Juros baixos devem permanecer por um bom tempo no Brasil, diz Journey
A taxa básica de juros (Selic) em patamares minimamente históricos deve permanecer por um bom tempo graças a baixa pressão inflacionária e a manutenção da situação fiscal austera no Brasil. A avaliação é de Victor Cândido, gestor da Journey Capital.
“Do ponto de vista de conjuntura ou do ponto de vista de inflação, você não tem nenhuma pressão inflacionária, então isso permite que uma economia com alta ociosidade, uma inflação bem baixa, sem pressão salarial, o caminho para juro ficar em 2% está dado”, disse o gestor da Journey.
Para Cândido, o que irá determinar para onde a Selic vai é a situação fiscal que o Brasil terá, em meio a discussões sobre o fim do teto de gastos -condição que a Journey não vê com grande preocupação.
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“Os 2% são o piso. Selic me parece compatível. Vai ficar ali por um bom tempo, mas o que vai determinar isso é a situação fiscal”, afirmou.
“Pensando no geral, a gente acha que não tem ruptura fiscal, o governo tem capacidade política e tem poder”, disse o gestor da Journey.
Para Victor Cândido, mesmo com a crise do coronavírus (covid-19), o mercado de crédito ainda possui boas oportunidades, apesar da exigência de uma escolha criteriosa.
“Acho que tem oportunidade, tem que escolher bem, não acho que é para sair comprando tudo também não. Principalmente olhar alavancagem das empresas. Acho que dependendo da duração, não só tem oportunidade de qualidade de crédito, mas também em fechamento de curva”, afirmou.
Confira a entrevista do SUNO Notícias com Victor Cândido, gestor da Journey:
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-Como vocês analisam a crise causada pelo novo coronavírus (covid-19) e suas implicações na economia e nos mercados?
Logo que começou a crise, a primeira discussão que aflorou foi a gente tentar entender, de um ponto de vista macro, como a economia ia se comportar. Você quer ter a leitura do que o mercado está achando. Se a leitura diverge da sua e seu grau de convicção está alto, é o momento de tomar decisões.
Primeiro identificamos que a economia seria paralisada. E no Brasil, onde 73% do PIB é referente a serviços, vimos que o choque seria pesado.
Aí começou a discussão se seria um choque inflacionário ou deflacionário. Na hora, vimos que seria deflacionário, pois você paralisou a economia, uma grande parte do IPCA é de serviços, então com a queda, a inflação viria abaixo.
Mesmo com o câmbio alto, o preço das commodities derreteu, portanto o impacto de commodities foi muito maior do que o da inflação. O BC teria que fazer uma política de juros bastante forte, agressiva.
Vimos os prêmios que abriram na curva de juros e, na nossa opinião, a queda do mercado estava mais ligado a desalavancagem. Claro que houve um pânico, mas quando você analisa todos os ativos, os movimentos são muito claros de que faltou liquidez em vários mercados e os preços ficaram distorcidos.
No mercado de juros, na minha opinião, ficou claro que faltou liquidez e o pessoal vendeu o que deu. Então, nesse primeiro momento, a nossa leitura foi proveitosa para alguns fundos da casa performaram bem pois fizemos grandes posições na curva e vimos que tinha prêmio na curva de juros.
Então, para a gente ali, essa leitura que o choque era deflacionário nos ajudou muito. Do ponto de vista de crédito, que é o core da casa, fomos felizes, e com sorte, a gente não tinha na carteira coisas como debêntures de risco, como de academias, ou locadoras de carro, nenhum crédito mais high yield de varejo. A gente não tinha esse tipo de cosia.
Obviamente, sofremos com a abertura de spread, mas estamos normalizando. Ainda tem muito para fechar. Entre esse posicionamento de juros que tomamos e essa nossa leitura que o choque era desinflacionário, conseguimos ter uma ideia do plano de voo do BC e isso nos permitiu que fossemos muito bem desde então.
-Crédito ainda preocupa muita gente.
Olhando do ponto de vista de crédito, acho que tem oportunidades, já fechou muito os spreads, principalmente nos papéis institucionais, mas debêntures ainda tem bastante coisa.
O problema de crédito é o mercado ruim, apertado, que não é o mesmo mercado para pessoa física e institucionais, principalmente para quem tem bons times para análise de crédito. Quem faz isso, consegue escolher bons papéis.
Acho que tem oportunidade, tem que escolher bem, não acho que é para sair comprando tudo também não. Principalmente olhar alavancagem das empresas. Acho que dependendo da duração, não só tem oportunidade de qualidade de crédito, mas também em fechamento de curva.
De qualquer jeito, é um mercado que você tem que tomar muito cuidado.
-Como será a recuperação para vocês?
Acho que do ponto de vista de atividade, os números têm vindo bons. Toda questão do auxílio emergencial e afins que deram uma ajuda e foram bastante importantes em proteger a renda.
Por um lado, o JP Morgan calculou, por exemplo, que no Nordeste você teve um ganho de renda de 24%, então você tem aí um aumento de renda. Mas, na nossa opinião, a recuperação foi relativamente rápida agora no começo, mas ela tende a ficar mais devagar já que o auxílio tende a ficar reduzido.
O segundo ponto, é que os demitidos ainda surfam o seguro-desemprego, mas ele acaba. Olhando um pouco os dados, o efeito maior deve ser mais para o final do ano. E, além disso, você teve o saque do FGTS, que também deve acabar.
Como você teve um aumento muito grande de renda, sem um aumento de consumo, você teve uma poupança. Então veremos se ela vai começar a ser gasta.e funcionar como amortecedor com o fim dos benefícios.
No mercado de trabalho, você fica muito pessimista com uma recuperação rápida. A taxa de desemprego vai subir e subir forte por esse ajuste de taxa de participação. Mais perto de 20% do que de 10% e isso deve segurar a atividade.
-Os juros devem permanecer baixo por mais tempo?
Há uma coisa interessante. Do ponto de vista de conjuntura ou do ponto de vista de inflação, você não tem nenhuma pressão inflacionária, então isso permite que uma economia com alta ociosidade, uma inflação bem baixa, sem pressão salarial, o caminho para juro ficar em 2% está dado.
Os 2% são o piso. Selic me parece compatível. Vai ficar ali por um bom tempo, mas o que vai determinar isso a situação fiscal.
-Há um debate grande atualmente sobre a manutenção do teto de gastos. Como a Journey vê isso?
A gente não acredita em ruptura fiscal. Achamos que hoje o governo tem uma estrutura política maior do que há dois meses. Até conversamos com ministros e eles deixaram claro que não há como furar teto, nem puxadinho.
Ou o governo cumpre, ou descumpre, ou manda uma PEC para acabar com o teto. Então, pensando no geral, a gente acha que não tem ruptura fiscal, o governo tem capacidade política e tem poder. O ministro Paulo Guedes entendeu que ele vai ter que ceder um pouco.
Ao mesmo tempo que a dívida é alta, os juros baixos fazem com que o custo dela fique menor, então isso não assusta tanto. Teremos muita volatilidade, mas, agora, pensando no médio prazo, as coisas deverão continuar numa crescente.
Entrevista com Victor Cândido, gestor da Journey