Invasões em Brasília: “Bolsonaro tem responsabilidade política por ataques”, dizem cientistas políticos
Os atos golpistas em Brasília no domingo (8) chamaram a atenção do mundo. Criminosos invadiram as instalações dos Três Poderes, vandalizando ambientes e o patrimônio histórico do país. Segundo o cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, “com as invasões em Brasília, uma fronteira foi rompida entre todos os discursos ou falas dos golpistas que pareciam apenas engraçadas. O movimento é de ódio e as autoridades deverão trabalhar para interrompê-lo”.
Extremistas que questionam o resultado das eleições presidenciais de 2022 e a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) invadiram os prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, em Brasília. Desde a derrota de Jair Bolsonaro (PL) para Lula no segundo turno das eleições, diversos seguidores do ex-presidente passaram a acampar em frente a estruturas das Forças Armadas e a bloquear vias.
De acordo com o especialista, os ataques já estavam desenhados há semanas. “Se esses atos criminosos não forem barrados de forma clara e precisa, eles poderão se multiplicar. Atacar o estado democrático de direito e o patrimônio histórico do país não é manifestar”, disse.
Bolsonaro pode ser culpado ou indiciado por invasões em Brasília?
Rodrigo Prando explica que, da perspectiva jurídica, com as informações disponíveis até então, o nome de Jair Bolsonaro não deve ser associado aos ataques antidemocráticos em Brasília. O campo jurídico irá atrás dos financiadores desses atos para compreender quem disponibilizou recursos para ônibus, refeições, entre outros.
Apesar de não ter sido o articulador dos ataques, Bolsonaro tem a responsabilidade política pelos atos. “Como presidente, sabia da responsabilidade que tinha ao criticar o sistema eleitoral do país, atacar as urnas e a própria democracia”, sustenta.
O ex-presidente se comunica constantemente com seus apoiadores por meio de mensagens nas redes sociais, utilizando “linguagem dúbia, no limite e encorajadora dessa conduta vista em Brasília”, explicou.
Para Rafael Cortez, sócio e cientista político da Tendências Consultoria, “é evidente o impacto que a postura do ex-presidente Bolsonaro teve no processo de deslegitimação do processo democrático brasileiro nas suas diferentes manifestações”.
Cortez observa que muitos atos do próprio mandato de Bolsonaro foram marcados pela ambiguidade. O ex-presidente não exerceu seu mandato até o final. Quando derrotado nas eleições, permaneceu em silêncio por mais de 40 horas até um pronunciamento oficial e, nos meses seguintes, seguiu a tendência. “Bolsonaro sai do governo antes do período formal como um sinal de que não aceita as regras do jogo. Isso naturalmente tem um peso no comportamento desses movimentos antidemocráticos”, avaliou.
“Lula é maior do que PT, mas o bolsonarismo é maior do que Bolsonaro”
O movimento bolsonarista, atualmente caracterizado como a extrema-direita do Brasil, faz oposição à presidência de Lula e constantemente invoca a intervenção militar, o que vai contra a Constituição do Brasil. Prando vê que o ‘caráter bolsonarista’ supera a figura do próprio Jair Bolsonaro, de quem leva o nome.
“Lula é maior do que o PT e o bolsonarismo é maior do que Jair Bolsonaro. A figura de Jair Bolsonaro deve perder força e ser escanteada, mas outros podem assumir o papel que ele teve até então. Personalidades ainda mais radicais, inclusive”, avaliou.
Com a repercussão global que os ataques em Brasília tomaram, Bolsonaro deve perder sua popularidade entre políticos e antigos aliados. “Não se sabe se ele terá capacidade o suficiente mesmo para levantar um projeto de oposição a Lula depois dos atos dos criminosos. Para nenhum político ou governante no Brasil interessa um estado de caos que nos tire da normalidade política”, disse Prando.
Lula pode se fortalecer após atos em Brasília, mas deve mudar postura
Na visão de Prando, Lula tem falado como se ainda fosse candidato em um palanque, como mais um sinal de que a polarização política não arrefeceu mesmo com sua vitória nas urnas em outubro de 2022.
“Lula deve entender que é o presidente, um poder autorizado. Seus esforços, somados aos dos outros Poderes, devem distensionar a sociedade brasileira. Aqueles que não aceitarem, deverão ser encarados como os que ultrapassam o limite da lei. Essa deve ser a postura de Lula daqui para frente.”
Rafael Cortez avalia que Lula pode ser fortalecido em alguma dimensão. “De fato, mostra que é um problema institucional com impactos na normalidade democrática para além do governo federal. Nesse sentido, acaba com a tese da simetria, de que a polarização Lula e Bolsonaro representaria os mesmos lados de risco.”
No entanto, os efeitos positivos para Lula, localmente, em questão de popularidade, não devem ser tão densos. “Ainda estamos em um país dividido em aspectos. Lula tem um capital político relevante, mas, ao mesmo tempo, já carrega uma rejeição alta. A questão econômica deve colocar ainda mais gasolina nessa insatisfação e 2023 será um ano difícil”, apontou Cortez.
Há um indicativo de que os Três Poderes se unificaram em torno do combate a essas posturas radicais, de forma que todos foram atacados simultaneamente nas invasões em Brasília. A reunião dos governadores com Lula nesta segunda-feira (9) é esperada, pois pode firmar um pacto federativo constituído na luta e defesa da democracia, apontam os especialistas.