Com a presença crescente do investidor iniciante na bolsa de valores, o cardápio de produtos do mercado de capitais deve ganhar cada vez mais diversidade para além da bolsa tradicional focada em commodities e na “velha economia”.
Segundo especialistas, o investidor iniciante tem um interesse maior por empresas que estão presentes no seu cotidiano, o que deve motivar a entrada de cada vez mais empresas do setor de consumo na bolsa de valores. Além disso, ativos ligados ao setor de tecnologia e ETFs diversificados também despertam o interesse do novo investidor.
“É natural que as pessoas tenham mais conforto investindo em empresas que estão efetivamente no dia a dia delas, as quais elas possam se ‘conectar'”, relata a estrategista de ações da Clear Corretora, Pietra Guerra.
Atualmente a bolsa brasileira não reflete a “economia real”, uma vez que predominam ativos ligados ao setor de commodities e a serviços financeiros. Nomes como Vale (VALE3), Petrobras (PETR4) e Itaú (ITUB4) ainda predominam no Ibovespa, representando cerca de um quarto do índice juntas.
No entanto, tem aumentado a presença de empresas de setores mais próximos do cotidiano dos brasileiros, como companhias de saúde (impulsionadas pela pandemia) e tecnologia, por exemplo.
Entre as ofertas iniciais de ações (IPOs) feitas em 2021, algumas das mais rentáveis foram justamente de companhias do setor de tecnologia, como a Intelbras (INTB3), que em um semestre subiu 82% em relação ao seu preço inicial, ou a Allied (ALLD3), que saltou 66% na mesma lacuna de tempo.
Esse panorama, segundo especialistas, deve fazer a bolsa, as corretoras e instituições correrem atrás de um portfólio ainda mais diversificado.
“Acredito que há uma relação grande. Uma empresa que faz parte do cotidiano acaba sempre tendo mais apelo ao investidor pessoa física. Uma produtora de insumos, por exemplo, não possui tanto apelo para investimento, já que não fica tão evidente no dia a dia do investidor”, afirma o gestor da Rio Verde Investimentos, Eduardo Cavalheiro.
Um dos papéis que exemplifica esta relação, segundo o gestor, é a Petz (PETZ3) – que desperta interesse do investidor iniciante justamente por fazer parte do seu dia a dia. “Todo mundo fala bem dela. Tudo que é investidor ‘novo’ que tem algum animalzinho de estimação faz uma análise positiva”, comenta.
Apesar de a companhia em questão ter entrado no Ibovespa recentemente, sua relevância no índice ainda é irrisória ante setores tradicionais, como o dos grandes bancos, de petroleiras, elétricas, mineradoras e siderúrgicas.
“Esse reflexo não tem a ver exatamente com o modelo de negócio, mas com o ‘DNA econômico’ do Brasil, com o grosso do PIB [Produto Interno Bruto]. Na Alemanha, por exemplo, quem lidera os índice são as multinacionais do setor metalmecânico”, analisa Elias Wiggers, assessor de investimentos e sócio da EQI Investimentos.
Mudanças no Ibovespa devem vir no longo prazo
No passado, empresas como a Telebrás (RCTB) já tiveram participação de quase 50% da composição do índice. Agora há um “teto” de 20%, e a metodologia atualiza a carteira a cada quatro meses.
A Petz, exemplo citado por Cavalheiro, entrou no índice na última atualização, que passou a vigorar no dia 6 de setembro, com uma composição formada por 91 ativos de 84 empresas. Vale lembrar que o Ibovespa corresponde a cerca de 80% do número de negócios e do volume financeiro do mercado.
As mudanças na composição do índice Ibovespa – que devem vir com as mudanças econômicas – ficam para o longo prazo, observa o gestor.
“O índice em si é muito concentrado, baseado em volume e negociabilidade pela sua metodologia; e sabemos que negociabilidade é algo de longo prazo. A mudança do índice, da mesma forma, também é lenta. Isso deve mudar, e por enquanto o índice não reflete a economia e o mercado. Já na bolsa como um todo, com quase 500 ações, passamos a ver mais setores representados com os IPOs desses últimos tempos, com uma maior diversidade de segmentos”, destaca Cavalheiro.
Com investidor iniciante, commodities ficaram ‘fora do radar’
No panorama atual, a possibilidade de investir em ações de companhias da velha economia e que são gigantes no índice perde atratividade. Em evento online sobre investimentos em ações, o gestor do Alaska, Henrique Bredda, contou que o maior interesse dos novos investidores está nas companhias de tecnologia, cada vez mais presentes no cotidiano, porém fora da bolsa brasileira – como o iFood, por exemplo.
“Eu conversei com três garotos de 19 anos que estudam em faculdades de primeira linha de São Paulo e estão nessas ligas de mercado financeiro. O curioso é que no tempo que eu passei com eles e que eles podiam me fazer perguntas, me questionaram sobre o que eu acho das techs, qual empresa tech que eu gosto. Me perguntaram o que eu acho de global finance, e eu perguntei de volta ‘o que que é global finance?'”, relata Bredda.
“Hoje está muito bem no radar, bem mapeado, tecnologia e investimento internacional. O que tá fora do radar é Petrobras, Vale e Suzano (SUZB3). Ninguém quer ouvir falar do básico da bolsa, do ‘arroz com feijão'”, acrescenta.
ETFs menos “institucionais”
Além das ações “tradicionais” da bolsa, os especialistas destacam que há um apetite maior por produtos como BDRs e ETFs (Exchange-Traded Funds). Não é à toa que eles têm sido alvo de uma disputa entre as corretoras – que atualmente reduzem suas taxas a níveis historicamente baixos como forma de atrair os investidores novatos da bolsa.
Um dos últimos movimentos nessa tabuleiro de xadrez foi a redução feita pela BlackRock, que jogou para 0,10% ao ano a taxa de administração cobrada pela aquisição do BOVA11, ETF que replica o Ibovespa.
A decisão foi anunciada no fim de agosto, alguns dias após a XP Investimentos zerar a cobrança anual do BOVX11, o seu ETF de Ibovespa – decisão que deve ser mantida até que o fundo atinja R$ 1 bilhão sobre gestão.
Simultaneamente, além de ampliarem a oferta de ETFs vinculados ao índice (e consequentemente à “velha economia”), as corretoras e instituições financeiras ampliam cada vez mais a sua oferta de produtos menos “institucionais”. Nesse âmbito, um dos produtos mais emblemáticos é o fundo previdência internacional com investimento em criptomoedas.
Vinculado à gestora Hashdex, do mercado de criptos, o fundo foi lançado em parceria com a XP, batizado de Hashdex Criptoativos XP Seguros Prey FIC FIM. O produto é restrito a investidores qualificados.
A exposição a ativos de maior volatilidade, como os vinculados às criptomoedas, também demonstram que o investidor iniciante do Brasil está mais tolerante ao risco.
“O investidor brasileiro está com um nível investimento acima da média histórica. Isso dá algum estômago para suscetibilidade à volatilidade. Nós aqui, olhamos as criptos com bons olhos; vemos que a volatilidade deve se reduzir no longo prazo. Sem dúvida, nos próximos anos, os investidores vão ter mais moedas digitais”, analisa Jerson Zanlorenzi, head da mesa de ações e derivativos do BTG Pactual Digital (BPAC11).
Para ele, a entrada do brasileiro médio na bolsa ocorreu pelo movimento de queda da Selic (que chegou a 2% em 2020, menor nível da história, e atualmente volta a subir) e também pelo crescimento expressivo do segmento de research e dos conteúdos sobre investimentos e finanças nas redes sociais.
“O investidor de ‘varejo’ está muito mais bem informado do que há alguns anos atrás. O investidor, agora, está entrando na bolsa com mais maturidade. Isso consequentemente gera outros produtos, cada vez mais sofisticados”, analisa.
Corretoras devem focar nos primeiros passos
Para Zanlorenzi, os ETFs são os produtos mais atrativos para os investidores novatos, que ainda evitam ou protelam a compra direta de um ativo.
“[O investidor pessoa física] tem que investir gradualmente; cada investidor tem um ‘estômago’. Se você quer comprar R$ 2 mil em ações, por exemplo, compre aos pouquinhos, gradualmente. Uma outra dica, em outro ponto, é começar por ETFs, com uma diversificação maior, com o BOVA11 ou IVBB11. Aí você não precisa escolher uma ação por você mesmo. Da mesma forma, você pode seguir as carteiras recomendadas também. Em um terceiro momento, você escolhe ação“, recomenda.
Na sua análise, um dos principais desafios é trabalhar de uma forma que contribua com a educação de quem entrou no mundo dos investimentos ainda recentemente – e em grande parte, vindo das redes sociais.
Entoando essa tese, Pietra Guerra, da Clear, cita a pesquisa recente da B3 (B3SA3) segundo a qual 73% dos investidores responderam ter aprendido a investir com “YouTube e influenciadores”. No estudo, de respostas múltiplas, 45% também citaram plataformas online e 18% falaram de podcasts.
“Temos que atender uma demanda grande de investidores que estão chegando. Do começo de 2020 até agora tivemos praticamente o dobro de CPFs na bolsa. Acho que com isso, o principal ponto – o enfoque para trabalharmos com o investidor iniciante – é o conhecimento. Há um foco muito grande na educação financeira com esse contexto. A primeira barreira a se vencer quando se chega na bolsa é essa”, afirma Pietra.