A participação do Brasil na carteira do investidor estrangeiro chegou à mínima histórica. A evasão se deu por causa da expectativa de alta dos juros nos EUA, maior aversão aos riscos e preocupações com a crise fiscal no Brasil, agravada com a tentativa de “furar” o teto dos gastos.
Após fuga de US$ 51,2 bilhões pelo canal financeiro em 2020 – com renda fixa e ações -, dados do Banco Central mostram que este ano tem havido recuperação nos investimentos dos estrangeiros, mas de forma tímida. No ano, até outubro, o total é de US$ 1,8 bilhão.
Considerando os fundos dedicados aos mercados emergentes, o País tem hoje uma fatia de 5,1% – no auge, em 2011, essa participação era de 16,4%.
Já nos fundos globais, que compram ações em todo o mundo, a fatia do Brasil é de 0,23%, ante participação que chegou a 1,94% no fim de 2009, conforme relatório do BTG Pactual (BPAC11).
Nos fundos dedicados à América Latina, o Brasil não está com a pior exposição histórica. Hoje, está em 60,36%, menor nível desde 2019, mas acima do piso de 2015 (43,1%).
“Isso é explicado por uma confluência de fatores domésticos e um internacional, diante de um movimento de aumento de taxas de juros”, diz a chefe de economia da corretora Rico, Rachel de Sá.
Ela lembra que é comum, em épocas de juros muito baixos, a ampliação de investimentos de maior risco. Esse cenário agora mudou. “Com isso, começa a ter um redirecionamento.”
Para a analista da Toro Investimentos Paloma Brum, o cenário interno tem ajudado a afastar investidores. “A quebra da regra do teto dos gastos não foi bem avaliada. Uma das leituras é de que, se (o governo) quebra uma regra, isso pode ocorrer com outras.”
Estrangeiro vê crise mais severa
As preocupações com o ritmo de crescimento da atividade econômica em 2022, com a inflação em alta e o aumento da dívida pública não são exclusividade do Brasil quando se considera a situação em outros países emergentes.
Mas a intensidade desses problemas parece produzir mais estragos aqui do que em outros lugares, argumentam os analistas.
Por conta disso, diz o economista-chefe para emergentes da consultoria inglesa Capital Economics, William Jackson, a confiança dos investidores internacionais se reduz em meio a um cenário já negativo: a disparada da inflação levou o Banco Central a elevar os juros de forma agressiva, com impacto direto no PIB, e a perspectiva é de que esses juros tenham de subir ainda mais se a mexida no teto de gastos sair do papel.
A piora fiscal do Brasil, aliás, já vem levando investidores em Nova York a questionar a capacidade de o governo conseguir honrar a dívida pública, segundo a economista para Brasil do banco americano JPMorgan, Cassiana Fernandez.
“Pela primeira vez em alguns anos, a gente volta a ter de responder perguntas sobre a solvência da dívida no Brasil“, contou em evento recente da Anbima.
O reflexo desse temor é a menor disposição em aportar recursos aqui, sobretudo em um ambiente de muita falta de previsibilidade sobre as políticas do governo.
Comprovação desse cenário veio com pesquisa do JPMorgan com investidores globais, mostrando que o entusiasmo com América Latina está no menor nível da série histórica.
“O Brasil acaba liderando um pouco essa preocupação com a América Latina”, disse Cassiana, ressaltando que isso ocorre em um momento em que os investidores europeu e americano estão mais avessos ao risco de emergentes e mais voltados a seus países.
China ganha espaço
Outro ponto que explica o fato de o Brasil ter uma presença cada vez mais minguada na carteira dos fundos globais é a participação crescente de ativos chineses nos portfólios, lembram especialistas.
Com isso, proporcionalmente, a fatia brasileira no total acaba ficando menor. O coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV), William Eid, explica que o crescimento da região asiática acaba se traduzindo em retornos mais altos para os investidores.
Do lado interno, os riscos locais aumentaram ainda mais, com o pano de fundo de ausência de reformas – um mantra do mercado financeiro – e os problemas fiscais que foram acentuados no Brasil com a articulação comandada pelo próprio governo para mudar o teto de gastos.
“O mundo tem alternativas melhores. Muitos emergentes estão em situação melhor do que a do Brasil”, comenta.
Neste ambiente de deterioração doméstica, mesmo a decisão do BC de acelerar o ritmo de aumento da Selic – a expectativa é de que a taxa básica de juros chegue a dois dígitos já no começo de 2022 – é vista com desconfiança pelos investidores, avaliam as analistas Alexandra Bechtel e Melanie Fischinger, do alemão Commerzbank.
Em tese, juro mais alto deveria atrair capital estrangeiro em busca de retorno alto. Contudo, elas observam que a turbulência política em Brasília combinada com a perspectiva de baixo crescimento se traduz em falta de previsibilidade.
Com informações do Estadão Conteúdo
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