Panfleto do Extra supermercado, de novembro de 2000. Cada quilo de açúcar custava R$ 0,69. Um pacote com 5kg de arroz beirava os R$ 3,20 e uma lata de Brahma não chegava a 60 centavos. O motivo pelo qual todos esse valores parecem assustadoramente baixos hoje em dia vem de uma somatória de fatores, que vai desde a alta do preço de algumas commodities até o vilão que foi espantado, em partes, pelo Plano Real: a inflação.
Até meados dos anos 1990, o brasileiro sofria com uma enorme volatilidade nos preços de itens básicos com a chamada “hiperinflação”. Este era o nome dado à inflação descontrolada e em níveis elevados, fazendo com que a moeda se desvalorizasse em lacunas de tempo muito curtas.
Quem viveu nos anos 80 – mesmo que fosse criança naquela época – tem alguma lembrança do que era viver naquela fase. Afinal, era impossível até mesmo fazer uma poupança no clássico “cofrinho” infantil, com moedas que perdiam valor a cada dia.
Nos dias atuais, a hiperinflação não voltou, mas a alta dos preços nos últimos anos tem sido suficiente para colocar de volta a inflação nas conversas dos brasileiros. Hoje, é nítida a percepção de que produtos simples – especialmente do varejo – só encarecem ano a ano.
“Não temos uma hiperinflação, mas temos uma inflação bem acima da média, basta ver o IPCA. Temos aumento de preço da alimentação, de preços de energia. Um ponto é como isso mexeu no cotidiano, o que mudou por conta disso”, afirma o economista Jayme Paulo Carvalho, co-fundador da SuperRico, empresa de planejamento. financeiro.
Entre as soluções procuradas pelas famílias hoje em dia estão as compras em ‘atacarejos’. Outra saída é o efeito substituição, que é a troca de bens, como carne bovina por carne de frango e ovos.
Gás de cozinha é um dos principais exemplos
A inflação nada mais é do que um aumento generalizado do preço de produtos e serviços.
Carvalho explica que, no tripé de “empresas, governo e consumidores”, quem sofre mais são as famílias, que veem itens da prateleira do mercado pesarem cada vez mais. E este processo se acentuou com o surgimento do novo coronavírus.
Desde o começo da pandemia, por exemplo, um dos itens essenciais para a cozinha subiu astronomicamente. O botijão de gás, a partir do segundo semestre de 2020, começou a subir e disparou no início desse ano, subindo 11,45% de janeiro a abril.
Hoje, o preço do botijão supera R$ 85. Para lembrar, no início do milênio o preço ficava na casa dos R$ 20.
Nos últimos 12 meses, foram 17,25% de alta, segundo o indicador de inflação do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), utilizado em reajustes salariais e de aluguel.
“Algumas famílias tinham medo de desabastecimento, comprando mais do que precisavam. Pela lei da oferta e demanda, os preços subiram muito logo na segunda quinzena de março do ano passado”, analisa André Braz, economista e Coordenador adjunto do Índice de Preços ao Consumidor da FGV.
O economista ressalta que, logo após esse período, o país passou a contar com uma desvalorização cambial grande, em decorrência do aumento do desemprego e da dívida pública, índices que sustentaram a perda de valor da moeda.
A desvalorização do real, assim, se manifestou de duas maneiras: o país passou a exportar mais – o que também ocasiona desabastecimento do mercado doméstico e eleva preços; e o encarecimento de produtos importados, incluindo máquinas, equipamentos e insumos, elevando o custo envolvido na cadeia produtiva e que, no fim das contas, é repassado ao consumidor.
Um exemplo de outro produto diretamente afetado pela inflação é a gasolina, que subiu 43% em um ano, segundo estudo da ValeCard, empresa especializada em soluções de gestão de frotas.
O produto, de consumo comum a todos os brasileiros que possuem automóvel, subiu consecutivamente por 12 meses consecutivos, com alta de 1,67% em maio, com preço médio de R$ 5,832.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) que ficou próximo da meta somente há pouco tempo, com crescimento contínuo desde maio de 2020.
Boa parte dos brasileiros tende a creditar a elevação de preços de itens de supermercado aos governantes. Contudo, os olhos também devem estar direcionados para decisões de autoridades monetárias como o Banco Central (BC) que, em alguns anos, reduziu a taxa Selic de dois dígitos para uma mínima histórica de 2%.
“O corte na taxa Selic que fizemos, considerando a taxa de 14% ao ano que caiu para, de repente 2%, antes das reuniões recentes que elevaram para 3,5%. Um país com alto grau de incerteza e com uma taxa de juros de 2%? É querer expulsar todo mundo daqui. Se você tem economia fragilizada você não pode ter juros baixos, as pessoas pegam os dólares e vão para outros lugares mais seguros. Com poucos dólares aqui o valor da moeda cai”, explica André Braz, da FGV.
Estamos no caminho para lidar com a inflação acima da média?
Apesar das mudanças recentes do BC com relação à Selic, considerada o principal instrumento do governo para manter a inflação dentro da meta, boa parte do que pode reduzir a inflação em uma perspectiva de longo prazo trata-se de uma agenda de reformas, defende Carvalho.
“O governo tem que continuar com a agenda de reformas, nós precisamos endereçar uma agenda que gere ganhos de produtividade, pois só assim conseguimos expandir a demanda reprimida de consumo. Isso, no longo prazo, garante o crescimento da produtividade sem o processo de inflação por conta de oferta. Isso está muito vinculado às reformas, especialmente as que diminuem os custos das empresas, como a tributária”, explica.
Daqui para frente, a inflação deve continuar pressionada. Segundo o Boletim Focus, elaborado semanalmente com base nas projeções de 100 instituições, o IPCA deve fechar 2021 em 5,31%. A previsão anterior era de 5,24%.
A projeção dos economistas para a inflação já está acima do centro da meta de 2021, de 3,75%, sendo que a margem de tolerância é de 1,5 ponto (de 2,25% a 5,25%). Ou seja, ao que tudo indica, o tempo da casquinha de sorvete do McDonald’s a R$ 1 realmente ficou para trás.