O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta segunda-feira (4) a proposta de projeto de lei que regulamenta o trabalho de motorista de aplicativo. O texto do projeto de lei complementar será enviado para votação no Congresso Nacional. Caso seja aprovada pelos parlamentares, passará a valer após 90 dias.
No projeto sobre motoristas de aplicativos, o governo propõe o valor que deve ser pago por hora trabalhada e contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Eles terão direito a receber R$ 32,90 por hora de trabalho. Desta forma, a renda mínima será de R$ 1.412.
Regras para Uber e 99: projeto prevê representação sindical
A negociação de benefícios, como o pagamento de vale-refeição, e de reajustes que extrapolem a correção do salário mínimo deverão ser objeto de acordo ou de convenções coletivas, intermediadas por representações sindicais.
Ao todo, segundo o IBGE, 1,5 milhão de pessoas trabalhavam em aplicativos de transporte, dos quais fazem parte os motoristas e os entregadores, que usam moto ou bicicleta para trabalhar.
O governo anunciou nesta segunda-feira, 4, a formalização do acordo entre empresas e motoristas. Um projeto de lei será enviado ao Congresso com pedido de tramitação em regime de urgência. A regulação do trabalho por aplicativos foi uma das promessas que Lula fez ainda durante a campanha eleitoral, pela qual ele vinha sendo cobrado por apoiadores. Por falta de acordo, os entregadores sobre duas rodas ficaram de fora da atual regulação.
Sondagens feitas com os trabalhadores de aplicativos indicam que são uma classe avessa às convenções da CLT, que regula as relações formais de trabalho, e que se enxerga mais como empreendedora do que como um trabalhador formal assalariado.
Esse foi um dos pilares que nortearam a negociação que durou todo o ano passado e que deveria ter sido concluída a tempo de o projeto de lei começar a tramitar ainda em 2023, o que acabou não acontecendo.
Em seu discurso, Marinho fez referência à dificuldade de atender à exigência dos trabalhadores e disse acreditar ter encontrado uma fórmula intermediária.
“O que mais ouvimos de trabalhadores é: ‘nós não queremos ser enquadrados na CLT, queremos uma coisa nova”, disse Marinho. “O que nasce aqui é a organização de uma categoria diferenciada, autônoma com direitos – que é exatamente o que os trabalhadores pediam. Eles pediam autonomia, não queriam estar rígidos. O problema é que essa liberdade até então era uma liberdade falsa, porque os trabalhadores estavam sendo escravizados por longas jornadas e baixa remuneração.”
A exigência de representação sindical dos motoristas de app desagrada às empresas, principalmente as grandes do setor, que preferem negociar acordos coletivos sem a intermediação de sindicatos.
Questionado se a representação sindical fará com que os trabalhadores passem a recolher contribuição de trabalhadores, Marinho afirmou que o tema ainda está em negociação.
“Sobre a contribuição negocial, estamos alguns degraus distantes nesse momento. Não é nessa mesa que vamos discutir qualquer nível de contribuição. É um tema que está sendo discutido com as centrais e com representantes dos empregadores. Não é aqui nessa mesa que vamos fazer esse debate”, disse o ministro.
Remuneração mínima para motoristas de aplicativo
No projeto de lei apresentado pelo governo, há a previsão de uma remuneração mínima aos motoristas, de R$ 32,10 (incluindo despesas para a manutenção do veículo e do celular), e de contribuição previdenciária. O texto também limita em 12 horas a jornada diária de trabalho.
Segundo pesquisa feita pelo Ministério do Trabalho em agosto do ano passado, 51% dos motoristas disseram que trabalham mais de 8 horas por dia: 27% informaram trabalhar de 8h a 10h, e 24% mais de 10h por dia. Ou seja, a maior parte dos motoristas diz ter jornadas mais longas do que o convencional.
Em seu discurso, feito a uma plateia formada por sindicalistas e trabalhadores do setor, Lula celebrou a organização da nova categoria de trabalhadores e fez uma provocação sutil aos dirigentes de centrais sindicais presentes.
“Depois que vocês formalizaram a organização de vocês em 27 Estados, se vocês não tomarem cuidado já foi criada a maior central sindical hoje nesse País”, disse Lula.
Apesar da fala, nem todos os Estados têm sindicatos de motoristas de aplicativos já autorizados a funcionar pelo Ministério do Trabalho, o que deverá ocorrer a reboque da regulamentação.
A organização, segundo Lula, poderá levar o governo a produzir benefícios, como a concessão de crédito a motoristas.
“Daqui a pouco a gente vai ter que ver como vamos fazer, discutir com os bancos para baratear uma linha de financiamento para vocês poderem trocar o carro, não ficarem com carro velho porque o passageiro também não quer carro velho.”
Outras regras previstas no projeto sobre motoristas de aplicativo
- Criação da categoria “trabalhador autônomo por plataforma”
- Os motoristas e as empresas vão contribuir para o INSS. Os trabalhadores pagarão 7,5% sobre a remuneração. O percentual a ser recolhido pelos empregadores será de 20%
- Mulheres motoristas de aplicativo terão direito a auxílio-maternidade
- A jornada de trabalho será de 8 horas diárias, podendo chegar ao máximo de 12
- Não haverá acordo de exclusividade. O motorista poderá trabalhar para quantas plataformas desejar.
- Para cada hora trabalhada, o profissional vai receber R$ 24,07/hora para pagamento de custos com celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, impostos e outras despesas. Esse valor não irá compor a remuneração, tem caráter indenizatório.
- Os motoristas serão representados por sindicato nas negociações coletivas, assinatura de acordos e convenção coletiva, em demandas judiciais e extrajudiciais.
- No Brasil, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, o país tinha 778 mil pessoas trabalhando em aplicativos de transporte de passageiros, o equivalente a 52,2% dos trabalhadores de plataformas digitais e aplicativos de serviços. Outro indicador mostra que 70,1% dos ocupados em aplicativos eram informais.
Na cerimônia, o presidente do Sindicato de Motoristas de Aplicativo do Estado de São Paulo, Leandro Medeiros, afirmou que mais de 1,5 milhão de famílias no país dependem da renda gerada por transporte de passageiros por aplicativo.
Ele pediu que o governo avalie a criação de uma linha de crédito para que a categoria possa financiar a troca dos veículos que, segundo ele, vive “refém das locadoras de veículos”. O presidente Lula afirmou que tratará do tema com os bancos.
Já o diretor executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, André Porto, destacou que a proposta concilia “avanço tecnológico com direitos sociais”.
Em nota, a Uber informou considerar o projeto apresentado pelo governo “como regulamentação equilibrada do trabalho intermediado por plataformas. O projeto amplia as proteções desta nova forma de trabalho sem prejuízo da flexibilidade e autonomia inerentes à utilização de aplicativos para geração de renda”.
“A empresa valoriza o processo de diálogo e negociação entre representantes dos trabalhadores, do setor privado e do governo, culminando na elaboração dessa proposta, a qual inclui consensos como a classificação jurídica da atividade, o modelo de inclusão e contribuição à Previdência, um padrão de ganhos mínimos e regras de transparência, entre outros”, diz a nota.
A empresa afirmou ainda que irá acompanhar a tramitação do projeto no Congresso Nacional.
iFood responde Marinho e diz que chegou a aceitar uma proposta do governo para regular apps
O iFood rebateu nesta segunda-feira, 4, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que mais cedo disse que a empresa não quis fechar um acordo pelo projeto do governo para regular essas plataformas. Os apps de entrega ficaram fora da proposta, apresentada durante a tarde, que engloba apenas os de transporte por meio de carros.
Na solenidade, realizada no Palácio do Planalto, Marinho disse que iFood e Mercado Livre (MELI34) disseram que a regulação não era apropriada para os respectivos modelos de negócio. Também afirmou que “não adianta o iFood mandar recado”, porque o governo quer uma negociação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu discurso, disse que seria “prudente” a empresa negociar – mas a nota divulgada não menciona o chefe do governo, só o ministro.
“O iFood esclarece que não é verdadeira a fala do ministro Luiz Marinho de que a empresa não quer negociar uma proposta digna para entregadores. O iFood participou ativamente do Grupo de Trabalho Tripartite e negociou um desenho regulatório para os entregadores até o seu encerramento”, escreveu a empresa.
“A última proposta feita pelo próprio ministro Marinho, com ganhos de R$ 17 por hora trabalhada, foi integralmente aceita pelo iFood. Depois disso, o governo priorizou a discussão com os motoristas, que encontrava menos divergência na bancada dos trabalhadores”, diz a nota. A empresa também afirmou que apoia uma regulamentação do setor de desde 2021.
Com Estadão Conteúdo e Agência Brasil