O ousado aumento de participação acionária da Marfrig (MRFG3) na BRF (BRFS3) deixou o mercado na expectativa de uma possível fusão. A Marfrig, que hoje é menor do que a BRF, com aproximadamente R$ 12,7 bilhões de valor de mercado, decidiu elevar sua participação para cerca de 31% da companhia, que é avaliada em R$ 22,7 bilhões.
Na análise do mercado, essa movimentação nada mais é do que uma tentativa de chamar a atenção da dona da Sadia e Perdigão para retomar as conversas de uma combinação de negócios que foi iniciada lá atrás, em 2019, e acabou não indo para frente.
Os especialistas avaliam que a fusão seria a melhor operação entre as duas gigantes, já que a compra da BRF geraria uma alavancagem muito grande, em um setor que enfrenta alta volatilidade e margens muito estreitas, segundo o analista da XP Investimentos, Leonardo Alencar.
Em contrapartida, a combinação de negócios é mais viável e gera uma expectativa para um portfólio mais amplo. Caso se concretize, a operação mudará a cara do setor na bolsa de valores brasileira, que hoje é composto por apenas quatro ativos: JBS (JBSS3), Minerva (BEEF3), Marfrig e BRF.
Porém, apesar de entusiasmar o mercado, um casamento entre Marfrig e BRF enfrentaria vários desafios. O principal deles é a diferença entre as culturas corporativas das duas empresas.
Enquanto a Marfrig é uma empresa mais jovem, agressiva em aquisições e experiente no dinâmico setor de commodities, a BRF tem origens centenárias e é mais cautelosa em seus movimentos de mercado. Além disso, a dinâmica da indústria de alimentos processados é diferente do mercado de carnes.
Namoro entre culturas diferentes
A questão da cultura corporativa pode parecer um detalhe pequeno, mas é algo que preocupa os especialistas. Isso porque não é muito simples fazer a fusão de duas empresas com culturas muito distintas.
A operação de commodities é mais “nervosa”, enquanto produtos processados precisam de uma estrutura melhor e de um prazo mais longo para amadurecer. E, historicamente, esse é um problema que já foi visto no passado, principalmente envolvendo uma das empresas: a BRF.
A BRF surgiu da fusão entre Sadia e Perdigão. Até hoje este casamento é visto como mal resolvido, que provoca conflitos internos e tem participação na crise pela qual a empresa passa.
“Já vimos no passado a fusão da Perdigão e Sadia, que teve problema de gestão de insumos, milhos, soja e a questão cambial”, disse Bruno Madruga, especialista de renda variável da Monte Bravo.
E o especialista aponta que esses são pontos que precisam ser observados na operação entre as companhias. “A parte de grãos afeta diretamente a produção da BRF, por serem insumos para frangos e suínos, o que já não é tão importante para Marfrig. Para isso, precisamos entender como a BRF e a Marfrig fazem suas gestões por serem insumos diferentes”, concluiu.
Além da gestão de insumos, os especialistas apontam que o perfil das empresas se diferem: a Marfrig é mais agressiva em suas aquisições e a BRF é mais cautelosa.
Foi por este motivo que as companhias não continuaram as conversas sobre a fusão em 2019. Segundo o comunicado divulgado pelas duas empresas na época, o motivo da desistência foi a falta de acordo em relação à governança da empresa que surgiria a partir da fusão.
Fusão mudaria cara do setor
O principal player da Bolsa de Valores do setor de alimentos com foco em proteínas é a JBS, avaliada em R$ 86,6 bilhões. A companhia atua nos segmentos de carne bovina, suína e frango. Por sua vez, a BRF é líder na produção de carne de frango e suína no Brasil, enquanto a Marfrig é vice-líder mundial no segmento de carne bovina.
A combinação dos negócios proporcionaria uma empresa mais semelhante ao principal player hoje, com atuação em diversas áreas. No entanto, a JBS teria apenas um competidor mais forte, embora ainda muito menor do que ela. No mundo das ações, apenas a Minerva permaneceria atuando em um único segmento, que é o de carne bovina.
Mas o ponto mais relevante em uma potencial fusão seria a possibilidade de Marfrig e BRF se complementarem. “Estamos falando de uma empresa que vai ter muito mais musculatura, muito mais alcance global. Temos poucos players listados na bolsa, então obviamente diminuiria ainda mais. O ponto mais interessante é que são ativos complementares”, analisou Alencar.
Pontos positivos da fusão entre Marfrig e BRF
Apesar dos desafios, a fusão entre as duas empresas teria inúmeros bons motivos para acontecer. Isso porque o mercado enxerga muita sinergia nessa nova empresa que chegaria com um portfólio maior de produtos e um maior leque de opções, o que a tornaria mais competitiva em outras regiões, como China e Europa.
“No geral, os pontos são positivos porque uma empresa com essa musculatura realmente teria mais abrangência geográfica, nacional e mundial, e uma complementaridade de portfólio”, disse Alencar.
Para o BTG Pactual (BPAC11), do ponto de vista estratégico, a fusão proporcionaria, além da diversificação de portfólio, uma oportunidade para sinergias operacionais e materiais. “Nós acreditamos em potenciais eficiências que podem surgir em áreas como distribuição, marketing e branding”.
Além da nova empresa, a combinação de negócios auxiliaria no cumprimento de metas ambiciosas que as companhias traçaram para si.
De acordo com o analista da Ativa Investimentos, Sérgio Berruezo, a BRF possui um plano de expansão que demanda capital, e a fusão traria esse recurso financeiro. Já a Marfrig contaria com marcas consolidadas em seu portfólio, além de atuar em outras regiões.
“A BRF tem plano de expansão até 2030 que inclui aumentar Ebitda, receita e aquisições futuras, mas ela tem que equilibrar para investir nesses planos e precisa de capital. Com a fusão, ela seria beneficiada, pois conseguiria um fluxo de caixa mais estável. Ficaria mais tranquilo executar esse plano ambicioso.”
“Já para a Marfrig, seria positivo pois além de aderir marcas muito fortes, como Sadia e Perdigão, ela conseguiria estabilizar muito mais sua receita com os novos mercados asiáticos”, completou.
Por enquanto, a Marfrig já garantiu uma fatia de 30% na concorrente, mas uma fusão dependeria de um acordo que, até o momento, ainda não saiu do plano das ideias. Caso a empresa chegue a uma fatia de 33,33% das ações da BRF, terá de lançar, em até 30 dias contados a partir da aquisição mais recente, uma oferta pública de aquisição (OPA) para todos os demais acionistas. Enquanto isso, as ações da BRF subiram 14% desde o começo da investida da Marfrig.