as gigantescas dívidas, pública e privada.
A situação não estava totalmente sob controle antes de março, quando o covid-19 ganhou forças. Entretanto, hoje o mundo está submerso por um mar de dívidas.
Sob o perfil público, as medidas emergenciais tomadas pelos governos para conter os efeitos da pandemia na economia real agravaram uma situação já complicada.
Por isso, 2020 deve fechar com uma dívida pública global mais elevada do que o Produto Interno Bruto (PIB). Muito mais do que era no final da Segunda Guerra Mundial.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), as políticas fiscais expansionistas foram reforçadas em US$ 11 trilhões. E isso levará a dívida pública a ultrapassar o PIB, tanto a ponto de desequilibrar a relação para 101,5%.
O número de países que viram suas dívidas públicas superar o nível de seus PIBs aumentou para 30. No ano passado eram apenas 19. E o Brasil está pouco longe disso, com a dívida pública chegando a quase 100% do PIB.
Os países mais endividados são os mais ricos. A dívida/PIB dos países do G7 disparou de 118% em 2019 para 141% em 2020, a da zona do euro de 84% para 101%, enquanto o dos países emergentes permanece sob controle, passando de 52% para 64%.
No entanto, observar os efeitos da pandemia apenas analisando a dívida pública seria parcial.
Dívidas públicas e privadas
Olhando para a dívida agregada – que inclui também as dívidas de famílias e empresas – o quadro aparece ainda mais complicado.
De acordo com os cálculos do Instituto de finanças internacionais (IFF) atualizados para o terceiro trimestre do ano, a dívida global aumentou nos primeiros 9 meses de 2020 em US$ 15 trilhões, atingindo o recorde de US$ 272 trilhões.
Um valor que corresponde a 365% do PIB previsto para o final do ano. Ou seja, a dívida total do planeta chegou a quase quatro vezes o PIB do mundo.
Nível superado nos países desenvolvidos, onde a dívida acumulada de estado, famílias e empresas atingiu 432% do PIB. Cerca de 50 pontos percentuais a mais em relação ao período antes da pandemia.
No caso dos países emergentes – como o Brasil – a dívida agregada chegou a 248%, contra os 222% do ano anterior.
Nesta frente, é preocupante o crescimento da dívida em dólares, que chegou a US$ 76 trilhões, tornando essas dívidas as mais vulneráveis em caso de subida rápida das taxas de juro dos EUA ou de alta na taxa de câmbio do dólar.
Uma hipótese que não pode ser descartada, considerando que uma recente pesquisa do Bank of America mostra que 73% dos gestores esperam que a curva de taxas de juros dos EUA suba já em 2021. A previsão é de um salto de até 100 pontos-base nos rendimentos dos títulos públicos com vencimento em 10 anos.
A grande questão é se os governos, em conjunto com os bancos centrais, algum dia serão capazes de voltar atrás dessa maré de dívida.
Novo normal é um mundo endividado?
Os países conseguirão reduzir as políticas fiscal e monetária expansionistas para níveis mais adequados ao que consideramos como normalidade (claro, antes do crash do Lehman Brothers em 2008)?
O problema é que cortar os gastos públicos poderia prejudicar a recuperação econômica pela raiz.
E é claro que o mundo navega em um território inexplorado, considerando o montante monstruoso da dívida agregada e os balanços dos bancos centrais, que nunca foram tão cheios de títulos como hoje. Aspectos jamais considerados nem mesmo pelos manuais de economia.
Somente o Banco Central Europeu (BCE) detém títulos por quase 7 trilhões de euros, ou 64% do PIB da zona do euro. Por sua vez, o Federal Reserve (Fed) segue com US$ 7 trilhões, equivalente a 32% do PIB dos EUA.
Mas no momento, esse pingue-pongue entre as políticas fiscais e monetárias permite que os mercados financeiros flutuem sobre essa enorme maré de liquidez. E alguns consigam até surfar.
Não é por acaso que, apesar do colapso do PIB em 2020, as Bolsas de Valores do mundo inteiro superaram o maior capitalização de todos os tempos: US$ 95 trilhões.
Assim como não é por acaso que o valor dos títulos globais ultrapassou a marca de US$ 60 trilhões pela primeira vez na história.
A enorme alavancagem financeira em que atualmente se baseia a economia global não apenas joga os problemas atuais para uma data futura. Mas cria um efeito colateral poderoso e prejudicial: as taxas básicas de juros baixíssimas decretadas pelos Bancos Centrais tornam o sistema menos eficiente.
Isso pois mantêm vivas “empresas-zumbis” e devedores frágeis que, tendo menos preocupações com o pagamento de suas dívidas, podem manter sua estrutura ineficiente, alterando a competitividade natural do mercado e colocando em desvantagens as empresas sadias. Mais uma herança maldita do coronavírus.