O Plenário do Senado recebeu, na última quarta-feira (16), o relatório do senador Marcos Rogério sobre a medida provisória que trata da privatização da Eletrobras (ELET3). Como o relatório só chegou às mãos dos senadores no fim da tarde, a votação foi adiada para esta quinta-feira (17), a partir das 10h.
Os parlamentares ainda poderão apresentar emendas e destaques à desestatização da Eletrobras até as 9h. Se o Plenário aprovar a MP com mudanças, ela vai precisar voltar para a Câmara dos Deputados. A MP 1.031/2021, que está a menos de uma semana de perder a validade, enfrenta resistências da maioria das bancadas.
Principal alvo da desconfiança dos senadores, acréscimos feitos na Câmara ao texto original da MP foram mantidos por Marcos Rogério. Esses trechos são considerados por muitos senadores como “jabutis”, pois não tem relação direta com o assunto. Sua inclusão é uma das principais críticas do Plenário ao projeto.
Um deles é o dispositivo que obriga o governo federal a contratar, por 15 anos, energia gerada por usinas termelétricas para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O relator adicionou à lista a região do Triângulo Mineiro.
Rogério também manteve pontos que regulam leilões de energia e dispõem sobre obrigações das empresas estatais que precisarão ser criadas para a administração da usina de Itaipu e do setor de energia nuclear — que, por determinação constitucional, devem ficar sob controle da União.
Parlamentares questionam soberania nacional com desestatização da Eletrobras
Os parlamentares também apontam o risco de um aumento no valor das conta de luz nos próximos anos e ameaças à soberania energética do país. O formato escolhido para a proposta de desestatização — a medida provisória, que tem validade imediata e é reservada para assuntos urgentes — também desagrada.
Presidente da Comissão de Infraestrutura, o senador Dário Berger disse considerar que a MP não é oportuna no momento e não contém benefícios para o país.
Ele destacou que a Eletrobras fechou o ano de 2020 com lucro líquido e tem “papel estratégico” no desenvolvimento econômico e social do país.
“Os últimos anos foram marcados por crises políticas e recessões econômicas no Brasil e no mundo inteiro. Será que é o momento adequado de privatizar uma empresa que responde por 33% da geração de energia elétrica [no Brasil] e por 43% de sua transmissão?”, questiona o senador. “Isso pode acarretar, inclusive, a criação de um oligopólio.”
Outro problema destacado pelo senador seria o efeito da privatização sobre o controle dos reservatórios das usinas hidrelétricas. Como essas usinas são a maior parte da matriz energética do Brasil, a Eletrobras é responsável por um grande volume de recursos hídricos.
“Segundo o Código Brasileiro de Águas, antes de virar energia nas usinas hidrelétricas, a água tem outras três importantes funções: o abastecimento aos cidadãos, o abastecimento à agropecuária e o lazer. Ao conceder à iniciativa privada o controle sobre grandes usinas e reservatórios, poderemos ficar à mercê de uma alteração dessa hierarquia no uso da nossa água” cometou Berger.
O líder da minoria, senador Jean Paul Prates, reclamou da falta de dados embasando a matéria, e elencou vários pontos sobre os quais ele acredita que não há informação suficiente para os senadores.
“Temos total incerteza quanto ao impacto tarifário, o estudo que o Ministério de Minas e Energia apresentou não é sério. Os aspectos de oligopolização do setor também [são] indefinidos, o Cade não se pronunciou. [Não temos] nenhuma segurança em relação aos aspectos regulatórios e trabalhistas. As garantias da União também estão incertas”, disse, além de citar o reajuste do controle acionário.
Prates alegou, ainda, que os “jabutis” provocariam uma “inflação estrutural” sobre a tarifa de energia. O assunto também foi abordado pela senadora Simone Tebet, que explicou o raciocínio. Para ela, o grande risco está na contratação das termelétricas, um dos pontos criados pela Câmara dos Deputados.
A bancada do Podemos apresentou requerimento para que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, considerasse impugnados os dispositivos impertinentes do projeto enviado pela Câmara. Líder do partido, o senador Alvaro Dias adiantou que a orientação dada aos colegas é de rejeitarem a MP e disse que “não dormiria em paz” se ela passar como está.
“Nós estamos abrindo mão de comandar uma empresa extremamente lucrativa”, disse Dias. “Não podemos admitir também a substituição da energia do futuro, moderna, limpa, pela energia do passado, suja, valorizando expedientes que produzem energia mais cara.”
Em resposta ao requerimento, Pacheco decidiu não proceder à impugnação, rejeitando a possibilidade de decidir sozinho sobre o destino da MP. “Concordando ou não com o texto original e com as modificações que foram feitas pela Câmara, o instrumento próprio e democrático para a decisão é o Plenário do Senado.”
Ao adiar a votação, Pacheco afastou a tese de que a MP estaria sendo votada sob “açodamento”, lembrando aos senadores que ela veio da Câmara no fim de maio, com mais de um mês antes do seu prazo final, e que o Senado promoveu sessão de debates sobre o tema.
Relator ressalta urgência da privatização
No seu relatório, Marcos Rogério procura abordar os pontos em que os senadores manifestaram preocupações ou discordâncias. Durante a leitura do documento, ele contou que manteve diálogos com todos os segmentos do setor elétrico e garantiu que o produto final já está alinhado com o relator da MP na Câmara, deputado Elmar Nascimento.
Marcos Rogério defende o encaminhamento da desestatização por medida provisória apontando que o governo federal já havia tentado fazê-la por projeto de lei, em 2019, mas a proposta não andou. Segundo o senador, o tema é urgente porque a Eletrobras vem perdendo market share nos últimos anos.
“Apesar de ser a maior empresa do setor elétrico, a atual situação da Eletrobras a impede de realizar investimentos na escala necessária para prover a expansão do setor elétrico de forma compatível com as necessidades do desenvolvimento.”
O relator disse que o argumento de que o processo atentaria contra a soberania nacional “reflete desconhecimento”, pois o setor elétrico é fortemente regulado, e explicou que o modelo escolhido para a desestatização — que garante à União a golden share — vai impedir a concentração da empresa nas mãos de um único acionista privado.
O líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho, defendeu a proposta lembrando da privatização das telecomunicações, nos anos 1990, que foi uma “verdadeira revolução” ao expandir e baratear os serviços. Para ele, o mesmo precisa ser feito para o setor elétrico, e ele classificou a iniciativa como “pensada e corajosa”.
“Nesses últimos dez anos, quantas crises de energia nós não enfrentamos? A nossa maior empresa sofreu diversas ações políticas de interferência. Apesar de toda essa presença estatal excessiva, nós não conseguimos reservar água nas nossas barragens, não investimos na energia de base para promover o desenvolvimento das termelétricas.
As ações ordinárias da Eletrobras encerraram o último pregão negociadas a R$ 44,98, após uma alta de 0,78%. A empresa vale R$ 70,49 bilhões na B3.
Com informações da Agência Senado.