Há pouco mais de dois meses, um jovem “membro de um grupo de entusiastas de tecnologia e arte” digitalizou uma obra do artista de rua inglês Banksy, só para depois queimá-la. O vídeo foi publicado no YouTube e o produto de US$ 95 mil foi vendido por US$ 328 mil na versão digital. O objetivo: explorar um “novo meio de expressão artística”. E ele passa pelo NFT (Non-Fungible Token).
A sigla recentemente ganhou os holofotes em meio à euforia com o mercado de criptomoedas e pela solução ao mesmo tempo rápida, segura e, claro, inovadora. Grosso modo, NFT corresponde a um token não-fungível, isto é, impossível de ser substituído.
Carlos Heitor Campani, professor de Finanças do Coppead-UFRJ, explicou: é como um certificado — único, indivisível e inalterável — negociado via blockchain, a mesma tecnologia por trás das criptomoedas. O produto é comercializado por uma rede descentralizada, mas passa longe do bitcoin (BTC), o qual não possui valor diferente do que qualquer outro bitcoin. Mas também não se aproxima do real, pois não está sujeito à regulação do Banco Central (BC) ou outra autoridade. A operação é independente.
Dados do Google Trends mostram que o interesse no Brasil pelos tokens não-fungíveis começou a surgir na segunda metade de dezembro, superando já em março as buscas por blockchain.
E o mercado se desenvolveu rápido. Dados do site NonFungible.com apontam para um crescimento de US$ 10,2 milhões em vendas, na véspera de Ano Novo, para US$ 292,2 milhões, em 14 de maio.
Não à toa. Muitos dos NFTs são vendidos a preços de joias. O fundador e CEO do Twitter (TWTR34), Jack Dorsey, vendeu o primeiro tuíte por US$ 2,9 milhões, há algumas semanas.
just setting up my twttr
— jack (@jack) March 21, 2006
Mais, jogadores da liga de basquete americana NBA faturam com um marketplace exclusivo onde usuários podem negociar highlights, lances de destaque. Segundo a liga, há hoje cerca de 460.000 colecionadores, os quais fizeram mais de 4 milhões de transações até abril.
Problema da reprodutibilidade
Em 1936, Walter Benjamin escreveu “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”. No livro, o autor alemão buscou descrever e destrinchar como “nem a matéria, nem o espaço, nem o tempo” eram o que sempre haviam sido.
Segundo ele, com o advento das novas tecnologias, foi possível a replicação e, se antes para ouvir uma música seria necessário ir a um show, passou a ser possível a comercialização e distribuição de cópias. O objeto perderia com isso a “aura”, ou unicidade. Por que ver “Guerra e Paz”, de Candido Portinari, se pode googlar agora mesmo? O dilema de Benjamin residia em, por um lado, a arte perder o valor, mas ao mesmo tempo, chegar a mais gente, ser mais difundida.
Na análise de Victor Varcelly, professor da Faculdade Cásper Líbero e coordenador do grupo de pesquisa AlgoritmCOM, o “NFT não vai resolver o problema da reprodutibilidade. [O token] é muito mais um selo de originalidade. Vai autenticar que aquele meme, aquela obra, aquele conteúdo é original. Não impede que as pessoas continuem compartilhando, recebendo, salvando.”
Segundo o especialista, a tecnologia será usada para conferir autenticidade ao objeto, “justamente porque eles estão passíveis de cópias”. “Se a venda é feita para pessoas comuns, sem ferramentas para fazer o controle, provavelmente não vão evitar o surgimento de novas cópias”, ponderou Varcelly. “É muito mais gerar essa diferenciação do que impedir que outras pessoas tenham”.
Investir com NFT
Mesmo não impedindo a reprodutibilidade, o mercado de NFTs abre um novo espaço para o artista. É, na verdade, na aposta na replicação que a Brodr, um marketplace dedicado a royalties musicais, espera trazer valor aos produtores de conteúdo.
Nas palavras do CEO, Ricardo Capucio, a empresa geralmente adquire um percentual minoritário de um ativo musical e divide-o em frações chamadas music shares, as quais são transformadas em NFTs. “Ao fazer isso, trazemos liquidez”, ressaltou o executivo. “[Torna-se possível] vender para qualquer pessoa, em qualquer plataforma global do mundo”.
A vantagem está em aumentar o valor do ativo tanto para o proprietário quanto para os investidores. Se antes havia meia dúzia de gigantes do mercado, hoje a proposta de liquidez, mais pessoas dispostas a negociar, aparece para mudar o cenário. “O artista tende a receber um valor mais interessante e próximo da realidade”. Adicionalmente, sempre que o token trocar de mão, o artista receberá uma taxa da operação.
Do lado do investidor, o NFT garante uma renda passiva advinda dos royalties, além da possibilidade de valorização do próprio valor do ativo. De acordo com o Capucio, o rendimento médio hoje gira em torno de 1,5% ao mês.
A Brodr cobra uma taxa de 5% no recebimento de todo royalty.
Potencial de ser popular
Uma pesquisa de março deste ano da YouGov mostrou que 34% dos americanos já haviam ouvido falar de NFT, mas apenas 12% sabiam de fato o que significava.
À boca cerrada do funil, soma-se os custos muitas vezes astronômicos dos tokens e a relativa dificuldade para iniciantes em mergulhar no universo do blockchain e das criptomoedas.
Apesar disso, a opinião do professor de Finanças do Coppead-UFRJ Carlos Heitor Campani é de que o NFT veio para ficar, pois não é como se o mundo da arte fosse aberto a todas e todos antes.
“O mercado de NFTs tem o potencial de ser popular, de democratizar”, observou o professor. “O mundo vai caminhar para esse lado”.
Ricardo Capucio, da Brodr, acrescentou: “Comprar um NFT de um ativo musical é muito mais do que investir em um CDB de um banco ou em uma ação de empresa, porque quem investe em música, investe na cultura. É investir na indústria da criatividade”. “É um dividendo adicional: irrigar para que novos artistas possam aparecer e novas expressões da criatividade possam ser desenvolvidas.”