Com uma tecnologia própria que auxilia grandes empresas no gerenciamento de dívidas e derivativos, a Mark 2 Market (M2M) quer dar um passo a mais e crescer no mercado sendo a nova concorrente da B3 (B3SA3). No fim de 2020, a empresa recebeu autorização para ser central depositária de Certificados de Recebimento do Agronegócio (CRAs), o que pode aproximar o setor do mercado de capitais.
Ao ser central depositária, a Mark 2 Market será responsável pela integridade e disponibilidade de informações dos ativos financeiros, valores mobiliários e títulos colocados sob sua guarda. Gerenciando cerca de R$ 300 bilhões de empresas como Localiza (RENT3) e CCR (CCRO3), a empresa não só aparece como uma potencial concorrente como visa “aumentar e dividir o bolo” dos recursos ligados ao agronegócio.
Após conceder a autorização, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exigiu que a M2M cumprisse uma série de tarefas antes de começar a operar. A previsão é que a lição de casa seja concluída no fim deste semestre.
Isso ocorreria junto ao destravamento do Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), nova ferramenta de financiamento agropecuário, campo a ser explorado pela empresa. A medida foi sancionada com vetos pelo presidente Jair Bolsonaro em março.
Observando uma janela “escancarada” de acesso ao mercado de capitais no Brasil, o CEO Rodrigo Amato prevê que em até cinco anos a M2M esteja gerenciando cerca de R$ 1 trilhão. Confira os trechos da entrevista do executivo com o SUNO Notícias.
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Conte um pouco mais da história da Mark 2 Market e quais são as prioridades neste momento?
A empresa tem 11 anos de história. Eu a fundei após trilhar minha carreira no mercado financeiro, em tesouraria de banco. Atualmente, temos uma sólida operação de softwares para o mercado, onde atendemos tesourarias corporativas. Auxiliamos no controle de dívidas, aplicações e derivativos. Isso gera eficiência de controle em nível operacional.
Um analista corporativo pode usar nosso sistema para manter controladas as transações realizadas com os bancos, assim como pode ser utilizado em nível gerencial. Um tesoureiro ou CFO, por exemplo, pode extrair inteligência das análises realizadas por meio da plataforma, para tomada de decisão acerca do alongamento de dívida, pré-pagamento, reversão de derivativos etc.
Com a nossa base consolidada de clientes, controlamos cerca de R$ 300 bilhões dos nossos clientes por meio de nossos sistemas. Agora, estamos começando a expandir nossas operações para uma infraestrutura de mercado digital.
No fim do ano passado, recebemos a autorização da CVM para operar como uma depositária de valores mobiliários, a qual somente a B3 possui essa autorização. Isso nos coloca como a primeira empresa efetivamente a desafiar o monopólio da companhia.
Como está esse processo desde o fim do ano passado? Conte um pouco mais sobre o foco da M2M nos próximos meses.
No fim de 2020, a CVM nos deu algumas lições de casa para que possamos iniciar nossas operações e efetivamente registrar os primeiros títulos. Essas tarefas estão quase cumpridas e há a expectativa de que consigamos iniciar esse novo projeto no final deste semestre. Estamos confiantes de que a autarquia irá ratificar nossa autorização.
Com isso, entramos em um mundo que instaura a competição no mercado de valores mobiliários, dominado pela B3 até aqui, mas também passamos a registrar CRAs.
O financiamento no mundo agro hoje ainda está muito voltado a bancos e balanços de trading. Queremos dar maior acesso ao mercado de capitais para esses produtores, de médio porte, por exemplo, que passam por um processo moroso e custoso para a captação de recursos. Conosco, o capital que ele conseguirá será mais barato, de longo prazo e mais sustentável do que apenas para financiar uma safra.
Essa é uma das razões pelas quais acreditamos muito no agronegócio. Nesse sentido, estamos envolvidos em uma série de outros temas, como o Fiagro, que é um veículo que foi recentemente legislado – embora muito prejudicado pelos vetos. No entanto, caso os entraves sejam revertidos, a ferramenta trará mais liquidez para o setor e melhor diversificação de fonte de recursos. O objetivo é interceptarmos esse processo e captarmos uma parte do mercado para nosso ambiente de infraestrutura.
Temos a expectativa de que, ao longo do primeiro ano, façamos ao redor de R$ 5 bilhões em CRA, onde o mercado total gira em torno de R$ 40 bilhões. No primeiro ano de operações, atingiríamos entre 10% e 12% do mercado, esperando crescer ao longo dos anos com o projeto pegando tração.
A ideia é fazer o mercado crescer, mas crescermos em ritmo mais rápido que ele. E, a partir disso, expandir nossas operações para outros nichos do mercado, como CRIs, debêntures.
Agora enquanto concorrentes, qual é a visão de vocês sobre o monopólio da B3? Acham que o mercado já deveria ter se desenvolvido mais?
Por incrível que pareça, não acreditamos que a B3 seja uma empresa morosa em seus processos e se valide apenas por ter o monopólio do mercado. Isso é comum em função do tamanho dela, seu histórico e amplitude de serviços que oferece. Estamos entrando para competir com a B3 em apenas um segmento.
Ela faz muito mais coisas que nós. A B3, com uma operação de três ou quatro mil pessoas, precisa calcular todas as consequências que ela teria ao dar um passo em falso. Até por isso nós somos muito mais móveis. Temos 50 colaboradores.
Pelo porte dela e relevância no mercado, acredito que a B3 faz um trabalho muito bom dentro das possibilidades. Nesse sentido, ela é mais vítima do seu próprio tamanho do que não querer atender as demandas de mercado e se valer exclusivamente de sua posição monopolista para priorizar margens em detrimento de novos produtos. Não vejo que seja uma falta de visão de produto e de mercado.
Essa tendência vai pegar e novos entrantes devem chegar ao mercado?
É justamente essa mobilidade que eu vejo em novos desafiantes, como nós no segmento de depositária. Existem outras registradoras, empresas que estão procurando seus espaços dentro de nichos diferentes.
Algumas companhias tentam competir com a B3 no que ela faz de melhor, confrontando preço. Para mim, isso é uma estratégia kamikaze. Outras, no entanto, tentam correr por fora e atender nichos que talvez estejam deixados de lado pelo mercado. Com isso, talvez até a B3 se beneficie.
A nossa intenção, por exemplo, é dar acesso ao mercado de capitais para o pequeno produtor do agronegócio que hoje tem problemas para acessar recursos. Se esse produtor tentar emitir CRAs para o porte e objetivo dele, ele não encontrará porque não existe. Nós vamos proporcionar essa oportunidade a ele, mas não vamos abocanhar o mercado inteiro. Parte disso acabará indo para a B3, que ganhará algo que hoje não existe.
Se o bolo aumentar, ele será dividido em mais partes. O principal papel da Mark 2 Market é fazer o mercado crescer, não brigar de rouba-monte com a B3. A partir disso, o nosso crescimento neste mercado dependerá da nossa capacidade de execução e eficiência, mas ainda assim é inevitável que parte do crescimento do segmento não acabe nas mãos da concorrência.
Ainda é possível que depois ela nos veja com um exemplo no segmento. Não seria nenhuma vergonha ou inesperado que a B3 copie nossos processos, equalizando a oferta e, então, competindo conosco. Atualmente, não enxergo a B3 como uma concorrente direta. Nossas ofertas são muito diferentes.
Na visão de vocês, por qual razão o setor agro ainda é pouco representativo no mercado de capitais e, sobretudo, na Bolsa?
Para as empresas do agronegócio captarem recursos por meio da emissão de ações e listagem em Bolsa, elas vão ter de passar por um processo muito mais complexo. O nível de governança e disclosure de informação deve ser muito maior, diferentemente de quando um CRA é emitido, o veículo de emissão em si é a securitizadora, a empresa tem menos responsabilidades.
Com o crédito privado, ele acessa o mercado de capitais, mas tem menos responsabilidades. Quando ações são emitidas e vendidas, inicialmente há o glamour de ter a empresa listada em Bolsa, mas há custos de operação, criação de um departamento de Relações com Investidores. A bucha é maior. Muitas vezes é mais fácil adotar o processo via dívida.
É importante que as empresas entendam que o acesso ao mercado de capitais se dá por meio de etapas. Quando a companhia vai direto para a Bolsa e ainda é pouco conhecida, o processo custa caro – inclusive em valuation. Estamos observando um bom ritmo de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) na B3, e essas empresas que estão chegando têm histórico de venture e private capital, já tendo montado uma estrutura de governança. Então fica mais fácil.
No mundo das empresas da “economia antiga”, onde se encaixam muitas companhias do agronegócio, não existe essa estrutura de governança exigida. A emissão de dívida fica muito mais atraente, pois dá a prerrogativa de as empresas “desistirem” do processo caso não se adaptem, pagando as dívidas e pegando os papéis de volta.
O nosso objetivo é chegar a empresas com faturamento a partir de R$ 200 milhões anuais. Enquanto isso, o volume médio de um CRA atualmente gira em torno de R$ 150 milhões, o que é incompatível com as companhias com esse piso de receita. Poderemos facilitar esse processo para as empresas, reduzindo custos de intermediação, que são muito altos, e separando essa emissão exemplificada em tranches.
A Mark 2 Market fala muito em proporcionar acesso ao mercado. Qual é a visão da empresa sobre o cenário atual, tanto de Bolsa como do mercado de dívida?
O mercado de capitais ainda deve surfar uma boa onda de liquidez até 2022, no mínimo forçado pelo atual patamar de taxas de juros. Por mais que as projeções de mercado estejam em torno de 6% e 7% para a Selic no fim do ano que vem, a busca ainda será por maior retorno e, consequentemente, maior risco, fomentando o mercado de capitais diretamente.
Não haverá tanto espaço para rentistas, então esse processo deverá desenvolver o mercado de renda fixa e equities – não à toa a B3 saiu de 500 mil CPFs para mais de três milhões. Esse cenário macroeconômico será favorável por um bom tempo ainda.
O ambiente é propício para o acesso ao mercado de capitais. Isso não significa que não haja janelas complicadas, como nas últimas semanas. O mercado pode estar mais reticente, mas a janela não será fechada. Em 2015 e 2016, por exemplo, não existiam oportunidades. As empresas simplesmente não tentavam acessar o mercado.
De lá para cá, o regulador empregou esforços para trazer mais transparência, governança e segurança jurídica, a taxa de juros estimulou investimentos de maior risco em função do rendimento garantido baixo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) parou de distribuir dinheiro barato.
No mundo agro, o plano safra não anda há anos, com uma participação muito menor do governo em financiamentos. Esses fatores, na minha opinião, fazem com que a janela do acesso ao mercado de capitais propriamente dito esteja escancarada para pelo menos os próximos dois ou três anos, por mais que existam riscos fiscais e políticos constantes.
Por consequência, o gerenciamento dos recursos com nossos sistemas de tesouraria será beneficiado. Uma coisa irá alimentar a outra. Destes R$ 300 bilhões, queremos ampliar a oferta de produtos regulados e manter um ritmo de crescimento que tem sido de 30% ao ano. Em um cenário de três a cinco anos, a Mark 2 Market espera que esse número ultrapasse a marca de R$ 1 trilhão.