Para encarar o juro baixo, o investidor saiu a procura de novas oportunidades, na ânsia por mais rentabilidade no mercado de capitais. A movimentação tem acelerado os investimentos em precatórios, uma das principais apostas da BLP Asset. Na análise da gestora, não há caminho de volta e ainda não vimos o potencial de desenvolvimento do mercado no Brasil.
Os ativos consistem em requisições de pagamento expedidas pelo Poder Judiciário para cobrar dos municípios, dos estados ou da União valores após condenações judiciais. Caso um funcionário ganhe uma causa contra a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por exemplo, e não caiba mais recurso, será emitido um precatório.
O mercado não é para amadores. Embora haja garantia judicial, existem riscos implícitos no investimento, explicou Glauco Cavalcanti, sócio-fundador e CEO da BLP Asset, ao SUNO Notícias. Entre eles, a qualidade de crédito de cada estado e município. Cada região paga conforme a restrição de orçamento. A União é diferente, imprime dinheiro, contudo detém o poder de alterar a Constituição. A liquidez baixíssima, incertezas jurídicas e a dúvida no cálculo complementam o balanço.
Mesmo assim, a gestora está confiante em relação ao futuro do mercado. “Não tem como voltar para trás. É só melhorar e ficar mais eficiente,” salientou o Cavalcanti.
De acordo com o CEO da BLP, ganhos de produtividade poderiam surgir com o incremento de tecnologia, uma injeção que traria celeridade e segurança. Toda evolução precisa de duas coisas: tecnologia e aceitação, afirmou. “No caso dos precatórios, já há tecnologia.”
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Por que se investir em precatórios?
Na BLP, somos egressos do antigo Garantia e do Credit Suisse. Saímos, alguns com acordos de não competição. Começamos a nos envolver com fundos estruturados e entramos em dois mercados comuns no exterior, mas, no Brasil, nem tanto: de distress e legal claims. Precatórios são casos específicos de legal claims.
Montamos um fundo para créditos enrolados, brigas judiciais, e esbarramos no maior mercado do Brasil, que é contra a União, estados e municípios.
O segmento de precatórios é organizado e transparente. A fila de pagamentos é respeitada. Há todas as idiossincrasias. Não se recebe do dia para a noite. Mas o mercado oferece oportunidades, tanto para quem tem os precatórios quanto a investidores capitalizados. Nos últimos quatro anos, se desenvolveu bastante.
E quanto a direitos creditórios, qual a vantagem do produto?
Nosso fundo compra tanto precatórios quanto direitos creditórios. Nesta classe, temos investido em federais, não estaduais. Direitos creditórios existem desde os novinhos aos que vão emitir o precatórios daqui a um mês, um ano, dois anos. Tudo tem um preço.
Hoje, um precatório federal custa 80% do preço, grosso modo. Quando entramos nesse mercado, era 70%. O custo subiu em função da organização do mercado, da entrada de novos players no mercado e do respeito às regras por parte da União.
Em relação a direitos creditórios, o risco é outro, a taxa é outra. Como a incerteza é maior, não é 80%. Pode ir de 20% a 70%. Normalmente, compramos com alguns earnouts. De forma a mitigar os riscos, é possível comprar um direito de crédito e pagar 30%, por exemplo, e condicionar o pagamento de mais 40%, caso título se torne um precatório em um ano. Em dois anos, 30%. Em três anos, 20%. Diminui-se até um ponto no qual não se pagaria mais nada, apenas os 30% iniciais.
Em média, quais as taxas de retorno?
Grosso modo, após custos e impostos, 20% para precatórios federais. Quanto a direitos creditórios, é imprevisível, mas buscamos uma taxa em torno de 30% ao ano.
Quantos fundos com investimentos nesses produtos a BLP possui?
Tivemos oito, dos quais quatro foram encerrados com sucesso. Estamos lançando mais um agora. Será um gêmeo idêntico, de R$ 150 milhões, que poderá comprar tanto precatórios quanto direitos de crédito.
Como está a demanda pelo mercado de precatórios?
Está aumentando, por dois motivos. As taxas de juros caíram. Estão voltando a subir agora, mas não importa. A queda é significativa.
O segundo é a organização do mercado. Para os dois lados. Os escritórios de advocacia, os fundos aprenderam a fazer os contratos mais rápido. Além dos vendedores, os cedentes também. Está mais fácil ao investidor, enquanto os vendedores estão mais confortáveis.
Qual o tamanho, em números, do negócio de precatórios?
O mercado de precatórios federais soma R$ 90 bilhões. O de estaduais, R$ 45 bilhões.
De que maneira a elevação dos juros afeta esse mercado e os negócios da BLP?
Os juros não estão em alta. Estão voltando ao normal (risos). Os 2% ao ano foram um absurdo, um ponto fora da curva.
Teve um efeito: “meu Deus, 2%”, mas a inflação também recuou. O quantitativo de juro real continuará o mesmo, muito baixo. Seguirá a busca global por ativos os quais produzam juros reais.
Golpes com a fachada de precatórios proliferaram-se. O senhor está de olho nisso?
Mercado novo é cheio de golpes. Como ocorreu em Wall Street no passado: vendia-se ação de empresa que não existia. É o mesmo com o setor de crypto. Mercados incipientes estão sujeitos a golpes, mas está melhor do que a quatro anos atrás.
Recentemente, startups que utilizam sistemas algorítmicos e inteligência artificial entraram no mercado de precatórios. Qual a análise do senhor quanto à movimentação?
A tecnologia é mais empregada para a procura de direitos de crédito, pois a automação nos tribunais está aumentando. Os novos processos são digitais e os antigos estão sendo digitalizados. Há um ganho de produtividade. Nós, fundos, compradores, estamos nos apropriando disso.
Que impacto o senhor identificou com a chegada da automação?
Rapidez para realizar os negócios e segurança contra fraudes e erros. Algo simples são as assinaturas eletrônicas. Assino diariamente entre três e quatro documentos. Fazer isso digitalmente traz um ganho de produtividade. Não vimos o potencial da aceitação de assinaturas eletrônicas.
Toda evolução precisa de duas coisas. A tecnologia — processamento, memória, telecomunicações — tem de estar pronta. A questão cultural, de uso e costumes, também é importante. Confiar.
No caso dos precatórios, já há tecnologia.
Quais os riscos de um fundo com investimentos em precatórios e direitos creditórios?
O primeiro é se serão pagos. Quando veio a covid, correu um boato de que — devido à necessidade de auxílio, ao rombo nas contas públicas — o governo pararia de pagar o precatório. A União imprime dinheiro, mas pode mudar a Constituição. Depois há os estados e os municípios, cada um com uma qualidade de crédito diferente.
Há o risco jurídico, se existe o direito.
Tem o risco de cálculo. Quando compramos um crédito, o adquirimos na fase de conhecimento, na qual ainda não foi precificado o dano. Existem causas bilionárias, que um zero, com um juro diverso em um outro prazo pode levar a uma diferença de 50% do valor.
O quarto é o quando. Temos um precatório de R$ 12 milhões em Guarulhos que já devia ter sido pago há dois anos. Será pago. É uma certeza. Porém, existe o risco do processo na Justiça. Esses fundos exigem uma não-liquidez. O nosso tem prazo de seis anos, mais dois.
Quais as suas perspectivas para o mercado?
De diminuição dos spreads. De aumento do número de negócios. De os acordos também se elevarem, em benefício de quem está esperando e dos estados e municípios, os quais poderão pagar menos, com desconto.
A perspectiva para o mercado de precatórios é boa. Não tem como voltar para trás. É só melhorar e ficar mais eficiente.