O mês de fevereiro começou quente para quem acompanha o mercado financeiro brasileiro. A polêmica da vez entre agentes do mercado de capitais ocorre após a gestora carioca Squadra Investimentos ter entrado em rota de colisão com a resseguradora IRB Brasil (IRBR3).
A história começou após a Squadra montar uma posição short, ou “vendida” (uma posição que lucra quando o preço da ação cai), em relação aos papéis da IRB. Com a posição já montada, a gestora divulgou dois relatórios, um no dia 2 e outro no dia 9, apontando possíveis problemas contábeis na gestão da resseguradora.
A estratégia foi tiro e queda. Desde a divulgação do primeiro documento, de 154 páginas, até o fechamento de mercado desta segunda-feira, a a ação da empresa despencou quase 30%.
O movimento de montar posições short depois de encontrar inconsistências em empresas listadas em bolsa, então, divulgar o que se sabe é relativamente comum fora do Brasil, onde casos como o da farmacêutica Valeant e da empresa de marketing multinível Herbalife ficaram famosos. Por aqui, no entanto, esse tipo de ação ainda causa polêmica.
Veja também: IRB apresenta reclamação contra Squadra por manipulação de preços
Para além da percepção da existência de problemas contábeis ou não, o mercado passou a debater a validade da estratégia da Squadra em montar uma posição para, depois, tentar influenciar o mercado para baixo.
Sob condição de anonimato, dois analistas do mercado financeiro opinaram ao SUNO Notícias sobre a operação. Opiniões divididas. Para um deles, há visível conflito de interesse na divulgação do relatório da Squadra. Outro diz que isso é normal em mercados amadurecidos – caminho para o qual o Brasil deveria estar seguindo.
Entenda o caso Squadra x IRB
O dia 2 de fevereiro de 2020 marcou o início da discussão que, ao que parece, deve nortear a comunidade financeira pelos próximos dias e aproximar o mercado brasileiro do americano, em práticas e costumes.
Veja Também: IRB Brasil chega a cair 15,17% após carta da Squadra Investimentos
Naquele dia, em um relatório de cerca de 154 páginas, a gestora do Rio de Janeiro mostrou uma aposta contra as ações do IRB.
De forma geral, a análise se baseia em uma disparidade encontrada pelos gestores da Squadra acerca do lucro recorrente e do contábil e que, apesar de não ter sido algo manipulado, seria resultado de ganhos “extraordinários” e “não recorrentes”.
“Nesse processo, encontramos indícios que apontam lucros normalizados (recorrentes) significativamente inferiores aos lucros contábeis reportados nas demonstrações financeiras da Companhia. Essa disparidade entre lucro contábil e lucro normalizado foi crescente durante o período e atingiu sua maior diferença nos resultados trimestrais mais recente”, informava o relatório.
Assim, a gestora indicava que a resseguradora apresenta, principalmente no último trimestre, uma rentabilidade mais elevada do que real. Por consequência, muito maior do que os pares do setor. E isso está impactando o preço da ação.
O mercado acompanhou a Squadra. A XP, por exemplo, colocou o ativo sob revisão após o relatório, sendo seguida por diversos outras gestoras.
A acusação, contudo, não passou despercebida pela IRB. Houve um contra-ataque da empresa. A companhia de resseguros acusou a Squadra de tentar influenciar na queda do preço das ações para se beneficiar – já que estava vendida na operação.
Além disso, o IRB acusou a Squadra de aumentar a posição em um terço pouco antes da divulgação do relatório, o que, segundo o documento apresentado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), seria uma negociação atípica de ações que configuraria “insider trading”.
Segundo o Estadão, a segunda carta da Squadra foi divulgada uma semana antes do vencimento das opções de ações, que ajudaria a gestora a atenuar prejuízos de R$ 360 milhões acumulados desde o início da estratégia.
A Squadra tem uma opção de venda correspondente a um total de 910,9 mil lotes com 100 ações do IRB cada e que vence na próxima segunda-feira (17), segundo a publicação. Dessa forma, quanto menor a cotação das ações da IBR, maior o lucro da Squadra.
A CVM informou ao SUNO Notícias que abriu três processos administrativos acerca da conduta do IRB e da gestora Squadra.
“Com relação ao assunto objeto de sua solicitação, estão em andamento na CVM, dentre outros procedimentos, os processos administrativos 19957.011072/2019-20, 19957.000767/2020-10 e 19957.000930/2020-44.”.
Caso seja localizado algum indício de irregularidades de qualquer uma das partes, o órgão regulador pode punir os responsáveis.
Relatórios como o do IRB são mais comuns no exterior
Esse tipo de relatório, contudo, não é incomum no exterior. Nos EUA, por exemplo, alguns casos célebres são reconhecidos no mercado financeiro até hoje.
Saiba mais: IRB Brasil opera em queda de 9% após nova carta da Squadra
Em 2012, a gestora Pershing Square Capital Management, ficou famosa após o gestor Bill Ackman montar uma posição short nas ações da gigante Herbalife e chamar a operação da companhia de “pirâmide”.
Segundo reportou o jornal Valor à época, para Alckman, “os produtos da Herbalife são, em média, mais caros do que a concorrência e a maioria de suas novidades são vendidas também pelas rivais”.
Dessa forma, o múltiplo da Herbalife estava muito além de concorrentes do mesmo setor, sem motivo aparente. Além disso, ele também afirmava que a empresa ganhava com recrutamento de novos membros e não com a venda do produto – característica de empresas pirâmide. As ações da Herbalife chegaram a cair 40%.
“Isso é bem comum nos EUA, mas lá já faz parte do mercado. Por aqui, o pessoal ainda não está acostumado e, por isso, dá esse alarde todo. Mas não há conflito de interesse nenhum. A gestora está apenas explicando o motivo de estar vendida”, disse outro analista em com conhecimento do mercado estrangeiro. Para ele, o processo é natural.
A americana Citron Research, por exemplo, é famosa por seus relatórios embasando as posições vendidas nas empresas.
O mais recente é o short da startup fitness Peloton, que fez seu IPO recentemente. Enquanto a ação é cotada na casa dos US$ 28 atualmente, a Citron fez a posição e lançou relatório mostrando que a empresa, que vale cerca de oito vezes a receita, deve ver seus papéis caírem a US$ 5.
Squadra já divulgou outras análises “short”
Não é a primeira vez que a gestora Squadra monta uma posição e divulga relatório para apresentar sua tese contra a valorização de alguma companhia listada na Bolsa de Valores de São Paulo (B3).
Em 2011, a gestora ganhou os holofotes do mercado ao divulgar relatório apontando inconsistências em uma empresa de educação, que o mercado associou a Anhanguera Educacional.
À época, os papéis da Anhanguera também registraram fortes quedas após a Squadra relatar práticas “hetedoroxas” nas “demonstrações contábeis de uma companhia”.
“[As empresas] passam a mostrar também os seus resultados pró-forma – quase nunca auditados – em seus press releases, a fim de incluir os números das empresas adquiridas nos exercícios anteriores”, disse a gestora em carta divulgada em 2011.
“Com isso, fica mais fácil apresentar um elevado crescimento de ‘lucro ajustado pró-forma’ por exemplo, bastando ajustar para menor o lucro da companhia adquirida no ano anterior ao da aquisição”, informava à época a carta aos acionistas.
Com tal histórico, a Squadra espera agora a continuidade na queda das ações da IRB, além das investigações da CVM, para provar ao mercado que sua posição estava certa.