Muitos veículos de imprensa dos Estados Unidos começaram a apelidar o presidente Joe Biden de “novo Franklin Delano Roosevelt”.
A tentação de fazer uma comparação – com todos os limites que essas operações têm no plano histórico – entre Biden e Roosevelt é politicamente muito forte.
Ambos chegaram à Casa Branca em meio a uma grave crise. Ambos tomaram o lugar de um republicano com uma reputação muito polêmica (o então presidente Herbert Hoover não deixou uma boa lembrança na opinião pública). Ambos decidiram enfrentar as dificuldades da economia americana com determinação.
O pacote de investimentos em infraestruturas de cerca de US$ um trilhão (cerca de R$ 4,9 trilhões), anunciado na última quinta-feira (24), fez muitos observadores relembrar o New Deal de Roosevelt.
Entretanto, as semelhanças em grande parte terminam aqui.
A distância entre os dois presidentes é muito grande. Os desafios são diferentes. E as soluções inevitavelmente diferentes.
Biden gastou muito mais do que Roosevelt
A diferença mais óbvia é que a primeira mudança de Franklin Delano Roosevelt, eleito em 1933, não foi um grande plano de estímulo fiscal, mas um corte salarial.
Os salários dos funcionários públicos e as pensões dos veteranos foram reduzidos em 15% com economia anual de US$ 500 milhões da época.
Outros cortes envolveram o orçamento militar (menos US$ 125 milhões), o serviço postal (US$ 75 milhões), o Departamento de Comércio (US$ 12 milhões), além de cortes de US$ 75 milhões de outros salários e US$ 100 milhões de dispensas em cargos públicos.
Não exatamente uma política fiscal expansionista.
A ideia do então presidente e de seus assessores era distinguir entre o orçamento “regular” do Estado, que deveria permanecer – ou melhor, voltar, após as intervenções de Hoover – em equilíbrio, e o orçamento “extraordinário” destinado a conter a recessão , que pode estar em déficit.
No final da crise, iniciada em 1929, o retorno à normalidade teria sido, portanto, relativamente simples, ainda que, inevitavelmente, com uma dívida pública muito maior.
O esforço fiscal foi muito intenso, até porque o governo anterior certamente não limitou seus gastos públicos: o déficit chegou a 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1932.
O tamanho da ação de Roosevelt em comparação com o de Joe Biden, obviamente em termos relativos, também é muito diferente.
Em média, o déficit público do período 1933-1939 – portanto antes do aumento massivo de gastos ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, mas vinculado às necessidades da guerra – foi igual a 3,7% do PIB, segundo dados do Federal Reserve (Fed) de St. Louis.
Para fazer uma comparação, no período da Grande Recessão Financeira de 2009 a 2020, o déficit americano médio foi de 6% do PIB.
Nem Keynes gostou do New Deal
A política dos anos 1930, então, não poderia nem ser definida como “keynesiana”.
Até pelo fato de John Maynard Keynes ter publicado sua “Teoria Geral” em 1936, quatro anos depois da primeira eleição de Roosevelt.
O economista britânico também tinha escrito uma carta aberta a Roosevelt em 1933, convidando-o a não sacrificar ou esquecer a retomada em favor das reformas e aos cortes fiscais.
Não por acaso, os keynesianos mais radicais consideraram o New Deal como um período de conservadorismo fiscal, e a recessão de 1937-38 foi associada aos severos cortes impostos aos programas de reconstrução de Roosevelt.
Até o relacionamento pessoal dos dois não foi bom: quando se encontraram pela primeira vez, ambos ficaram desapontados. Keynes achava que Roosevelt tinha formação econômica, o que não era o caso, e o presidente ficou pasmo com a matemática usada pelo economista.
A dívida pública, no entanto, não saiu do controle. Na eclosão da crise, era igual a 16% do PIB e havia subido para 34% já em 1932, portanto, antes do governo Roosevelt.
Em 1933, deu um salto para 40%, mas depois oscilou em torno desse nível não apenas até 1939, mas também nos primeiros anos da guerra mundial.
Só em 1943 começou a subir rapidamente até atingir a máxima histórica, superada somente em 2020, de 118%.
Biden e Roosevelt aumentaram os impostos
Um dos pontos de convergência entre as políticas econômicas de Roosevelt e Biden é o aumento da carga tributária.
Isso pois ambos precisam um aumento da arrecadação para financiar essa enorme expansão fiscal.
Em 2021 o presidente dos Estados Unidos decidiu criar um “impostos global sobre multinacionais”. Aprovado pelos países do G7.
Em 1934, a carga tributária para os mais ricos foi ligeiramente aumentada, mas a alíquota máxima de 63% foi confirmada.
Um imposto sobre o lucro líquido das empresas de 13,75% também foi introduzido.
Em 1935 foi introduzido o “Imposto sobre a Riqueza“, com uma alíquota de 75% para os detentores de uma renda superior a US$ 5 milhões.
Entretanto, o imposto foi pouco eficaz, afetando apenas uma pessoa, John D. Rockefeller.
Isso pois a medida, na verdade, era repleta de isenções. E os historiadores econômicos a criticam justamente por esse motivo.
Além disso, essa mesma lei criou um imposto previdenciário regressivo, com peso proporcionalmente maior em cima dos mais pobres.
Em 1936 o imposto de renda atingiu então uma alíquota máxima de 79%. As alíquotas sobre lucros e dividendos se tornaram progressivas, de 8% até 15%, e também foi introduzida uma sobretaxa para lucros não reinvestidos, também progressiva, com uma alíquota máxima de 27%.
Roosevelt contra subsídios aos cidadãos
Roosevelt – ao contrário de Biden – se opôs ao pagamento de subsídios aos cidadãos americanos.
O Congresso havia apresentado um projeto de lei de ajuda econômica para os soldados veteranos da Primeira Guerra Mundial, pagos em títulos da dívida pública não imediatamente transferíveis, mas com um cupom acima das taxas de mercado.
Roosevelt tentou vetar – como havia feito para uma versão anterior da medida – mas o Congresso, após uma discussão de uma hora, derrubou o veto por 322 votos a 98.
Os quatro milhões de veteranos receberam cerca de US$ 1,5 bilhões em títulos pouco antes da eleição de 1936. Ganha mais uma vez por Roosevelt.
New Deal mal interpretado?
Mas de onde então surgiu a ideia do New Deal como política que mudou radicalmente a estrutura da economia americana e da intervenção pública, a ponto de tornar Roosevelt um campeão do keynesianismo e até da socialdemocracia do mundo inteiro?
A análise do New Deal é muito complexa. Dois elementos podem ser identificados.
O primeiro parece até agora ausente da política de Joe Biden: uma política de reforma do sistema econômico dos Estados Unidos, com a introdução da Previdência Social – financiada por impostos sobre a folha de pagamento – a aprovação da Lei sobre as relações do trabalho, a regulamentação do sistema financeiro com o Securities Act e o Glass-Steagall Act.
O segundo elemento é a massa de programas de obras públicas, realizadas por várias agências governamentais.
A Public Work Administration (PWA), lançou cerca de 35.000 projetos de cooperação público-privada, a um custo de US$ 3,3 bilhões e a Tennessee Valley Authority permitiu a construção de represas e usinas de energia.
Para encorajar uma forte intervenção pública na economia, no entanto, Roosevelt não apenas tentou diluir as leis antitruste americanas, mas introduziu regras que favoreciam o estabelecimento de monopólios e cartéis, a ponto de seus próprios economistas admitirem que, na realidade, essas regras foram um freio para o crescimento.
Em sua, a política monetária e fiscal fortemente expansionista levada adiante por Joe Biden, na verdade, é muito superior a aquela de Roosevelt. Assim como foi a resposta do governo dos EUA à crise de 2008. A esperança é que a economia volte a crescer mais rapidamente do que ocorreu nos anos 1930.
Notícias Relacionadas