A história de John MacAfee é digna de um livro escrito por John le Carrè ou Graham Greene.
Um entrelaçamento excêntrico e trágico. Uma parábola de paixões, obsessões, gestos loucos e violências, que se desenrolou entre grandes cidades americanas ou europeias e longínquas costas latino-americanas. Até a morte, que chegou para MacAfee, ainda de forma pouco clara, em uma prisão de Barcelona, na Espanha.
O pioneiro da tecnologia elaborava programas de proteção de computadores quando o setor era ainda desconhecido ao grande público.
Seu nome ainda é sinônimo do primeiro software antivírus do mundo da informática.
Mas John MacAfee também era um aventureiro viajante e viciado em drogas.
Vítima de comportamentos paranoicos e gestos de loucura.
Fugitivo para lugares remotos da América Central perseguido por suspeitas, acusações e acusações.
No centro de tramas violentas e sombrias, onde a fronteira entre a realidade e a ficção muitas vezes parece confusa.
Até o último mistério. Quando foi encontrado morto, suicida segundo os primeiros indícios das autoridades de Barcelona que abriram uma investigação.
MacAfee foi preso em outubro passado por sonegação de impostos, seria extraditado para os Estados Unidos em breve.
A vida turbulenta de John MacAfee
Morreu aos 75 anos com uma reviravolta final. Dramático e surreal, o epílogo de uma odisseia pessoal e profissional com poucos paralelos na história da América corporativa.
Nascido na base militar americana de Gloucestershire, na Inglaterra – onde seu pai era um soldado e sua mãe uma funcionária de um banco britânico – o futuro magnata mudou-se para os Estados Unidos aos dois anos de idade.
Os dramas o acompanham imediatamente. Quando ele tinha 15 anos, seu pai, alcoólatra e violento, suicidou-se.
Ele se formou em matemática em 1967 e começou uma carreira como programador, antes para a NASA e em seguida para empresas como a Xerox e Omex.
Mudando-se para o Vale do Silício, se dedicou a programação de software, bem como a drogas e álcool. Cocaína e uma garrafa de uísque todos os dias. E um primeiro casamento que terminou rapidamente em divórcio.
Mas MacAfee logo estava pronto para uma nova aventura.
Se desintoxicou e foi capaz de explorar suas habilidades não apenas como programador, mas também no marketing – às vezes exagerando as ameaças de vírus de computadores graças à sua personalidade obsessiva e ávida por atenção da mídia.
Esses ingredientes foram a chave para fazer a fortuna da empresa que decidiu batizar com seu nome: a MacAfee.
MacAfee pioneiro da computação
A empresa nasceu na década de oitenta, no alvorecer da era do PC.
E MacAfee foi o protagonista de um golpe de mestre: projetou um software capaz de bloquear os primeiros ataques com malware que havia surgido – um vírus capaz de destruir o disco rígido de um PC e batizado de “cérebro paquistanês”.
MacAfee deixou deliberadamente um de seus computadores se “infectar” e escreveu um programa que desarmou o vírus.
Com base nisso, em 1987 deu origem à empresa sediada em sua casa, em Santa Clara, Califórnia.
Em cinco anos, McAfee deixou de ser um nerd pioneiro na informática e se tornou uma personagem de sucesso e um magnata.
Sua inovação inaugurou uma verdadeira indústria, que desde então cresceu rapidamente, faturando bilhões de dólares.
E a MacAfee estava no topo desse setor, controlando 70% do mercado de antivírus para desktops.
Metade das 100 maiores empresas dos Estados Unidos usavam seu software, e a McAfee estava ganhava todos os anos US$ 5 milhões da época.
Venda da empresa e vida selvagem
Em 1994, o novo ponto de inflexão. MacAfee vendeu a empresa por cerca de US$ 100 milhões.
A partir daquele momento se entregou à uma vida selvagem, sob o lema “amante das mulheres, da aventura e do mistério”.
A soma dessas façanhas, segundo suas próprias contas, está na longa ficha criminal acumulada ano após ano: 21 prisões em onze países por crimes que incluíam posse e uso de armas de fogo, tráfico de drogas, evasão fiscal e fraude financeira.
A espiral da crise começou logo após a venda de sua empresa. Ele reconheceu que nunca teve o talento ou o desejo de dirigir uma grande empresa.
E para ocupar o tempo construiu nove mansões, comprou um esquadrão de aviões e carros clássicos, bem como uma propriedade no Colorado onde criou um centro de ioga.
Novas empreitadas empresariais o levaram a criar duas start-ups de tecnologia. Mas também a curtir a vida com jet skiing e a criação de um novo esporte, que chamou de aerotrekking, que prevê pilotar pequenos aviões de elevada velocidade muito próximo do solo.
E foi praticando aerotrekking que ocorreu outro evento crucial para seu destino. Um sobrinho que trabalhava para MacAfee levou um cliente para testar o esporte, mas sofreu um acidente que matou ambos e levou à um processo multimilionário em 2008.
Uma tragédia que levou McAfee para uma nova virada radical: abandonar os Estados Unidos.
Fuga para o Belize. E do Belize também
A aventura-símbolo desta nova fase da sua vida tem como pátria o Belize, de foi forçado a fugir na sequência de problemas jurídicos e financeiros.
Chegando em 2008 para reconstruir sua vida, quatro anos depois MacAfee se tornou o principal suspeito em um caso de assassinato.
O empresário foi acusado de contratar um pequeno exército de ex-presidiários e se transformar em traficante de drogas.
Ele também tinha a fama de ter se tornado extremamente paranoico e perambulava com cães ferozes na praia perto de sua residência para garantir sua proteção.
Poucos dias depois que quatro de seus cães foram encontrados envenenados, o vizinho de McAfee – outro expatriado americano, Gregory Faull – foi encontrado morto a tiros.
McAfee, que havia ameaçado Faull, foi rapidamente investigado e fugiu de Belize, entrando ilegalmente no Guatemala.
Preso, ele fingiu um ataque cardíaco para não ser extraditado e foi deportado para os Estados Unidos.
A investigação sobre o assassinato de Faull em Belize terminou em um impasse.
O primeiro-ministro do país na época, Dean Barrow, no entanto, chamou MacAfee de “louco”.
Nos anos seguintes, o empresário tornou-se, se não louco, cada vez mais imprevisível.
Em 2013, ele carregou um vídeo no YouTube onde prometia oferecer instruções sobre como desinstalar o seu próprio software antivírus, que ele disse odiar. E que, de fato, é bastante complicado eliminar do PC.
No vídeo, ele se autodenominou “milionário excêntrico”. Usa notas de dólares como fósforo para acender cigarro, abusa de insultos, cocaína (falsa) e companhias femininas.
No final do vídeo, divulgou sua solução para deletar o software: pegue uma arma e atire no computador.
Orgulho de ser “anormal”
McAfee sempre se orgulhou de levar uma vida sexual anormal, relacionando-se com prostitutas e garotas muito novas.
“Eu gravito em torno dos párias do mundo”, disse ele à um repórter da Wired em 2013, quando a revista estava preparando um longo perfil sobre ele.
“Prostitutas, ladrões, deficientes, sempre fui fascinado por subculturas”, declarou o empresário.
No mesmo ano se casou com Janice Dyson, com quem ele havia namorado pagando-a como uma prostituta.
Durante anos, em seu calor rebelde e iconoclasta, também se gabou de não ter pago impostos, autoproclamando-se libertário.
De fato, em 2016 tentou concorrer, sem sucesso, à nomeação do partido Libertário nas eleições presidenciais dos Estados Unidos.
E em 2017 em entrevista à rede ABC TV, MacAfee disse que não seguiu as regras normais da vida e por isso foi tratado como um louco.
Tentativa de dar volta por cima
Não foram apenas loucuras e aventuras sem rumo que dominaram os anos finais da McAfee.
Ele também se reinventou como empresário, especialista em tecnologia, comentarista e grande divulgador de criptomoedas.
Vestiu a capa de especialista em segurança digital, abordando o perigo apresentado pelos hackers, com palestras pagas e na televisão.
Em 2019, no entanto, um tribunal da Flórida ordenou que ele pagasse US$ 25 milhões aos herdeiros de Faull, o homem morto em Belize, considerando-o responsável por sua morte. McAfee recusou, chamando a sentença de “extorsão contra os ricos”.
Mas os problemas legais ainda aumentaram: promotores do Tennessee, onde ele morava ao voltar da Guatemala, o acusaram de esconder propriedades e ativos financeiros do fisco.
McAfee e sua esposa imediatamente embarcaram em seu iate, não surpreendentemente chamado de Grande Mistério, e partiram para o Caribe.
Detido na República Dominicana, desta vez por porte de armas de uso restrito das Forças Armadas, contratou advogados que conseguiram deportá-lo para a Inglaterra.
Em 2020, foi para a Espanha, onde foi preso com base em um mandado de prisão e extradição americano.
Eis o capítulo final de sua saga. Enquanto isso, começaram a surgir cada vez mais acusações dos EUA.
Além da sonegação de impostos, nos últimos meses o promotor federal de Nova York o acusou, junto com seu guarda-costas, Jimmy Gale Watson, de uma fraude milionária de Pump and Dump contra investidores em criptomoedas.
O negócio teria feito com que a McAfee comprasse grandes quantidades de moedas digitais baratas, as altcoins, promovesse-as no Twitter com mensagens falsas e inflasse engenhosamente seus preços, depois vendesse e embolsasse o lucro.
Com um milhão de seguidores na rede social, ele teria conseguido elevar o valor da criptomoeda entre 50% e 350%.
Ao todo, os dois teriam ganho US$ 23 milhões, obviamente nunca declarados ao fisco.
Em uma de suas mensagens finais, McAfee escreveu no Twitter alegando que não possui absolutamente nada e chamando as acusações de sonegação fiscal de “perseguição política”.
Melhor epitáfio foi do próprio MacAfee
Talvez, o epitáfio mais eficaz foi aquele que ditou ao jornal South China Morning Post anos atrás. “Gente, eu vivo uma vida muito emocionante. Às vezes demais, mas isso acontece quando você vive perigosamente, e é o que eu gosto porque é assim que as descobertas acontecem. Estou curioso e às vezes tenho pressa. Mas é a minha vida, é uma história verdadeira e há ainda mais do que o mundo conhece”, declarou o empresário.
Uma vida que, mesmo depois da morte de John MacAfee, provavelmente permanecerá um enigma insolúvel.
Notícias Relacionadas