Poucas semanas depois que os líderes mundiais concordaram em apoiar uma maior tributação das empresas multinacionais, as grandes empresas americanas de tecnologia agora têm mais um motivo para se preocuparem. Em junho, a crítica das Big Techs, Lina Khan, foi empossada como presidente da Federal Trade Commission dos Estados Unidos (FTC), o equivalente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) dos EUA.
Khan foi nomeada para o cargo pelo presidente dos EUA, Joe Biden, e ocupará a posição até setembro de 2024. Aos 32 anos, a jovem é a mulher mais nova a liderar o órgão antitruste da primeira economia do planeta.
A FTC é responsável por fazer cumprir as leis de proteção ao consumidor dos Estados Unidos, incluindo a defesa dos consumidores de fraudes e práticas comerciais desleais. Mas também impõe leis antitruste federais que proíbem fusões anticompetitivas e outras práticas de negócios que podem levar a preços mais altos, menos opções ou menos inovação, conforme explica o próprio site da FTC.
Como presidente, Khan dirige o foco da comissão, definindo a agenda e nomeando a equipe da agência.
Críticas as Big Techs
A nomeação, que ocorreu em junho, marca um momento em que tanto democratas quanto republicanos estão criticando as chamadas Big Techs, como Amazon (AMZO34), Facebook (FBOK34), Google e Apple (AAPL34), que atualmente estão sendo julgadas por terem uma “quantidade perigosa” de poder e influência descontrolados.
Khan passou grande parte de sua carreira criticando gigantes da tecnologia por supostas práticas monopolistas. Como presidente da FTC, ela agora está posicionada para ter um efeito potencialmente transformador no cenário de negócios dos Estados Unidos.
Khan nasceu em Londres, filho de pais paquistaneses. A família emigrou para os Estados Unidos quando ela tinha 11 anos. A presidente do FTC começou trabalhando como jornalista, mas logo mudou de ideia e se formou em direito na Universidade de Yale.
Ela então trabalhou na Federal Trade Commission e novamente em Washington, fornecendo assessoria jurídica para uma investigação do Congresso sobre os poderes das Big Techs. Khan ajudou a escrever um relatório de 449 páginas que clamava por uma maior regulamentação dessas empresas.
Em 2020, ela se tornou professora associada de direito na Columbia Law School na cidade de Nova York.
Paradoxo antitruste da Amazon
Em 2017, a estudante ganhou destaque após publicar um artigo no Yale Law Journal, que criticava a falta de regulamentação aplicada à gigante do comércio eletrônico fundada por Jeff Bezos.
Intitulado “Paradoxo Antitruste da Amazon“, o jornal desafiou as interpretações tradicionais da lei antitruste que se concentrava em garantir preços baixos para os consumidores.
Khan argumentou que a capacidade da Amazon de reduzir os preços dos concorrentes não justifica o dano geral causado pelo monopólio que ela cria.
Contudo, Khan não é a primeira a fazer isso. Outros acadêmicos, como o professor Tim Wu, da Universidade de Columbia, também denunciam há muito tempo os efeitos das concentrações excessivas e não contrastadas por regras antitruste. Mas ela foi além, não somente pela veemência de suas argumentações, mas também pela contestação da mudança das políticas antimonopolísticas levadas adiante na base das teorias de um grande jurista conservador, Robert Bork.
De acordo com essa doutrina, baseada nos estudos econômicos da Universidade de Chicago, os procedimentos antitruste não podem considerar uma empresa como contrária a concorrência se o comportamento dela permite oferecer produtos e serviços com preços mais baixos. A teoria do consumer welfare, o bem estar do consumidor.
Desta forma, esta teoria protegia automaticamente a Amazon, mas também Google ou Facebook, contra qualquer contestação.
Khan salientou em seu artigo que os pais das leis que mudaram o capitalismo selvagem do final do século dezenove em um sistema mais regulamentado, mais aceitável socialmente e, ao mesmo tempo, ainda dinâmico sob um perfil empresarial, tinham objetivos muito maiores do que uma simples redução de preços.
Eles queriam desmontar monopólios capazes de condicionar o poder político ou de acabar com a concorrência oferecendo aos clientes, por um determinado período de tempo, preços muito baixos, segundo ela.
Após esse artigo, Khan se tornou uma inimiga declarada das empresas de tecnologia do Vale do Silício. Assim como de todos os grupos que nas últimas décadas realizaram grandes concentrações econômicas, das linhas aéreas até as farmacêuticas.
Defensora da privacidade de dados
Diante disso, Khan informou que planeja levar a sério a questão com as Big Techs em seu papel como presidente da FTC.
Na audiência de confirmação do Senado, ela também expressou preocupação sobre os danos que o compartilhamento excessivo de dados pode representar para os consumidores. A publicidade online direcionada depende dos dados do usuário, dando às empresas um grande incentivo para coletá-los.
“Em alguns casos, as empresas podem pensar que vale a pena o custo de fazer negócios para se arriscar a violar as leis de privacidade”, disse ela na época.
A FTC tem a capacidade de bloquear fusões de empresas ou influenciar os termos de tais acordos. Também pode levar empresas a tribunal por violar as regras de concorrência leal, que a agência tem o poder de definir.
A comissão consiste em Khan e quatro outros comissários, dois democratas e dois republicanos, que votam em todas as principais decisões e mudanças. As decisões também devem ser suspensas em tribunal.
Big Techs versus FTC
Todavia, as vozes da indústria de tecnologia não se animaram com a posse de Khan.
“O ativismo antitruste de Lina Khan prejudica a reputação da Federal Trade Commission como um órgão imparcial que aplica a lei de maneira não discriminatória”, disse Carl Szabo, vice-presidente do grupo de lobby da indústria de tecnologia NetChoice, cujos membros incluem Amazon e Google, em um comunicado.
Após a “presidência amiga” de Barack Obama, e a presidência que “late mas não morde” de Donald Trump, agora o governo Biden decidiu mudar o tom do discurso em vários níveis.
Mesmo com o aumento da hostilidade de democratas e republicanos, os grupos tecnológicos do Vale do Silício consideravam improvável a criação de leis de regulamentação ou antitrustes.
No entanto, quando se apresentou para sua sabatina no Senado, Khan conquistou o apoio de muitos políticos republicanos e ganhou elogios de muitos deputados conservadores, como Ted Cruz.
Sua nomeação foi ratificada também com o voto de 22 senadores republicanos. E isso mostra que existe um apoio de ambos os partidos para tentar consertar a situação.
Todavia, logo após sua nomeação, começou a contraofensiva das Big Techs.
Apesar disso, Lina Khan terá uma aliada poderosa em Margrethe Vestager, vice-presidente executiva da Comissão Europeia, órgão o qual, durante anos, buscou controlar a influência das gigantes da tecnologia no bloco.
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