O novo momento do Brasil, com juros baixos e inflação controlada, deve fazer com que o fluxo à renda variável seja um movimento sem precedentes. Isso, contudo, não decretará a morte da renda fixa.
A análise é de Ian Caó, um dos gestores da GAMA Investimentos, gestora de recursos independente focada em fundos de crédito privado.
Para Caó, o investidor brasileiro também não deve se prender apenas as novas oportunidades do Brasil.
“O investidor brasileiro hoje tem que olhar para o mundo, daí a importância das plataformas de investimento, pois um cara sozinho aqui no Brasil jamais ligaria para um fundo na Inglaterra. Então cabe as plataformas perceberem esse movimento”, disse Ian Caó, gestor da GAMA Investimentos.
Confira a entrevista exclusiva ao SUNO Notícias:
-Como a GAMA iniciou no mercado?
Comecei a identificar que pelo andar da carruagem que a gente teria um salto bem importante para o mercado de capitais brasileiro que ficou relativamente adormecido a ponto de todas as gambiarras que foram feitas, com incentivos do BNDES, esse tipo de coisa. Isso se intensificou muito no final de 2016 e início de 2017, para além dos efeitos econômicos, uma hora alguém com a visão mais liberal que pense que não existisse desenvolvimento sem o mercado de capitais desenvolvido.
Portanto montamos a gestora de olho nesse desenvolvimento desse mercado de capitais.
O Brasil é um país que ainda vive em uma espécie de oligopólio bancário, onde 90% da carteira de crédito está nas mãos de cinco bancos, e isso gera práticas que, sem dúvida nenhuma, não são as mais eficientes.
O vetor vem de fora desse ambiente. O que realmente deu um estalo foi justamente uma outra forma de disrupção desse oligopólio que não foi por meio de algo oficial. Foi o surgimento das plataformas de investimento.
Historicamente, você tinha alguém em uma cadeira do banco, com todo o capital de ativo e também de passivo. Todo capital de poupança, fundo de renda fixa DI, era 100% concentrada nas instituições financeiras. Todos esses bancos tinham áreas para investimento, mas as decisões não eram 100% eficientes.
Quando começa o movimento da XP e de todas que a seguiram, independente do dinheiro estar no banco ou não, o que eles fazem é adicionar uma camada de educação, mostrando por exemplo os problemas da poupança, e começa a trazer essa turma para asset independente de gestão, onde a sua decisão é basicamente pensar apenas no risco e retorno do ativo.
Isso começou a criar uma dinâmica de uma espiral positiva que é que por mais que você tenha ciclos com mais apetite a risco, uma carteira ótima, sem dúvida nenhuma, é uma carteira que o brasileiro está longe de carregar historicamente.
Um pedaço desse capital vai para a Bolsa, outro para fundos multimercados, outros para diversos ativos. Agora, um pedaço relevante vai ter sempre a característica de renda fixa. É assim no mundo todo e, no Brasil, até por essa inércia de o povo carregar a carteira, vai demorar bastante tempo até que você tenha mais alocação em risco do que a média mundial. E a média mundial é ter um pedaço relevante em renda fixa pois é algo que faz sentido, porque você precisa e liquidez, proteção, etc.
Quando esse dinheiro começa a vir para o mercado, um destino meio natural é como você entrega um alfa maior do que o título público além do que o título público está oferecendo em mínima histórica? E esse dinheiro foi para o mercado de crédito, o que é natural.
Tem cara lá fora que o alfa que gera é de menos que 0,5%. O Brasil está virando um país civilizado, então alfa lá em cima é passado. A maior parte dos investimentos também será de renda fixa, apesar do crescimento da tomada de risco.
-O investidor que vem investir com vocês está ciente dessa mudança de 14% ao ano para 5%?
Eu acho que isso funciona em saltos. Eu lembro bem quando o juro caiu de 12% ao ano, decretaram a morte da renda fixa, já que ninguém consegue viver com menos de 1% por mês.
Mesmo assim, as pessoas vão ajustar as expectativas, e você tem um rebalanceamento. Mas, uma camada grande, sempre vai ser de renda fixa. Quando a taxa básica for de 5%, se você entregar 0,5 ponto acima já é coisa pra caramba.
-Como fazer isso?
Uma das estratégias é utilizar fundos híbridos juntando essa camada local, com estrutura offshore, mas para isso você precisa de uma alteração na legislação, que ainda não ocorreu. Então, mudando, faremos produtos combinando risco local com offshore, sempre trazendo expectativa de gerar alfa para os investidores e, fora isso, são as camada com ativos de menor liquidez e achamos que eles ainda tem uma capacidade grande.
A gente tem um fundo, que lançamos em 2018, e mais um com uma política de resgate um pouco mais restritiva, com 45 dias para resgate, que te permite uma concentração maior e ativos menos líquidos para oferecer.
-O que seriam esses ativos menos líquidos?
Para ser um fundo menor qualificado e não seguir a resolução 4661, que é a legislação de fundos de pensão, você poderia estruturar um FDIC. O nosso administrador não permite, então ele fica no mesmo enquadramento do 4661.
Nesse fundo, ficamos mais concentrados, depois não tem restrição de S/A fechado.
-Quem é o cliente da Gama?
Hoje são clientes de plataformas, pois estamos listados nas principais, temos alguns family offices, temos um seed money de um family office. Quanto mais você anda na sofisticação de produto, você também anda na sofisticação dos clientes. Ele já atende alguns investidores desse tipo. Tem a própria gestão de ativo de crédito privado e procura nos créditos maior risco para gestão.
-Como você vê essa migração da renda fixa para a variável?
Achamos que não é uma panaceia. Acho que tem, que é saudável ter, já que a cara do portfólio médio do brasileiro não era ótima pois você tinha um juro real muito alto. Esse negócio acabou. É uma convicção que eu tenho em relação a renda fixa e investimentos locais. O investidor brasileiro hoje tem que olhar para o mundo, daí a importância das plataformas de investimento, pois um cara sozinho aqui no Brasil jamais ligaria para um fundo na Inglaterra não existe, então cabe as plataformas perceberem esse movimento.
Os clientes também precisam aceitar um nível de risco condizente com nível de retorno que eles esperam, que traz volatilidade, esse tipo de coisa. As plataformas são uma ferramenta de execução, mas principalmente de educação desse investidor.
A taxa de juros baixa está tentando estimular um crescimento que não está ocorrendo. Mesmo assim, o espaço da renda fixa sempre será grande e isso crie uma desenvolvimento que a gente acha que vai ter.
-Muita gente acha que, com a taxa básica de juros baixa, o mercado de crédito passará por uma revolução. Qual a sua opinião sobre isso?
Sim, é justamente isso. O mercado de crédito privado no Brasil sempre teve esses dois “dumpings”. Um era esse juro muito alto, que sempre desincentiva tomar risco pelos investidores de renda fixa e o outro era a própria estrutura do mercado de crédito por aqui, com um lado de uma cultura de bancos mei oligopolista, do outro é o setor público fazendo crédito incentivado via BNDES. Então todas essas ineficiências, quanto mais transparente for o mercado, mais natural o caminho entre o poupador de recurso e as empresas, o mercado de capitais será mais evoluído.
-Você acha que o mercado de crédito vai suprir a saída do BNDES do mercado?
O BNDES já saiu. É o que tem acontecido, na dinâmica do mercado, com crescimento de emissões, liquidez, isso mostra uma grande funcionalidade, inclusive, no histórico de fluxo cambial. Várias empresas que, historicamente, vinham emitindo lá fora, agora, com o desenvolvimento do mercado local, eles migraram para o mercado local.
Isso é um pouco da explicação da volatilidade no curto prazo e isso também impacta no fluxo cambial, pois as empresas emitiam lá fora e, agora, passam a emitir aqui. Então efetivamente o mercado está crescendo, ainda está engatinhando naquilo que vai ser, mas é nesse sentido.
-Você é da linha que considera que o ambiente macro irá ajudar?
Conceitualmente eu me importo pouco com isso. Vou explicar. Na verdade eu me interesso pois economia e política são complexos super dinâmicos. A garantia da boa condução da política econômica depende do sucesso de curto prazo, o que é uma das espadas em cima da política econômica, pois eu não tenho nenhuma dúvida que o tipo de política adotada conseguiria colocar o Brasil em um salto de 30 anos para frente.
Nunca na história você tem um cara como Paulo Guedes que as pessoas conheciam um ministro antes da eleição. O Paulo assumiu um papel de protagonismo na eleição, o que trouxe um capital político dele que o permite ser bastante ousado. O Brasil sempre tem desvios grotescos na condução de política fiscal, mas somos piores no microbusiness.
-As reformas menores são tão importantes quanto as grandes?
Caminhando com as reformas pequenas em paralelo as maiores, eu não tenho dúvida que deslocamos esse crescimento potencial para 4%, 5%. Então o 0,9% deste ano é complexo, dinâmica, então essas coisas deveria ser irrelevante. Só não é pois se isso não vier, a panela de pressão aumenta. Isso tudo é reflexivo. Se você falasse, só olha daqui dez anos, eu teria preocupação zero.