Investimentos internacionais ainda valem a pena? Analistas respondem
Investimentos internacionais foram muito populares nos últimos dois anos. Em 2021, os investidores brasileiros bateram recorde nesta modalidade. Neste ano, apesar do cenário que inclui conflitos no leste europeu, lockdowns na China com alta de casos de Covid-19 e sanções econômicas contra a Rússia — em meio à escalada da inflação global –, o número de investimentos no exterior segue alto. Continuará assim? Vale a pena insistir em alocar dinheiro lá fora? Consultamos especialistas para entender o que o investidor deve fazer, ou se proteger, em meio a esse quadro de incertezas.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o acumulado de patrimônio líquido de 2021 em fundos que investem internacionalmente, considerando renda fixa, ações e multimercados, foi de R$ 9,5 trilhões.
Em 2022, o foco em alocações fora do país continua crescendo. Os investimentos em ações, por exemplo, subiram cerca de 10,5% em janeiro deste ano, em comparação ao mesmo período no ano anterior.
Já a soma do acumulado do primeiro trimestre de 2022, considerando as mesmas modalidades, foi de R$ 2,46 trilhões, uma alta de 13,2% em comparação ao mesmo período do ano passado, que totalizou R$ 2,17 trilhões.
O que puxou o crescimento foi a modalidade de Fundos Multimercados, com aumento de 15,04%, seguido pela de ações, que avançou 6,23%. Já os fundos de renda fixa tiveram uma queda de 10,29% no patrimônio líquido, segundo o Boletim de Fundos de Investimento da Anbima, com dados atualizados de março.
Confira a tabela com os valores:
A razão é simples: investidores estão cada vez mais diversificando seus portfólios para proteger patrimônio. A previsão inflacionária em 5,09% ao ano, segundo o Boletim Focus mais recente, continua sinalizando que a inflação de 2022 virá acima do teto da meta. O ano também contempla as eleições presidenciais, o que tende a causar instabilidade.
“Quando manda dinheiro lá para fora, o brasileiro pensa em proteção patrimonial, diversificação de risco Brasil. A gente sai do cenário Brasil para diversificar com outra moeda e também procura ativos rentáveis, mas com segurança”, diz Fernanda Della Monica, sócia e head comercial da 3A Investimentos.
Mesmo com a constante queda do dólar, que fechou a quinta-feira (14) em leve alta de 0,17%, negociado a R$ 4,6968, ainda há muito investidor querendo se proteger lá fora. Fernanda acredita que investir em ativos internacionais ainda vale a pena.
Mesmo com o dólar nos patamares atuais, o preço é vantajoso com a valorização cambial que virá mais à frente, especialmente em relação aos bonds americanos, com o novo ciclo de elevação da taxa de juros.
A sócia da 3A Investimentos ressalta que se trata de um investimento a ser feito com foco no longo prazo. Quando o dólar subir novamente, o investidor terá a taxa atualizada em conjunto com o valor cambial atualizado. “Será que é o melhor momento de mandar dinheiro lá para fora?”, ela pondera aos seus clientes. “A gente vai aproveitando as quedas e monta um portfólio pensando no longo prazo”.
Fernanda deixa um alerta em relação aos bonds: com o aumento de juros nos Estados Unidos, os títulos de renda fixa sofrem marcação a mercado, de forma que não está 100% isento de volatilidade. “Então, é preciso ficar bem atento a essa alocação de carteira lá fora para definir uma estratégia a longo prazo, para atravessar esses momentos de instabilidades”, explica.
“Temos de lembrar que esse investimento, em 2022, tanto em renda fixa quanto a variável, oferece muita volatilidade. Então é preciso ter muita cautela na hora de alocar o portfólio e pensar numa estratégia global com diversificação a nível mundo”, reforça.
Para Leonardo Nascimento, sócio da Urca Capital Partners, mesmo com o mergulho do dólar, os investimentos internacionais não sofreram mudanças tão súbitas de cenário. “[Com] o Brasil, obviamente, subindo a taxa de juros e o dólar perdendo valor em relação ao real como vem ocorrendo, ímpeto do investidor de colocar recursos lá fora diminui um pouco”, lembra.
“Mas aqueles que fazem uma análise mais fria conseguem compreender que uma parte dessas carteiras precisa estar numa moeda forte, como é o dólar”, afirma Leonardo.
Concentração dos investidores em bonds
“Em 2022, esse tipo de investimento arrefeceu com a queda do dólar e machucou muita gente”, observa Carlos Henrique Pessoa, Gestor de Recursos e CEO da Vêneto Family-Office, sobre os investimentos internacionais. Apesar disso, ainda há muita gente buscando a segurança e tranquilidade em fundos internacionais, ele acrescenta.
O CEO da Vêneto Family-Office afirma que o foco se volta à compra de bonds, ou seja, renda fixa internacional. “Há compra de ações, hedge funds, mas a maior parte em investimento direto lá fora. Entendo que são os bonds”.
Os bonds são títulos da dívida externa negociados internacionalmente e emitidos por uma grande corporação ou um país que deseja arrecadar recursos.
Fernanda concorda que a opção mais comum para o investidor brasileiro é uma carteira de bonds, podendo ser até de uma empresa brasileira com títulos de dívida, mas “basicamente o brasileiro opta por aplicações mais seguras com o ganho cambial, que é bem interessante”.
O sócio da Urca Capital Partners diz que o investimento no exterior é comum entre investidores profissionais, que já possuem uma estrutura offshore mais sofisticada e diversificada, “entre ativos como ações, bonds, FIIs e eventualmente até imóveis.” E complementa: “Isso é o que o pessoal sofisticado faz, com uma concentração grande em bonds e fundos de investimentos globais”.
Forma de proteção: Fundos de hedge
O fundo de hedge, ou hedge fund, é um fundo de investimento que proporciona mais liberdade para investir e alocar recursos, sem precisar se limitar a políticas rígidas e limitações como em outras modalidades.
No Brasil, os hedge funds são conhecidos como Fundos Multimercados. Embora nem todos os fundos multimercados sejam hedge, a maioria deles utiliza esse nome apenas por questões regulatórias. Ano passado, essa modalidade de investimento no exterior acumulou patrimônio líquido de R$ 7,654 trilhões. Só em fevereiro de 2022, os fundos multimercados movimentaram R$ 670 bilhões, conforme os dados da Anbima.
“Quem quer ter exposição lá fora deveria buscar fundos de retorno absoluto, hedge funds por exemplo. São fundos que não ficam expostos ao mercado direcional. Os juros vêm subindo nos EUA e isso pode jogar o mercado para baixo”, disse Carlos Henrique.
Investimentos internacionais: BDRs e ETFs são boas alternativas?
Na última quinta-feira (7), o B3 (B3SA3) divulgou o novo boletim mensal sobre BDRs, com dados referentes a março. No documento, a instituição aponta que, no total do primeiro trimestre de 2022, foi registrado um número muito maior de vendas dos ativos do que de compra. No total, foram R$ 5,2 bilhões em emissões contra R$ 8,4 bilhões de cancelamentos.
Março teve o maior número de vendas: R$ 3,8 bilhões, uma alta aproximada de 90% ante fevereiro, que anotou R$ 2 bilhões em cancelamentos e R$ 1,6 bilhão em emissões. Em janeiro, somou R$ 2,6 bilhões em cancelamentos dos ativos e R$ 2 bilhões em emissões.
Apesar das quedas em compras do ativo, o que aponta uma sensação de cautela por parte dos investidores, os analistas concordam que BDRs e ETFs são boas opções de investimento internacional. É uma forma eficiente (e mais barata) de se montar uma carteira no exterior, já que o investidor não irá necessariamente mandar dinheiro para fora do Brasil, mas estará exposto ao dólar.
O destaque do mês foi o BDR do Mercado Livre (MELI34), o mais negociado em março, de acordo com dados da B3. No Boletim Mensal de março, o Mercado Livre aparece em primeiro lugar na lista dos 10 BDRs mais negociados no mês, com Volume Médio de Negociações Diárias (ADTV, na sigla em inglês) de R$ 82,8 milhões, com participação total de 17,5%.
Na comparação com março de 2021, o primeiro lugar pertencia à Tesla (TSLA34), com ADTV de R$ 71,2 milhões e 16,2% de participação, mas o BDR do Mercado Livre vinha logo em seguida.
“É interessante porque você começa a ter ETFs específicos de setores, uma diversificação muito grande, então consegue ser bem assertivo na locação”, diz o CEO da Vêneto Family-Office.
Os ETFs (Exchange Traded Fund) acumularam R$ 488,1 bilhões em patrimônio líquido em 2021 e, neste ano, segundo os dados até fevereiro, já alcançaram R$ 81,038 bilhões.
Fernanda Della Monica acredita que esse tipo de investimento é o melhor para clientes com patrimônio menor. “Os fundos às vezes têm um mínimo maior para acessar e ETF e BDR você consegue comprar fracionado”, pontua. Mas ela pondera: “O ponto ruim é a apuração de Imposto de Renda que o cliente precisa fazer, enquanto os fundos são retidos na fonte”.
Mudança nas expectativas e na atratividade: guerra na Ucrânia
O ano de 2022 já havia começado com pontos de atenção: uma nova onda de infecções por Covid-19 conseguiu diminuir as expectativas de retomada em janeiro, trazendo incertezas sobre a economia global. Antes que o surto global pudesse arrefecer, o conflito leste europeu entre Rússia e Ucrânia trouxe uma piora ainda mais profunda para os analistas do mercado.
“O investimento internacional sofreu um choque com a guerra da Ucrânia e Rússia, pois pressionou a inflação no mundo inteiro, [o que] acabou aumentando a expectativa de subida de juros. Por consequência, a Bolsa sofre e a renda fixa se desvaloriza. Ativos que tomam riscos no longo prazo acabam apanhando”, explica Carlos Henrique Pessoa.
O CEO lembra que isso vem provocando a queda dos mercados lá fora. Mas, em meio a esse quadro desafiador e incerto, há quem prefira enxergá-lo como uma oportunidade. Outros vêm os juros nos EUA com o potencial de uma alta maior, devido à inflação americana perto da casa de dois dígitos. “Mesmo que a guerra acabe, podemos ter inflação de 5%, 6% ao ano nos EUA, e a taxa de juros pode subir além de 4%, 5%”, ressalta.
“A guerra intensificou um problema que já existia com a Covid-19, que é a inflação global. Mas surgiram oportunidades para se posicionar — commodities, por exemplo. Se a guerra continuar, esse é um setor que se beneficia. Se ao conflito terminar, a Bolsa americana sobe e as commodities caem. Então uma posição comprada de bolsa americana com commodities também justificaria uma alocação de carteira lá fora, para quem gosta de mais risco”, indica Fernanda Della Monica.
As commodities, em especial o petróleo, oscilam diariamente desde o início da guerra. No início de março, os preços do petróleo atingiram a maior alta desde 2008, com atrasos no potencial retorno do óleo iraniano aos mercados globais e a possibilidade de os Estados Unidos e aliados europeus proibire, importações do produto russo.
No dia 7 de março, o barril de Brent subiu 9,9%, para US$ 129,78, enquanto o de WTI dos EUA avançou 9,4%, para US$ 126,51. Foram ganhos percentuais históricos desde maio de 2020.
Agora, com pouco mais 50 dias de guerra, a situação aparenta ter esfriado — pelo menos em comparação ao início dos combates no leste europeu. Mas os preço seguem em patamares elevados. Nesta quinta (14), O contrato do petróleo WTI para maio fechou alta de 6,69% (US$ 6,31), a US$ 100,60 o barril, na New York Mercantile Exchange (Nymex). Enquanto isso, o Brent para junho subiu 6,25% (US$ 6,16), a US$ 104,64 o barril, na Intercontinental Exchange (ICE) o barril.
Leonardo Nascimento, sócio da Urca Capital Partners, acredita que a situação para os investimentos internacionais mudou muito mais para quem possuía aplicações na Europa e menos nos EUA.
“A guerra parece dar sinais de uma solução a curto ou médio prazo. Mas é imprevisível. Então, não deu tempo de mudar essa atratividade. Obviamente a Europa foi mais atingida, principalmente em companhias que têm relação com a Rússia”, argumenta.
Por mais que as expectativas tenham mudado, os investimentos internacionais ainda se mostram favoráveis no longo prazo, conforme o desejo de proteção patrimonial dos investidores brasileiros continua a crescer.